Faculdade Ruy Barbosa
Curso: Direito
Disciplina: Hermenêutica Jurídica
Professora: Ezilda Melo
2ª
Unidade – Atividade em sala – Valor: 1.0 ponto - Data: 30/04/2012
Posicione-se a
respeito do voto do MINISTRO MARCO AURÉLIO, do STF, a respeito das cotas
raciais no ensino superior, tomando como base os métodos de
integração do Direito. Mínimo de 30 linhas.
"As Constituições sempre versaram, com maior ou menor largueza, sobre o tema da isonomia. Na Carta de 1824, apenas se remetia o legislador ordinário à equidade. Na época, convivíamos com a escravatura, e o escravo não era sequer considerado gente. Veio a República e, na Constituição de 1891, previu-se, de forma categórica, que todos seriam iguais perante a lei. Mais do que isso: eliminaram-se privilégios decorrentes do nascimento; desconheceram-se foros de nobreza, extinguiram-se as ordens honoríficas e todas as prerrogativas e regalias a elas inerentes, bem como títulos nobiliárquicos e de conselho. Permanecemos, todavia, com uma igualdade simplesmente formal.
Na
Constituição de 1934, Constituição popular, dispôs-se também que todos seriam
iguais perante a lei e que não haveria privilégios nem distinções por motivo de
nascimento, sexo, raça, profissões próprias ou dos pais, classe social,
riqueza, crenças religiosas ou ideias políticas. Essa Carta teve uma tênue
virtude, revelando-nos o outro lado da questão. É que a proibição relativa à
discriminação mostrou-se ainda simplesmente simbólica. O discurso oficial, à
luz da Carta de 1934, foi único e ingênuo, afirmando-se que, no território
brasileiro, inexistia a discriminação.
Na
Constituição outorgada de 1937, simplificou-se, talvez por não se admitir a
discriminação, o trato da matéria e proclamou-se, simplesmente, que todos
seriam iguais perante a lei. Nota-se, até este momento, um hiato entre o
direito – proclamado com envergadura maior, porquanto fixado na Constituição
Federal – e a realidade dos fatos.
Na
progressista Constituição de 1946, reafirmou-se o princípio da igualdade,
rechaçando-se a propaganda de preconceitos de raça ou classe.
Introduziu-se, assim, no cenário jurídico, por uma via
indireta, a lei do silêncio, inviabilizando-se, de uma forma mais clara, mais
incisiva, mais perceptível, a repressão do preconceito. Na vigência dessa
Carta, veio à balha a Declaração Universal dos Direitos do Homem, em dezembro
de 1948. Proclamou-se em bom som, em bom vernáculo, que “todo o homem tem
capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidas nesta
Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua,
opinião pública ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza,
nascimento ou qualquer outra condição”. Admitiu-se, aqui e no âmbito
internacional, a verdadeira situação havida no Brasil, em relação ao problema.
Percebeu-se a necessidade de se homenagear o princípio d realidade, o dia a dia da vida em
sociedade. No Brasil, a primeira lei penal sobre a discriminação surgiu em
1951, graças ao trabalho desenvolvido por dois grandes homens públicos: Afonso
Arinos e Gilberto Freire. Só então se reconheceu a existência, no País, da
discriminação.
Na
Constituição Federal de 1967, não se inovou, permaneceu-se na vala da
igualização simplesmente formal, dispondo-se que todos são iguais perante a
lei, sem distinção de sexo, raça, trabalho, credo religioso e convicções
políticas.
A
Convenção Internacional sobre Eliminação de todas as Formas de Discriminação
Racial, ratificada pelo Brasil, em 26 de março de 1968, dispôs: "Não serão
consideradas discriminação racial as medidas especiais" – e adentrou-se o
campo das ações afirmativas, da efetividade maior da não discriminação –
“tomadas com o único objetivo de assegurar o progresso adequado de certos
grupos raciais ou étnicos ou de indivíduos que necessitem da proteção que possa
ser necessária para proporcionar a tais grupos ou indivíduos igual gozo ou
exercício de direitos humanos e liberdades” – no sentido amplo – “fundamentais,
contanto que tais medidas não conduzam, em consequência" – e, hoje, ainda
estamos muito longe disso –, "à manutenção de direitos separados para
diferentes grupos raciais e não prossigam após terem sido alcançados os seus
objetivos."
