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quinta-feira

Fome de pessoas integrais

Fome de pessoas integrais – De Ezilda Melo, Karelayne Coelho e Wendel Machado


Por Ezilda Melo, Karelayne Coelho e Wendel Machado – 13/03/2016
“Bebida é água! Comida é pasto! Você tem sede de quê? Você tem fome de quê? A gente não quer só comida. A gente quer comida, diversão e arte. A gente não quer só comida. A gente quer saída para qualquer parte. A gente não quer só comida. A gente quer bebida, diversão, balé. A gente não quer só comida. A gente quer a vida como a vida quer. Bebida é água! Comida é pasto! Você tem sede de quê? Você tem fome de quê? A gente não quer só comer. A gente quer comer e quer fazer amor. A gente não quer só comer. A gente quer prazer pra aliviar a dor. A gente não quer só dinheiro. A gente quer dinheiro e felicidade. A gente não quer só dinheiro. A gente quer inteiro e não pela metade. Bebida é água! Comida é pasto! Você tem sede de quê? Você tem fome de quê?…”[1]
Tem-se fome de comida porque é naturalmente orgânico para qualquer ser humano. Comer é essencial para que se tenha força para desenvolver qualquer atividade, como também é imprescindível para continuar vivo. Pode-se comer desde a mais suculenta e cara refeição até os restos orgânicos despejados no lixão. Há quem coma somente vegetais e legumes, comidas orgânicas (que estão na moda e são caras); há quem coma também carnes, peixes, crustáceos, leguminosas, doces, enlatados, refrigerantes e toda a espécie de nociva à saúde existente no supermercado mais próximo. Seja qual alimento for estará classificado como proteína, carboidrato, gordura, vitamina e sais minerais. A CF, em seu artigo 6º, garante como um dos direitos sociais o direito à alimentação. Alimentar-se bem está totalmente interligado ao fato de se ter saúde, que também é um direito social previsto no mesmo artigo já mencionado.
Então, questiona-se: mas por que comer comidas orgânicas está na moda? E seria por isso que elas são mais caras? Primeiramente, analisa-se a atual conjuntura: o crescimento de ONGs em defesa dos animais e por um planeta mais sustentável nas últimas duas décadas, aliado às constantes (e cada vez mais conclusivas) pesquisas acerca dos alimentos produzidos em escala industrial e seus riscos à saúde fizeram amadurecer em nós a vontade de preservar o Planeta e cuidar da nossa alimentação. Isto, imediatamente, faz crescer o interesse por produtos orgânicos. Ocorre que, com pequena produção e todas as burocracias enfrentadas pelos produtores para legalizar seus produtos, automaticamente há a elevação no preço da alimentação orgânica, fazendo com que ainda seja um grande empecilho para que se alimente apenas dela ou que ela esteja presente na mesa de todos os brasileiros. Dito isto, vale salientar as recentes denúncias acerca da comercialização de falsos orgânicos, o que também colocou em descrédito os produtos que poderiam ainda estar sendo vendidos num preço melhor nas feiras livres, sem o selo de inspeção, mas que se garantiam serem orgânicos.
