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segunda-feira

Cinema Brasileiro e a Pandemia




Como é bom celebrar. Ver o tempo passar e ter motivos para olhar para trás e perceber um longo caminho de conquistas, avanços, erros, acertos, aprendizados e criações. A história do cinema brasileiro está imbrincada à própria ideia de uma construção identitária, vez que o cinema proporciona lugares criativos, quanto também de invenção.  Pode-se questionar sobre o cinema enquanto linguagem comunicativa que efeitos produz, se o cinema cumpre algum papel social, qual a condição política do cineasta, diretores e artistas envolvidos nos projetos, o que é engajamento no âmbito cinematográfico, qual a relação entre cinema, cidadania e direitos, por exemplo, e o que a linguagem estética propicia enquanto produtora de documentos histórico, se os filmes do cinema nacional possuem uma lógica ou um conjunto estético que os diferenciam por sua vez do cinema de outros países? São tantas possibilidades discursivas, todas, em sua grande maioria, trazem a imagem em movimento como lugar de um registro e de um resgate.
O cinema brasileiro passa por uma crise, assim como todos que trabalham com arte no Brasil. E não é somente por causa da pandemia. Essa situação pode até ter sido agravada pela COVID-19 e seus efeitos na produção cinematográfica, no entanto faz parte de um enredo maior que começa com uma campanha contra a Lei Rouanet, com o desmonte do Ministério da Cultura e da Ancine, como também diante da censura e sabotagem do governo de ultradireita liderado por um perverso algoz do povo brasileiro.
Apesar desse cenário difícil, para dar início às comemorações do cinema nacional, o Telecine na noite de 18 de junho, às 20h, exibiu Bacurau, dos diretores Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, no Youtube, com a possibilidade de milhares de pessoas assistirem gratuitamente em suas casas.
Bacurau, um filme de 2019, gerou 800 empregos diretos e indiretos, levou mais de 730 mil pessoas aos cinemas e teve uma renda de mais de R$ 11,2 milhões, de acordo com a distribuidora Vitrine Filmes. Bacurau ganhou dez prêmios internacionais, incluindo o Prêmio do Júri no Festival de Cannes 2019. É um filme com pronunciamento político no contexto da ficção que mostra uma luta do cinema brasileiro conta o fascismo, dentro e fora das telas, quanto também dos cidadãos brasileiros.
Bacurau é a metáfora perfeita do que vem sofrendo o povo brasileiro nesse desmonte do Estado e da guerrilha aos grupos vulnerados por uma necropolítica ultraconservadora e ultracapitalista. É também uma terminologia muito utilizada no sertão do RN, portanto, também em Parelhas, onde foi gravado o filme, que permite essa interpretação do título para dar conta da rivalidade partidária histórica. A linguagem do cinema interliga a catarse coletiva de uma obra com forte apelo social e político que mostra na força do coletivo a possibilidade de resolução dos seus problemas locais. 
Os efeitos da linguagem comunicativa que um filme como Bacurau propiciam são bastante significativos, vez que o veículo do cinema atinge muitas classes sociais e traz questionamentos importantes a partir de uma comunidade do sertão do país, uma das áreas mais esquecidas e desvalorizadas a partir de um discurso de preconceito geográfico e cultural, que fomenta a construção do termo nordeste há cem anos atrás. Ao traduzir e exteriorizar um pensamento, ao transmitir informações, o cinema cumpre um papel social a partir de um engajamento político dos envolvidos na produção e, neste caso específico, mostra a força da diversidade cultural diante da ameaça às suas próprias vidas. Um levante popular que deixa prefeito ou presidente da república com medo do povo e não o contrário.
No dia 16 de junho foi o aniversário de Ariano Suassuna (1927-2014), o grande teatrólogo nordestino que deixou seus personagens incrustrados na construção da identidade regional. Suassuna tinha uma forte crítica política que fica evidente, por exemplo, na peça teatral “Auto da compadecida” de 1955, transformada em produção cinematográfica em 2000 por Guel Arraes que há vinte anos, portanto, dirigiu uma das maiores obras do cinema nacional, o clássico “O Auto da Compadecida”.