Na Constituição
de 1969 – a Emenda nº 1, de 1969, verdadeira Constituição –, repetiu-se o texto
da Carta imediatamente anterior, proclamando-se, de forma pedagógica – e o
trecho encerra a principiologia –, que não seria tolerada a discriminação.
Esse foi o quadro notado pelos constituintes de 1988, a
evidenciar, como já afirmado, igualização simplesmente formal, igualdade que
fugia aos parâmetros necessários à correção de rumos. Na atual Constituição –
dita, por Ulysses Guimarães, cidadã, mas que até hoje assim não se mostra não
por deficiência do respectivo conteúdo, mas pela ausência de vontade política
de implementá-la –, adotou-se, pela primeira vez, um preâmbulo – o que é
sintomático –, sinalizando uma nova direção, uma mudança de postura, no que
revela que “nós,” – todos nós e não apenas os constituintes, já que eles agiram
em nosso nome – “representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia
Nacional Constituinte para instituir um Estado democrático, destinado a
assegurar o exercício de direitos sociais e individuais, a liberdade, a
segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores
supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na
harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução
pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte
Constituição da República Federativa do Brasil”. Então, a Lei Maior é aberta
com o artigo que lhe revela o alcance: constam como fundamentos da República
brasileira a cidadania e a dignidade da pessoa humana, e não nos esqueçamos
jamais de que os homens não são feitos para as leis, as leis é que são feitas
para os homens.
Do artigo 3º nos vem luz suficiente ao agasalho de uma ação
afirmativa, a percepção de que a única maneira de corrigir desigualdades é
colocar o peso da lei, com a imperatividade que ela deve ter em um mercado
desequilibrado, a favor daquele que é discriminado, tratado de modo desigual.
Nesse preceito, são considerados como objetivos fundamentais de nossa
República: primeiro, construir – prestem atenção a esse verbo – uma sociedade
livre, justa e solidária; segundo, garantir o desenvolvimento nacional –
novamente temos aqui o verbo a conduzir não a atitude simplesmente estática,
mas a posição ativa; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as
desigualdades sociais e regionais; e, por último, no que interessa, promover o
bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer
outras formas de discriminação.
Pode-se dizer, sem receio de equívoco, que se passou de uma
igualização estática, meramente negativa, no que se proibia a discriminação,
para uma igualização eficaz, dinâmica, já que os verbos ”construir”,
“garantir”, “erradicar” e “promover” implicam mudança de óptica, ao denotar
“ação”. Não basta não discriminar. É preciso viabilizar – e a Carta da
República oferece base para fazê-lo – as mesmas oportunidades. Há de ter-se
como página virada o sistema simplesmente principiológico. A postura deve ser,
acima de tudo, afirmativa. Que fim almejam esses dois artigos da Carta Federal,
senão a transformação social, com o objetivo de erradicar a pobreza, uma das
maneiras de discriminação, visando, acima de tudo, ao bem de todos, e não
apenas daqueles nascidos em berços de ouro?
No âmbito das relações internacionais, a Constituição de 1988
estabelece que devem prevalecer as normas concernentes aos direitos humanos.
Mais do que isso, no artigo 4º, inciso VII, repudia-se o terrorismo,
colocando-se no mesmo patamar o racismo, que é uma forma de terrorismo.
Dispõe-se ainda sobre a cooperação entre os povos para o progresso da
humanidade. Encontramos princípios, mais do que princípios, autorizações para
uma ação positiva. E sabemos que os princípios têm tríplice função: a
informativa, junto ao legislador ordinário, a normativa, para a sociedade como
um todo, e a interpretativa, considerados os operadores do Direito.