Apesar de todas as burocracias ainda enfrentadas pelos produtores de orgânicos para conseguirem o selo de inspeção de seus produtos no Brasil, o Governo Federal reconhece a importância de uma alimentação livre de agrotóxicos, pesticidas e antibióticos e que proteja o meio ambiente. Embora ainda não haja um grande esforço para tornar isto realidade, em 2014 o Governo Federal (através do Ministério da Saúde, da Secretaria de Atenção à Saúde e do Departamento de Atenção Básica) lançou o Guia Alimentar para a População Brasileira, com o intuito de conscientizar a população brasileira sobre os cuidados com a alimentação e de apresentar ao Brasil a sua “cultura gastronômica”, privilegiando alimentos nativos e encontrados em abundância em cada região do País. Na apresentação do Guia, uma afirmação muito importante:
“As principais doenças que atualmente acometem os brasileiros deixaram de ser agudas e passaram a ser crônicas. Apesar da intensa redução da desnutrição em crianças, as deficiências de micronutrientes e a desnutrição crônica ainda são prevalentes em grupos vulneráveis da população, como em indígenas, quilombolas e crianças e mulheres que vivem em áreas vulneráveis. Simultaneamente, o Brasil vem enfrentando aumento expressivo do sobrepeso e da obesidade em todas as faixas etárias, e as doenças crônicas são a principal causa de morte entre adultos. O excesso de peso acomete um em cada dois adultos e uma em cada três crianças brasileiras.” [2]
Ora, então significa que o Governo Federal conhece os problemas da má alimentação no Brasil? Conhece e reconhece suas deficiências, uma vez que há tantos projetos cheios de boas intenções, que no fundo só visam se aproveitar das verbas federais, como foi o caso o Manifesto lançado por um grupo de chefs brasileiros (“Eu como cultura”, lançado através do Instituto ATA), pelo reconhecimento da gastronomia nacional como cultura e pedia que ingredientes, receitas e pesquisas relacionadas à cultura gastronômica brasileira recebessem incentivos vindos da Lei Rouanet recentemente. Por sorte, o manifesto não obteve êxito e a Lei não foi modificada a favor de um projeto que tem amplas condições de mover-se por si só, a começar pela promoção, através dos próprios chefs, de eventos gastronômicos acessíveis que valorizem os ingredientes e as receitas das regiões brasileiras. Com o dinheiro arrecadado e campanhas populares para doações, o projeto teria perfeitas condições para adentrar as camadas mais humildes da sociedade, pois não se pode esperar que o Estado, nas condições em que se encontra, banque com todas as melhores intenções por aí.
Bem, depois de feita a digestão, consequentemente termina-se o caminho percorrido pelo alimento e o mesmo se transforma em lixo expelido naturalmente pelo corpo humano. Esse lixo vai para algum lugar, que geralmente são os esgotos públicos. Noutros casos mais graves, falta saneamento básico e esse lixo pode acarretar doenças.
Existe, portanto, um ciclo do alimento, que começa com a sua produção e termina com a sua expulsão do corpo. Quanto mais natural for o alimento, melhor absorvido será pelo corpo humano e fará bem à saúde. Quanto mais industrializado ou modificado artificialmente mais prejuízos acarreta ao ser humano.
Vive-se num país democrático onde se elege, de acordo com as opções que se tem para votar, em representantes políticos, estes por sua vez têm grande importância para a construção das leis, como também por sua execução. Um legislativo que aprova benesses para grandes indústrias de alimentos e não se preocupa com os venenos que chegam à população é o mesmo legislativo que não apresenta proposta de resolução dos esgotos a céu aberto; é o mesmo que não se importa se a comida que faz mal durante anos causará um câncer ou outra doença, porque não se interessa pelas pessoas agoniadas nas filas do SUS. Por isso, a fome que se tem é de pessoas integrais nos cargos públicos. Integral no aspecto mais amplo que se dá à expressão que hoje é famosa entre os adeptos de uma alimentação saudável. Um ser humano integral se preocupa com os problemas da sociedade.
O Estado, portanto, é consciente das necessidades da população, sobretudo neste caso em que não se alimentar bem pode gerar consequências terríveis para o próprio Estado. Então, por que o investimento na prevenção ainda é tão pouco se comparado ao que o poder público gasta com tratamento dessas mesas pessoas que ele já assumiu que se alimentam mal? Se os representantes políticos de fato fossem integrais, teríamos grandes e eficientes incentivos à melhor alimentação (refere-se, sobretudo, ao uso de agrotóxicos, à produção aceleradíssima de transgênicos e à pecuária desastrosa desse país, que desmata e gera milhares de gases poluentes – tudo está sendo produzido de maneira equivocada no Brasil ou – pior ainda – de maneira a beneficiar grandes empresas ou empresários). Como não se segue padrões que hoje já se sabe que dão certo (como é o caso dos incentivos aos pequenos produtores na França, como é o caso dos produtos de denominação de origem, que podem ser comercializados inclusive sob modelo exportação e trazem muitos lucros para o País – vejam o caso da falta de incentivo dos órgãos públicos ao queijo de cabra de uma certa Fazenda na PB, que poderia competir no mercado externo sem deixar nada a desejar com os bons queijos franceses). Aqui, prefere-se gastar fortunas com a saúde pública, prefere-se pensar que está-se de fato investindo corretamente quando não se opta pelo incentivo ao agricultor, mas pelo remédio contra o câncer causado por uso de agrotóxicos e que, muitas vezes, não estão disponíveis nos hospitais, devido à quantidade absurda com que são a cada dia mais requisitados.  Será que não sairia muito mais barato negociar com pequenos produtores de orgânicos, incentivando a agricultura de subsistência e dando aparato financeiro para famílias que vivem com tão pouco (eis um programa social que traria retorno: o incentivo à produção agrícola orgânica) a estar-se sempre fechando acordos com grandes representantes farmacêuticos para tratar males muitas vezes intratáveis e nos tornando reféns de nossa teimosia?
