Faculdade Ruy Barbosa
Pós-Graduação em Direito Público
Tema: A sistemática de Direitos Fundamentais
O ponto de partida será o fato de que a nossa Constituição reconhece a existência de direitos fundamentais (o Título II é dedicado aos “Direitos e Garantias Fundamentais”), que expressamente condicionam à atuação dos poderes públicos. Essa premissa embasará a discussão dos seguintes cinco problemas principais do:
1) Quais direitos da Constituição são fundamentais?
Direitos fundamentais e a organização do poder estatal são a essência mesma do constitucionalismo; pode-se afirmar inclusive que a organização do poder estatal é um meio para se atingir as liberdades estabelecidas pelos direitos fundamentais. Atualmente, pode-se afirmar, inclusive, que longe de serem apenas limites (direitos ditos “de primeira geração”) ou metas indispensáveis (direitos ditos “de segunda geração”) ao exercício do poder, os direitos fundamentais são verdadeiros critérios de legitimação do poder estatal e da ordem constitucional como um todo. Não basta ao Estado respeitá-los; é preciso promovê-los. Contudo, não é simples identificar quais os dispositivos constitucionais que consagram os direitos fundamentais. Não há nenhum critério que não seja problemático.
Seriam “fundamentais” apenas os direitos do artigo 5o? Os direitos e garantias do artigo 5o? Os direitos dos artigos 5o, 6o e 7o e seu incisos? Todo e qualquer direito assegurado pela Constituição? Você já parou para pensar de quantas formas diferentes podemos enfrentar esta questão?Este é um problema com consequências práticas importantes.
Em especial, vale notar que, nos termos do artigo 60, §4o da Constituição, não será sequer apreciada emenda constitucional que tenda a abolir “os direitos e garantias individuais”.
Afinal, o que está incluído nesta vedação?
Quais os direitos, ou quais as categorias de direitos?
Dizer que um determinado dispositivo constitucional constitui cláusula pétrea é algo muito sério, pois as cláusulas do gênero representam uma excepcional restrição ao poder que as gerações futuras têm de traçar o seu próprio destino e criar suas próprias leis e instituições sob a égide da Constituição de 1988.
2) Quem está vinculado aos direitos fundamentais?
3) Como resolver colisões de direitos fundamentais?
4) Quando não podemos restringir ou ponderar direitos fundamentais?
5) Qual conteúdo ou parte do conteúdo desses direitos é passível de ser exigido judicial-mente?
Assim, a perspectiva será eminentemente dogmática/pragmática: como podemos operacionalizar as normas que versam sobre direitos e garantias fundamentais? Que efeitos podem extrair delas? Quais são os seus destinatários e quem deve responder pelo seu descumprimento? São questões práticas, e é natural que o sejam. Afinal, se os direitos fundamentais devem ser mais do que declarações de boa vontade e boas intenções do constituinte, e se a Constituição deve ser respeitada como norma jurídica vinculante e não mero conselho às futuras gerações, então os operadores do direito devem ser capazes de determinar qual o conteúdo de “dever ser” dos dispositivos constitucionais sobre direitos fundamentais.
Devemos ter em mente que as teorias sobre direitos fundamentais nascem e morrem com os regimes políticos, as ideologias da época, os defensores de determinada concepção de Estado e de sociedade e assim por diante. Não se quer apenas enumerar teorias sobre direitos fundamentais, mas sim capacitar os alunos a utilizar tais teorias para formular sólidas e eficazes respostas diante de casos concretos.
A dignidade da pessoa humana num Projeto de Pesquisa para seleção de Mestrado da UFBA:
(...)
O tema do trabalho é o estudo da dignidade da pessoa humana na Jurisprudência Brasileira: um estudo hermenêutico de decisões judiciais, a partir, especialmente, das decisões do Supremo Tribunal Federal sobre homoafetividade, anencefalia e cotas raciais.
O estudo da dignidade da pessoa humana comporta justificativas em todos os âmbitos, sejam teóricos, sociais ou mesmo práticos. Partindo da constatação de que o princípio constitucional da dignidade humana oferece os pressupostos imagéticos-discursivos-axiológicos necessários para a concretização do direito justo em nosso direito pátrio, o que se quer é fazer um estudo hermenêutico do uso do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana nas decisões do Supremo Tribunal Federal, em especial as mais recentes. Houve o uso do princípio da dignidade da pessoa humana nas decisões sobre a equiparação da união homoafetiva estável à entidade familiar no direito brasileiro, sobre a anencefalia e sobre as cotas raciais. A importância do estudo desses casos advém de terem sido eles integrados, utilizando-se dos princípios gerais do Direito, na falta de norma legisladora.