No campo dos direitos e garantias fundamentais, deu-se ênfase
maior à igualização ao prever-se, na cabeça do artigo 5º da Constituição
Federal, que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, assegurando-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade. Seguem-se setenta e oito incisos, cabendo destacar o XLI, segundo
o qual “a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e
liberdades fundamentais”; o inciso XLII, a prever que “a prática do racismo
constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos
termos da lei”. Nem a passagem do tempo, nem o valor “segurança jurídica”,
estabilidade nas relações jurídicas, suplantam a ênfase dada pelo nosso
legislador constituinte de 1988 a esse crime odioso, que é o crime racial. Mais
ainda: de acordo com o § 1º do artigo 5º, “as normas definidoras dos direitos e
garantias fundamentais têm aplicação imediata”.
Sabemos que os trabalhos da Assembleia Constituinte – e isso
é proclamado por aqueles que os acompanharam – foram desenvolvidos sem maioria
constante, e esse aspecto afigurou-se salutar. Daí a existência de certos
dispositivos na Carta de 1988 a projetarem no tempo o exercício de direito
constitucionalmente assegurado, preceitos esses que ressalvam a necessidade de
regulação dos temas a serem tratados pelos legisladores ordinários. Entretanto,
em relação aos direitos e às garantias individuais, a Carta de 1988 tornou-se,
desde que promulgada, autoaplicável, incumbindo aos responsáveis pela
supremacia do Diploma Máximo do País buscar meios para torná-lo efetivo.
Consoante o § 2º desse mesmo artigo 5º, os direitos e garantias expressos na
Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela
adotados, e, aqui, passou-se a contar com os denominados direitos e garantias
implícitos ou insertos nos tratados internacionais em que a República
Federativa do Brasil seja parte.
A Lei nº 7.716, de 1989, de autoria do Deputado Carlos
Alberto Caó, veio capitular determinados procedimentos, à margem da Carta
Federal, como crime. É o caso de perguntarmos: o que falta, então, para
afastarmos do cenário as discriminações, as exclusões hoje notadas? Urge uma
mudança cultural, uma conscientização maior por parte dos brasileiros; falta a
percepção de que não se pode falar em Constituição Federal sem levar em conta,
acima de tudo, a igualdade. Precisamos saldar essa dívida, ter presente o dever
cívico de buscar o tratamento igualitário.
É preciso chegar às ações afirmativas. A neutralidade estatal
mostrou-se nesses anos um grande fracasso; é necessário fomentar-se o acesso à
educação; urge implementar programa voltado aos menos favorecidos, a abranger
horário integral, de modo a tirar meninos e meninas da rua, dando-lhes
condições que os levem a ombrear com as demais crianças. O Estado tem enorme
responsabilidade nessa área e pode muito bem liberar verbas para os
imprescindíveis financiamentos nesse setor.
As normas proibitivas não são suficientes para afastar do
cenário a discriminação. Deve-se contar – e fica aqui o apelo ao Congresso
Nacional – com normas integrativas. No momento, tramita na Câmara do Deputados
o Projeto PLS 912 de 2002, iniciado no Senado, pro provocação do Senador José
Sarney, Projeto PLS nº 650 de 1999, que visa instituir quotas de ação
afirmativa para a população negra no acesso aos cargos e empregos públicos, à
educação superior e aos contratos do fundo de financiamento ao estudante do
ensino superior, quota essa que, diante do total dessas minorias – e apenas são
minorias no tocante às oportunidades –, mostra-se singela: 20%.
Vem-nos de um grande pensador do Direito, Celso Antônio
Bandeira de Mello, o seguinte trecho:
De revés, sempre que a correlação lógica entre o fator de
discrímen e o correspondente tratamento encartar-se na mesma linha de valores
reconhecidos pela Constituição, a disparidade professada pela norma exibir-se-á
como esplendorosamente ajustada ao preceito isonômico (...). O que se visa com
o preceito isonômico é impedir favoritismos ou perseguições. É obstar agravos
injustificados, vale dizer que incidam apenas sobre uma classe de pessoas em
despeito de inexistir uma racionalidade apta a fundamentar uma diferenciação
entre elas que seja compatível com os valores sociais aceitos no Texto
Constitucional.