Não se aguenta viver mais de pão e circo, essa política já não surte efeitos há séculos. Nem só de pão e vinho também. Diz o adágio que o tempero para a comida é fome e que quando se está com ela se come até pedra. Não é à toa, que no século dos corpos talhados pelas academias, vive-se de dietas restritas com uso muito prolongado de suplementos vitamínicos para ganho de massa muscular. Tem-se fome de pessoas integrais que invistam em educação. Está-se sobrando calorias nas contas de quem tira da população em benefício próprio. Por isso, não se espante em saber que há pessoas que morrem pela boca ou de fome.
Uma poesia que integra esse ensaio:
Fome Integral
Por Wendel Machado
Sobre a mesa,
Campesinas refeições,
Pequenas colheres:
Feijão e farinha,
Grande fome,
Falta o pão
Sobram valores
princípios.
Sobre a mesa,
A pena e a lei,
Fartas porções
Legisladores e intérpretes
Célebres banquetes:
Nos pratos carnes, queijos,
Grana, fama.
Na vida:
fome integral,
falta integral,
carência integral!
No sonho:
Pessoas íntegras,
Viver integral!

Notas e Referências:
[1] ANTUNES, Arnaldo; FROMER, Marcelo; BRITO, Sérgio. Comida.
[2] Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Guia alimentar para a população brasileira / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à saúde, Departamento de Atenção Básica. – 2. ed. – Brasília: Ministério da Saúde, 2014.

Legisladores e intérpretes: quebra de paradigma na interpretação jurídica brasileira? – Um diálogo com Bauman, Nietzsche e Umberto Eco a partir do exemplo da união estável

Legisladores e intérpretes: quebra de paradigma na interpretação jurídica brasileira? – Um diálogo com Bauman, Nietzsche e Umberto Eco a partir do exemplo da união estável – De Andreu Sacramento Luz e Ezilda Melo


Por Andreu Sacramento Luz e Ezilda Melo – 10/03/2016
“A tendência a empregar o teatro como uma instituição para a formação moral do povo, que no tempo de Schiller foi tomada a sério, já é contada entre as incríveis antiguidades de uma cultura superada. Enquanto a crítica chegava ao domínio no teatro e no concerto, o jornalista na escola, a imprensa na sociedade, a arte degenerava a ponto de se tornar um objeto de entretenimento da mais baixa espécie, e a crítica estética era utilizada como meio de aglutinação de uma sociabilidade vaidosa, dissipadora, egoísta e, ademais, miseravelmente despida de originalidade.”
(Friedrich Nietzsche: O nascimento da tragédia, op. cit., pp. 135-136)
A Era Moderna definiu-se como reino da razão e da racionalidade. A referida afirmação encontra seu fundamento no processo de luta travado entre a razão e as convicções advindas de um período influenciado pela moralidade cristã e arraigado numa cultura de pensamentos dogmatizados. O Iluminismo ou “Século das Luzes”, como fora conhecido, trouxe como objetivo a busca e a ascensão da razão, asseverando a superioridade da mesma frente às convicções religiosas, superstições, dentre outros paradigmas do período medieval. Para Bauman “essa foi a primeira e a mais básica das conceituações a fornecer para a modernidade sua autodefinição” (BAUMAN.2010.p.157).
Foi considerada também a mais favorável época para aqueles que elaboravam os conceitos, posicionando-se assim em um patamar superior, de onde nasciam as correntes positivistas e dogmáticas da “verdade”, e apontavam os caminhos a se percorrer em busca da mudança.