Sendo a Constituição Federal um sistema composto de regras e princípios jurídicos, entendemos que as regras, estabelecidas em termos precisos, conferem segurança à aplicação do Direito, mas não são suficientes para a solução de todos os conflitos de interesses de uma sociedade pluralista. Haveriam de ser previstas à exaustão para abarcar o conjunto dos problemas possíveis. Os princípios por serem o pensamento diretor de um sistema normativo, são orientações de caráter geral das quais se extrai a racionalidade íntima das normas sistêmicas; são a base de uma Constituição, de uma lei ou de uma instituição jurídica. Hodiernamente, figuram em lugares de destaque nas Constituições e são o fundamento destas e a chave de interpretação das normas que deles decorrem.
Paulo Bonavides (2001), citando Ricardo Guastini, identifica seis significados atuais para o vocábulo “princípios”: (a) são normas (ou disposições equivalentes) com alto grau de generalidade; (b) são normas com alto grau de indeterminação, sem a qual não seria possível aplicá-las aos casos concretos; (c) são normas de caráter programático; (d) são normas de hierarquia muito elevada; (e) são normas de função importante ou fundamental no sistema político ou jurídico quando considerado como unidade; e (f) são normas dirigidas aos órgãos incumbidos de dizer que normas são aplicáveis ao caso concreto.
É de Dworkin, porém, a constatação de que somente as regras apontam resultados. Os princípios inclinam-se para a decisão de forma não conclusiva e, se não prevalecem, continuam intactos. Há princípios, determinados estruturantes, que delineiam a ideia básica da ordem constitucional. São exemplos, citados por Canotilho, o princípio do Estado de direito, o princípio democrático e o princípio republicano.
Outros existem que intensificam os princípios estruturantes. São os valores, como a dignidade da pessoa humana, a liberdade e a igualdade. Apresentam-se na Constituição para que outros preceitos constitucionais, aos quais se relacionam, sejam realizados. O valor preenche, complementa e esclarece o conteúdo da regra constitucional. Conduz o intérprete à solução do caso concreto.
Em sua clássica obra "Theorie der Grundrechte" (Teoria dos direitos fundamentais), Robert Alexy desenvolve a ideia de que regras e princípios são normas porque formulados por intermédio de expressões deônticas básicas do dever, da permissão e da proibição, ambos funcionando como razões para juízos concretos de dever-ser. Embora reconheça que o critério da generalidade seria o mais utilizado para distinguir princípios de regras, entre estas duas espécies normativas não existiria uma diferença de grau, mas sim qualitativa. Para ele, princípios são: "[...], mandamentos de otimização, que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas. O âmbito das possibilidades jurídicas é determinado pelos princípios e regras colidentes”.
Já as regras são normas que são sempre ou satisfeitas ou não satisfeitas. Se uma regra vale, então, deve se fazer exatamente aquilo que ela exige; nem mais, nem menos. Regras contêm, portanto, determinações no âmbito daquilo que é fática e juridicamente possível (ALEXY, p. 90-91)
Convém trazer os ensinamentos de Virgílio Afonso da Silva, sobre a teoria de Alexy:
"A razão é simples: o critério que Alexy utiliza para distinguir princípios de regras é um critério estrutural, que não leva em consideração nem fundamentalidade; nem generalidade, nem abstração, nem outros critérios materiais, imprescindíveis nas classificações acima mencionadas. Como consequência, muito do que é tradicionalmente considerado como princípio fundamentalíssimo – a anterioridade da lei penal é um exemplo esclarecedor– é, segundo os critérios propostos por Alexy, uma regra e não um princípio[...]. Falar em princípio do nulla poena sine lege, em princípio da legalidade,em princípio da anterioridade, entre outros, só faz sentido para as teorias tradicionais. Se se adotam os critérios propostos por Alexy, essas normas são regras e não princípios."
Todavia, mesmo quando se diz adotar a concepção de Alexy, ninguém ousa deixar esses mandamentos fundamentais de fora das classificações dos princípios para incluí-los na categoria de regras. (SILVA, 2005, p. 30 e 36)
De acordo com Ricardo Mauricio Freire Soares (2010) a materialização do direito justo no pós-positivismo brasileiro, ocorre na prática, com a aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana pelo STF. Neste sentido ele nos diz: “pode-se verificar que o STF, no atual contexto histórico-cultural de desenvolvimento da experiência jurídica pátria (...) avança na concretização de um direito justo, enfatizando o uso do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana”.
Em assim sendo, verifica-se que o Supremo Tribunal Federal tem invocado, cada vez mais, o princípio da dignidade da pessoa humana em matérias polêmicas e que o legislador ordinário ainda não tratou, configurando claramente forma de integrar nosso ordenamento jurídico..
O STF afirma a primazia do princípio da dignidade da pessoa humana, “dada a sua condição de princípio fundamental da República (art. 1º, inciso III, da CF/88)”. O Ministro Carlos Ayres Britto, já declarou que a dignidade da pessoa humana foi elevada pela Magna Carta de 1988 à condição de princípio fundamental da República e que, de consequência, assume “o papel inspirador não só do legislador ordinário, como também do aplicador do Direito, que nunca deve perder de vista seus parâmetros, sob pena de desrespeitar o próprio Ordenamento Jurídico que legitima sua atuação”. O Ministro Celso de Mello declarou que o postulado da dignidade da pessoa humana, representa – considerada a centralidade desse princípio essencial (CF, art. 1º, III) – significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira todo ordenamento constitucional vigente em nosso País e que traduz, de modo expressivo, um dos fundamentos em que se assenta, entre nós, a ordem republicana e democrática consagrada pelo sistema de direito constitucional positivo.