Entendimento divergente resulta na colocação em plano
secundário dos ditames maiores da Carta da República, que contém algo que,
longe de ser um óbice, mostra-se como estímulo ao legislador comum. A Carta agasalha
amostragem de ação afirmativa, por exemplo, no artigo 7º, inciso XX, ao cogitar
da proteção de mercado quanto à mulher e ao direcionar à introdução de
incentivos; no artigo 37, inciso III, ao versar sobre a reserva de vaga – e,
portanto, a existência de quotas –, nos concursos públicos, para os
deficientes; no artigo 170, ao dispor sobre as empresas de pequeno porte,
prevendo que devem ter tratamento preferencial; no artigo 227, ao fazê-lo
também em relação à criança e ao adolescente. Quanto ao artigo 208, inciso V,
há de ser interpretado de modo harmônico com os demais preceitos constitucionais.
A cláusula “segundo a capacidade de cada um” somente pode fazer referência à
igualdade plena, considerada a vida pregressa e as oportunidades que a
sociedade ofereceu às pessoas. A meritocracia sem “igualdade de pontos de
partida” é apenas uma forma velada de aristocracia.
Vejam a experiência brasileira no campo da legislação
ordinária. A Lei nº 8.112/90 – porque, de certa maneira, isso foi previsto na
Constituição Federal – fixa a reserva de até 20% das vagas, nos concursos
públicos, para os deficientes físicos. A lei eleitoral, de nº 9.504/97, dispõe
sobre a participação da mulher, não como simples eleitora, o que foi
conquistado na década de 30, mas como candidata. Estabelece, no tocante aos
candidatos, o mínimo de 30% e o máximo de 70% de cada sexo. A proteção aqui
concorre também em benefício dos homens. Talvez tenha o legislador receado uma
interpretação apressada, levando em conta suposto conflito com a Constituição
Federal, ao prever, como ocorreu anteriormente, uma quota específica para as
mulheres. Por outro lado, a Lei nº 8.666/93 viabiliza a contratação, sem
licitação – meio que impede o apadrinhamento –, de associações, sem fins
lucrativos, de portadores de deficiência física, presente o preço de mercado.
No sistema de quotas, deve-se considerar a proporcionalidade, a razoabilidade,
e, para isso, dispomos de estatísticas. Tal sistema há de ser utilizado na
correção de desigualdades e afastado tão logo eliminadas essas diferenças.
Revela-se, então, que a prática das ações afirmativas pelas
universidades públicas brasileiras é uma possibilidade latente nos princípios e
regras constitucionais aplicáveis à matéria. A implementação por deliberação
administrativa decorre, portanto, do princípio da supremacia da Carta Federal e
também da previsão, presente no artigo 207, cabeça, dela constante, da
autonomia universitária. Cabe lembrar que o Supremo, em visão evolutiva, já
reconheceu a possibilidade de incidência direta do Diploma Maior nas relações
calcadas pelo direito administrativo. Sobreleva notar, ainda, que a definição
dos critérios de admissão no vestibular é disciplinado pelo edital, de acordo
com os artigos 44, inciso II e parágrafo único, e 53, cabeça, da Lei nº
9.394/97.
Mostra-se importante ter em mente também que a adoção de
políticas de ação afirmativa em favor dos negros e outras minorias no Brasil,
iniciada no Estado do Rio de Janeiro, não gerou o denominado “Estado
racializado”, como sustenta a arguente. Ao menos até agora, essa não foi uma
consequência advinda da mencionada política. Observem: são mais de dez anos da
prática sem registro de “qualquer episódio sério de tensão ou conflito racial
no Brasil que possa ser associado a tais medidas”, conforme observou a
Procuradoria Geral da República em parecer. É natural que, na fase embrionária
do sistema, hajam surgido choque de ideias, divergências de interpretação
jurisprudencial e, até mesmo, casos de má aplicação das quotas.