Interessante mostrou-se a repercussão acadêmica, política ou jurídica, enfim, institucionalizada da verdade. Nessas transversais do mundo, as flexibilizações das instituições fizeram-se repensar por inúmeras vezes as definições da verdade.
Em uma análise epistemológica do termo “verdade”, cujas origens remontam-se na construção da vernácula latina, encontrar-se-á na mitologia cristã a condenação do verídico. Destarte, os eventuais ciclos que foram elaborados no mundo, dentro de um contexto de verdades absolutas, ou, como prefere a ciência jurídica, verdade real dos fatos, mostra-se justificado na construção complexa da busca pela verdade.
Afinal, alerte-se a título de complementação, que a verdade está na busca dos seus interesses. Quando em As Dores do Mundo, Arthur Sochepenauer, elenca que a natureza primordial do homem encontra-se assentada nas relações egoístas que lhe permeia (em natural), consegue-se compreender com clareza e sem dificuldades que nos dias de hoje, bem como nos tempos mais remotos, a pura e real relativização da verdade.
Tem-se, portanto a criação das conceituações e a caracterização da modernidade. Cumpre salientar, que próximo ao final do século XIX a ascensão dos conceitos de Razão Absoluta, ainda apresentava-se com muita confusão dentro a elite intelectual. Em particular, havia uma busca da materialização da Razão Absoluta, que por sua vez instaurava-se com certa reserva e lentidão. A Razão era o veículo de dominação dos conceituadores e, agora frente a esta confusão tinha-se tal domínio como uma ferramenta distante.
Por sua vez, A Queda do Legislador, é provocada por um mecanismo que auto se destrói, o que é comum da modernidade. Frente ao processo alongado da afirmação absoluta, “a conceituação adquirira um matiz dramático” (BAUMAN. 2010 p. 159), causando o entusiasmo negativista dos intelectuais, instaurando-se uma crise e apresentando dificuldades aos intelectuais de prostrarem-se frente a uma conduta que anteriormente era tida como tradicional, o papel de conceituar.
Crise na conceituação, crise do intelectual que dita e afirma os conceitos e verdades. Dar-se assim vazão a chegada do intelectual como intérprete e não mais como legislador.
Dentro de uma concepção teológica, como a tida no período medieval, o dogmatismo da igreja buscava afirmar a verdade absoluta e inquestionável sobe determinado fato, como por exemplo, a unidade de Deus. Esse mesmo dogma declina no momento que se tem a possibilidade dos intelectuais pensarem e debaterem a respeito da possibilidade, neste caso em concreto, da existência de outros deuses e formar um panteão politeísta.
Frente a posicionamentos como estes, há afirmativas de que o Estado está perdendo o seu poder, logo é necessário afirmar e definir fundamentos imutáveis para que a situação não chegue a um patamar crítico e irreversível, de forma que Bauman, em “Legisladores e Intérpretes”, nos apresenta a seguinte afirmativa:
A questão é que o Estado não está necessariamente mais fraco por causa desta falência de autoridade; ele simplesmente achou modos melhores, mais eficientes de reproduzir e impor seu poder; a autoridade tornou-se redundante, e a categoria especializada em manter a reprodução da autoridade tornou-se supérflua (BAUMAN. 2010. p. 171)
Deste modo não condiz com as vias racionais de organização política, administrativa, legislativa e judiciária, afirmar que o Estado está passando por um procedimento de “falência de autoridade”, haja vista que o pleito corrente é a busca por alargado crescimento da hermenêutica jurídica, social e legislativa, não sendo, dessa forma e moldes, um corte a autoridade estatal.
O império da Lei, ou melhor, do Princípio da Legalidade, teve a sua queda com a ascensão do Estado Democrático de Direito. Nesse diapasão o material legislativo passou a ser relativizado, nos viabilizando, no auge da pós modernidade que beira a sociedade contemporânea, a declaração da falência legal (e não de autonomia), para a superação da interpretação do vasto campo material, que encontra-se positivado no ornamento jurídico pátrio.
Encerrando a dialética da expectativa de novas interpretações, seja na seara legislativa ou constitucional, Bauman (2010. P. 170) nos salienta da seguinte forma: “O mundo contemporâneo é impróprio para os intelectuais como legisladores”.