Tudo acontece também no sertão, que é o centro, palco, vida em que faz aparecer o encourado, a mulher do padeiro, o padeiro, o padre, o bispo, o sacristão, o coronel e o cangaceiro, o Cabo Setenta, Vicentão e Rosinha. O elenco do filme conta com grandes nomes.  A personagem central é uma mulher, “Lá vem a compadecida! Mulher em tudo se mete!”, demonstrando numa fala a forte construção social da mulher no imaginário nordestino. É o palhaço quem afirma “Uma história altamente moral e um apelo à misericórdia”.
As mulheres valentes e corajosas podem ser vistas tanto na obra de Suassuna, Guel Arraes, quanto na de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles. Sendo o sertão o lugar do inusitado, da falta de proteção estatal, o palco dos julgamentos morais e a realização da justiça social.  
A partir da aproximação dos filmes “Bacurau” e “O auto da compadecida”, unidos pelo fio condutor da temática sertaneja, destaca-se que o cinema brasileiro vem ganhando estudos interdisciplinares, um deles foi lançado recentemente. Trata-se da obra “Direito e Cinema Brasileiro”. Nesta coletânea há 51 ensaios produzidos por 75 pesquisadores brasileiros da área jurídica, numa proposta de fazer um estudo do direito a partir das artes brasileiras, tendo sido lançado junto à coletânea direito e música brasileiro, com projeto de direito e literatura brasileira e de direito e teatro brasileiro que sequenciam a coleção.
A reflexão estética que o cinema proporciona é múltipla; é um exercício hermenêutico importante que legitima o conceito de “obra aberta” de Umberto Eco. Sendo assim, cada espectador completa uma obra inauguralmente estática, cinematográfica, e cria possibilidades de apreciação num exercício ininterrupto de produção de conhecimento sobre múltiplas cartografias jurídicas de saber e poder.
Os filmes analisados juridicamente na coletânea Direito e Cinema Brasileiro são: A cidade onde envelheço; A hora e a vez de Augusto Matraga; Aquarius; Baixio das Bestas; Bicho de sete cabeças; Blábláblá; Bye Bye Brasil; Capitu; Carandiru; Césio 137 – O pesadelo de Goiânia; Cidade de Deus; Como nossos pais; Construindo Pontes; Corpo Delito; Dandara; Eles não usam black-tie; Era o Hotel Cambridge; Flores Raras;  Gabriela, cravo e canela; Ilha das Flores; Joaquim; Juízo; Narradores de Javé; Nise: O Coração da Loucura; O Auto da Compadecida; O céu de Suely; O Estopim; O homem que copiava; O prisioneiro da grade de ferro; Os saltimbancos trapalhões; Praia do Futuro; Quanto vale ou é por quilo?; Que horas ela volta?; Salve Geral; São Bernardo; Segredos da Tribo; Tatuagem; Tenda dos Milagres; Terra em Transe; Terra estrangeira; Terra Vermelha; Timor Lorosae; Tiradentes; Tropa de Elite; Zuzu Angel. A coletânea incluiu um artigo sobre o cinema brasileiro e a pessoa surda e uma série: 3%
O cinema nacional é um mosaico de riqueza cinematográfica que desfila diante dos olhos. Uma necessidade, no entanto, é que a potência do cinema brasileiro chegue às comunidades mais vulneradas. Precisa-se de uma educação para a cultura do audiovisual.   Fernanda Montenegro, que deu vida à compadecida e a outros tantos personagens do cinema nacional, neste mês de junho, concedeu entrevista exclusiva para o Canal Brasil, em meio a várias declarações disse: “o artista não perde sua importância nunca”; “a cultura das artes é fundamental”. Que as profecias da força do sertanejo e do povo brasileiro se realizem. O presidente está nu.