A lição, que podemos verificar, é a de que o princípio da dignidade da pessoa humana “proíbe a utilização ou transformação do ser humano em objeto de degradação dos processos e ações estatais”. Segundo Gilmar Mendes, que nesse ponto se apoia em Günter Dürig, “o Estado está vinculado ao dever de respeito e proteção do indivíduo contra exposição a ofensas e humilhações”.
O Direito Brasileiro vem passando por mudanças necessárias. Três decisões do STF são bem emblemáticas no sentido de comprovar essa afirmação. A primeira a que fazemos menção é o famoso julgamento da ADI 4277 em maio de 2011. Foi ajuizada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) com pedido de interpretação conforme a Constituição Federal do artigo 1.723 do Código Civil. A PGR sustentou que o não reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar fere os princípios da dignidade humana, previsto no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal. Com igual objetivo, considerando a omissão do Legislativo Federal sobre o assunto, o governo do Rio de Janeiro ajuizou a ADPF 132. Alegou que o não reconhecimento da união homoafetiva contraria preceitos fundamentais como princípio da dignidade da pessoa humana e liberdade. O Ministro Ayres Britto, em passagem do voto, e dando preferência à interpretação conforme à Constituição , nos diz que “o sexo a se constituir num dado empírico que nada tem a ver com o merecimento ou o desmerecimento inato das pessoas, pois não se é mais digno ou menos digno pelo fato de se ter nascido mulher, ou homem”. A dignidade da pessoa humana exige a igualdade civil-moral.
A segunda, o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 54), diz respeito ao fato do Legislador Ordinário não ter incluído no rol das hipóteses autorizativas do aborto, previstas no art. 128 do Código Penal, o caso da anencefalia. O STF julgou procedente a ação para declarar a inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual a interrupção da gravidez de feto anencéfalo é conduta tipificada nos artigos 124, 126, 128, incisos I e II, todos do Código Penal. Em várias passagens de seu voto, o Ministro Carlos Ayres Britto faz uso do princípio da dignidade da pessoa humana. Neste sentido, quando nos diz que “daí que vedar à gestante a opção pelo aborto caracterize um modo cruel de ignorar sentimentos que, somatizados, têm a força de derruir qualquer feminino estado de saúde física, psíquica e moral (aqui embutida a perda ou a sensível diminuição da auto-estima). Sentimentos, então, que se põem na própria linha de partida do princípio da dignidade da pessoa humana. Que é um princípio de valiosidade universal para o Direito Penal dos povos civilizados, independentemente de sua matriz também de Direito Constitucional”.
A terceira situação diz respeito à ADPF 186. O Ministro Ricardo Lewandowski julgou totalmente improcedente o pedido feito pelo Partido Democratas (DEM) contra a política de cotas étnico-raciais para seleção de estudantes da Universidade de Brasília (UnB), utilizando-se de dados da História do Brasil, da justiça restaurativa e, especialmente, do princípio da dignidade da pessoa humana. “Os programas de ação afirmativa em sociedades em que isso ocorre, entre as quais a nossa, são uma forma de compensar essa discriminação, culturalmente arraigada, não raro praticada de forma inconsciente e à sombra de um Estado complacente”, ressaltou o relator.
Portanto, de 2011 a 2012, estamos presenciando novos julgados que apontam para a reafirmação do princípio da dignidade da pessoa humana como essencial nas decisões dos Ministros do Supremo Tribunal Federal em matérias não tratadas pelo legislador ordinário. Decisões que significam formas integratórias do sistema jurídico brasileiro.
7 – OBJETIVO GERAL E OBJETIVOS ESPECÍFICOS:
O objetivo geral da pesquisa é demonstrar que o princípio constitucional da pessoa humana tem grande relevo nas decisões do Supremo Tribunal Federal, e, neste sentido, compreender o porquê, especialmente quando estamos diante de lacunas no ordenamento jurídico, por falta de norma legislada.
Os objetivos específicos do trabalho são: estudar o princípio da dignidade da pessoa humana, sob os pontos de vista jusnaturalista, positivista e pós-positivista; compreender a formulação teórica do princípio da dignidade da pessoa humana dentro do texto da Carta Magna Brasileira; discutir o princípio da dignidade da pessoa humana como fundamento da República e referência unificadora dos direitos fundamentais; analisar decisões dos Ministros do STF que tiveram como parâmetro norteador o princípio da dignidade da pessoa humana; verificar as decisões analisadas dentro de um contexto hermenêutico-integrador do Direito Brasileiro.