Desta afirmativa, consegue-se extrair o entendimento de que há uma abertura de caminhos para a ascensão de novas representações, que vem a ser a possibilidade de aplicação de novas técnicas.
Verifica-se que na construção do pensamento moderno, valorizava-se as pessoas que conceituavam, isto é, a elite dominadora preocupava-se exclusivamente em ditar o conceito do que era correto ou não. Com a falência da conceituação (por se ter uma implantação da Razão absoluta de forma retardada), abriu-se espaço para a crescente presença do intérprete, ou seja, o intelectual agora não é mais o que dita (legislador) e sim o que interpreta.
A hermenêutica toma um novo rumo e na Ciência do Direito abre-se uma nova possibilidade, o considerado “intelectual” que antes se dedicava exclusivamente em escrever ou advogar em sentido legis, é deposto do seu “cargo”, por ver crescer os métodos de interpretação utilizados na busca de uma atualização mais célere do que foi legislado. Nada mais que acompanhar, a passos paralelos, as exigências legais da sociedade que vive na era da subjetividade.
Por meio da interpretação que se dar sentido a criação. Eco em “Obra Aberta”, afirma o sentido que se deve denotar na apreciação da obra. A interpretação, pessoal, coletiva, está fundada nas influências da cultura, religião, família dentre outras instituições. Em outra obra intitulada de Limites da Interpretação, Eco nos salienta que os interesses continuam relacionados à abertura da interpretação embora o foco seja diferente:
Trinta anos atrás (…) eu me preocupava em definir uma espécie de oscilação ou de equilíbrio instável entre iniciativa do interprete e fidelidade à obra. No correr desses trinta anos, a balança pendeu excessivamente para o lado da iniciativa do intérprete. O problema agora não é fazê-la pender para o lado oposto e, sim, sublinhar uma vez mais a ineliminabilidade da oscilação. (ECO, 2004, p. XXII)
Logo, quando se fala em Hermenêutica Jurídica, deve-se perceber que o seu principal objetivo é entender o direito. Nessa perspectiva, tem-se como foco objetivo da Hermenêutica Jurídica o entendimento do Direito e como foco subjetivo o sujeito que interpreta o Direito. Por exemplo, ao se estudar as fontes[1] formais indiretas (ou mediatas) do direito, sejam elas a doutrina e a jurisprudência, entende-se como métodos distintos de interpretações de uma elite intelectual do Direito, neste caso estarão presentes o foco objetivo (estará interpretando o Direito) e subjetivo (quem o interpreta são estudiosos do Direito) da Hermenêutica Jurídica.
Destarte, uma parcela de intérpretes do Direito tem com objeto de interpretação recortes da realidade. Apresenta-se aqui a figura do magistrado, que como representante do Estado Juiz deve dar provimento jurisdicional por meio da sentença[2], no processo de conhecimento, para que haja resolvido uma lide (conflito de interesse).
A Sentença redigida pelo magistrado deve seguir os requisitos essenciais definidos pelo artigo 458 do Código de Processo Civil, quais sejam: O relatório; os fundamentos de fato e de direito (motivação); o dispositivo (conclusão). Dentro da exposição de fato e de direito, que o juiz irá interpretar o Direito e apresentar para as parte o seu entendimento frente ao litígio. O Estado-Juiz irá interpretar o direito objetivo, e aplicar as consequências que da analise ensejar frente ao direito material arguido no processo, que fora instaurado por meio do direito subjetivo público de ação.
Destarte, amparado por todas as contribuições elencadas nos parágrafos anteriores, bem como se acostando à metodologia do amor e nos pensamentos desenvolvidos por Nietzsche, é-se possível fazer-se uma análise da situação ocorrida no Judiciário brasileiro no ano de 2011, causando uma revolução no direito constitucional e civil pátrio, em que fez destacar-se a importância da Hermenêutica Jurídica e os métodos interpretativos do direito brasileiro para abonar prerrogativas constitucionais garantidas aos cidadãos.