Tem relevância a alegação de que o sistema de verificação de
quotas conduz à prática de arbitrariedades pelas comissões de avaliação, mas
não consubstancia argumento definitivo contra a adoção da política de quotas. A
toda evidência, na aplicação do sistema, as distorções poderão ocorrer, mas há
de se presumir que as autoridades públicas irão se pautar por critérios
razoavelmente objetivos. Afinal, se somos capazes de produzir estatísticas
consistentes sobre a situação do negro na sociedade, e, mais ainda, se é
inequívoca e consensual a discriminação existente em relação a tais indivíduos,
parece possível indicar aqueles que devem ser favorecidos pela política
inclusiva. Para tanto, contamos com a contribuição dos cientistas sociais.
Descabe supor o extraordinário, a fraude, a má-fé, buscando-se deslegitimar a
política. Outros conceitos utilizados pela Constituição também permitem certa
abertura – como os hipossuficientes, os portadores de necessidades especiais,
as microempresas – e isso não impede a implementação de benefícios em favor
desses grupos, ainda que, vez por outra, sejam verificadas fraudes e equívocos.
Toda e qualquer interpretação de preceito normativo revela um
ato de vontade. E aí vale repetir: os homens não são feitos para as leis, mas
as leis, para os homens. Qual deve ser a postura do Estado-Juiz diante de um
conflito de interesses? Única: não potencializar a dogmática para,
posteriormente, à mercê dessa dogmática, enquadrar o caso concreto. Em face de
um conflito de interesses, o juiz há de idealizar a solução mais justa,
considerada a formação humanística que tenha e, após, buscar o indispensável
apoio no direito posto. Ao fazê-lo, cumprirá, sempre, ter presente o mandamento
constitucional de regência da matéria.
Só existe a supremacia da Carta quando, à luz desse diploma,
vingar a igualdade. A ação afirmativa evidencia o conteúdo democrático do
princípio da igualdade jurídica, e, neste caso, cabe citar uma pensadora do
Direito, a nossa Cármen Lúcia Antunes Rocha:
A ação afirmativa é um dos instrumentos possibilitadores da
superação do problema do não cidadão, daquele que não participa política e
democraticamente como lhe é na letra da lei fundamental assegurado, porque não
se lhe reconhecem os meios efetivos para se igualar com os demais. Cidadania
não combina com desigualdade. República não combina com preconceito. Democracia
não combina com discriminação. E, no entanto, no Brasil que se diz querer
republicano e democrático, o cidadão ainda é uma elite, pela multiplicidade de
preconceitos que subsistem, mesmo sob o manto fácil do silêncio branco com os
negros, da palavra gentil com as mulheres, da esmola superior com os pobres, da
frase lida para os analfabetos... Nesse cenário sócio-político e econômico, não
seria verdadeiramente democrática a leitura superficial e preconceituosa da Constituição,
nem seria verdadeiramente cidadão o leitor que não lhe rebuscasse a alma,
apregoando o discurso fácil dos igualados superiormente em nossa história feita
pelas mãos calejadas dos discriminados. É preciso ter sempre presentes essas
palavras. A correção das desigualdades mostra-se possível. Por isso, façamos o
que está ao nosso alcance, o que está previsto na Constituição Federal, porque,
na vida, não há espaço para arrependimento, para acomodação, para o misoneísmo,
que é a aversão, sem se querer perceber a origem, a tudo que é novo.
O que pode o Judiciário fazer nesse campo? Pode contribuir, e
muito, tal como a Suprema Corte dos Estados Unidos da América após a Segunda
Guerra Mundial. Até então, havia apenas a atuação do legislador. Percebeu
aquela Suprema Corte que precisava, realmente, sinalizar para a população, de
modo a que prevalecessem, na vida gregária, os valores básicos da Constituição
norte-americana. Com essa postura, presentes ações afirmativas, um negro chegou
à Presidência da República – Barack Obama.
Ante esse contexto,
cumprimentando o relator pelo voto condutor do julgamento – Ministro Ricardo
Lewandowski, entendo harmônica com a Carta Federal, com os direitos
fundamentais nela previstos, a adoção temporária e proporcional às
necessidades, do sistema de quotas para ingresso em universidades públicas,
considerados brancos e negros. Em síntese acompanho o relator no voto
proferido, julgando improcedente o pedido formulado na inicial".