Utilizando-se de uma prerrogativa a ele concedida, o Procurador Geral da República encaminhou para o Supremo Tribunal Federal a Ação Direta de Inconstitucionalidade[3] (ADI) nº4277 em conjunto com a ADPF nº132, buscando que fosse feito um julgamento, observando o recorte da realidade social atual, do artigo 1.723 do Código Civil e artigo 226 § 3º da Constituição Federal que tratam da composição da união estável.
Com a promulgação do Código de 2002 sedimentou-se o avanço por todos esperado, tanto da doutrina quanto da jurisprudência, que foi consideração codificada da União Estável. Esperando que o cenário jurídico brasileiro fosse ficar neutro e pacificado, começaram a surgir questionamentos da sociedade quanto à nomenclatura utilizada pelo Código Civil, que segue um entendimento constitucional (artigo 226), ao afirmar que é reconhecida a união estável entre homem e mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar a sua conversão em casamento.
Frente ao exposto questiona-se: Como se aplica a lei aos casos de união entre pessoas do mesmo sexo, uma vez que tanto a Constituição, quanto o Código Civil vem definindo que apenas homes e mulheres constituem-se sujeitos para a formação de família?
A esta resposta Cunha Jr. afirma que:
“A constituição não recusou reconhecimento à união estável formada entre pessoas do mesmo sexo, a chamada relação homoafetiva, que, a nosso sentir, tem amparo constitucional manifesto, em face, basicamente, do princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e da liberdade de opção sexual (art. 3º, IV).”
Por sua vez, os positivistas e legalistas, apresentam o entendimento de que:
A interpretação científica é pura determinação cognoscitiva do sentido das normas jurídicas. Diferentemente da interpretação feita pelos órgãos jurídicos, ela não é criação jurídica. A ideia de que é possível, através de uma interpretação simplesmente cognoscitiva, obter Direito novo, é o fundamento da chamada jurisprudência dos conceitos, que é repudiada pela Teoria Pura do Direito. A interpretação simplesmente cognoscitiva da ciência jurídica também é, portanto, incapaz de colmatar as pretensas lacunas do Direito, O preenchimento da chamada lacuna do Direito é uma função criadora de Direito que somente pode ser realizada por um órgão aplicador do mesmo e esta função não é realizada pela via da interpretação do Direito vigente. (KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p.250).
Como foi exposto em tela, a visão positivista de Kelsen não permite que haja uma legitimidade de interpretação do direito pelos órgãos do Judiciário. Ao seguir este conceito, devem-se fixar os olhares ao pensamento legislativo engessado no código, não possibilitando nenhuma interpretação que vise criar um “direito novo”, ou sanar uma lesão ao direito do outro (também cidadão).
Frente ao avanço da Hermenêutica Jurídica este pensamento perde total eficácia, pois a ideia da interpretação preenche a lacuna deixada pelo Legislativo, ficando mais fácil que o Judiciário adeque o Direito à realidade social, como foi empregada no julgamento do STF cuja pauta foi à união estável entre pessoas do mesmo sexo.
Além de adequar o Direito à realidade social, o STF ao julgar pelas vias interpretativas o assunto em tela, assegura a toda sociedade os direitos e garantias reservados pela Constituição, quais sejam a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), a liberdade, e a igualdade. Princípios constitucionais que eram violados, quando o Estado-Juiz tinha que aplicar o direito tipificado no código.
Tomando como referência os ensinamentos de Bauman, perceptível se torna a conclusão que aponta para o efeito não positivo do engessamento do Direito. Em busca da pacificação dos conflitos sociais e garantia de todos os direitos dos cidadãos brasileiros, o Direito volve os seus olhares para o recorte social e busca interpreta-los para melhor se aplicar.
Verificando que não havia harmonia entre a realidade social na constituição da união estável, o Supremo Tribunal Federal interpreta a norma tipificada, causando uma revolução no Direito pátrio, e afirma que como entidade familiar entende-se também os casais homoafetivos.
Legisladores não acatam a legitimidade dos intérpretes do Direito. Afirmam que o discurso deve ficar estático, surtindo efeitos específicos, até que haja um processo legislativo, por meio de votos que até a década passada não eram revelados para a sociedade, e que busque revogar o contesto anterior e trajar, com nova roupagem, o direito atual. Traje formal e indiscutível, refletindo uma posição privilegiada e elitista. Felizmente a Hermenêutica Jurídica prega a interpretação correta e coerente do Direito, tendo-se a queda do legislador que impõe e a ascensão do jurista interpreta. Parafraseando o título do livro de Umberto Eco, a “Obra é Aberta”; neste sentindo entende-se como obra a legislação e como correta a interpretação dada pelo STF em analisar que família é um conceito muito mais amplo do que a entidade formada por pai, mãe e filho.

Notas e Referências:
[1]Cumpre salientar que para Kelsen, a norma fundamental (a constituição) é a fonte primordial do direito, segundo a qual emana todo o ordenamento jurídico e o mesmo deve respeito.
[2] “É emitida como prestação do Estado, em virtude da obrigação assumida na relação jurídico-processual (processo), quando a parte ou as partes vierem a juízo, isto é, exercem a pretensão à tutela jurídica”. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1974, v.V, p395.
[3]Lecionando sobre Ação Direta de Inconstitucionalidade, Dirley da Cunha Jr. nos ensina que “cuida-se de uma de uma ação de controle concentrado-principal de constitucionalidade concebida para a defesa genérica de todas as normas constitucionais, sempre que violadas por alguma lei ou ato normativo do poder público. Por isso mesmo é também conhecida como ação genérica.” (JÚNIOR, Dirley da Cunha. 2012. p. 358).
BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e Interpretação Constitucional. 2. d. revista e ampliada. São Paulo: Celso Ribeiro Bastos Editor, 1999.
BAUMAN, Zygmunt. Legisladores e Interpretes: Sobre Modernidade, Pós Modernidade e Intelectuais. Tradução de Renato Aguiar 1ª. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2010.
BARROSO, LUIS ROBERTO. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 3. São Paulo: Saraiva,2001.
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992.
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2009.
BITTAR, Eduardo C. B. Curso de Ética Jurídica: Ética Geral e Profissional. 10ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
CANOTILHO, Jose Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003.
COELHO, Inocêncio Mártires. Interpretação Constitucional. Rio Grande do Sul: Sergio Antonio Fabris, 1997.
ECO, Umberto. Obra Aberta: forma e indeterminação nas poéticas contemporâneas. São Paulo: Perspectiva, 2012.
FOUCAULT, Michel. A ordem do Discurso. São Paulo: Edições Loyola, 2002.
KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. Trad. De Manuela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Mourão. Lisboa: Fundação CalousteGulbenkian, 1994
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução de João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 6a edição, 5ª tiragem, 2003.
NIETZSCHE, Friedrich. A genealogia da moral. Tradução de Antônio Carlos Braga. 3ª. ed. São Paulo: Editora Escala, 2009.
NIETZSCHE, Friedrich. Além do bem e do mal. Trad. PauloCésar de Souza. São Paulo. Companhia das Letras.1998.
SCHOPENHAUER, Arthur. Dores do Mundo. Rio de Janeiro: EDIPRO, 2013.
VIEHWEG, Theodor. Tópica e Jurisprudência. Tradução de Kelly Susane Alflen da Silva. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2008.

Direito Fundamental à Água? Quando o Brasil vivencia “Vidas Secas” e a água não brota das leis

Direito Fundamental à Água?  Quando o Brasil vivencia “Vidas Secas” e a água não brota das leis – De Ezilda Melo e Wendel Machado



Saiu no site da Empório do Direito:

Ezilda Melo e Wendel Machado – 04/03/2016
“Admirava as palavras compridas e difíceis da gente da cidade, tentava reproduzir algumas, em vão, mas sabia que elas eram inúteis e talvez perigosas”.
Graciliano Ramos
Não é novidade para qualquer cidadão atento, quanto mais para os militantes do Direito, que de um modo muito amplo a Constituição Federal de Brasil de 1988 traz imediatamente em seu artigo primeiro, como princípio fundamental do Estado: “a dignidade da pessoa humana”. Deste mandamento decorre toda uma ramificação de direitos e garantias que perpassam o texto constitucional e irradiam para moldar um complexo jurídico capaz de possibilitar o cumprimento do conteúdo axiológico aí expresso.  Assim, encontram estabelecidas as diversas gerações (ou dimensões) de Direitos Fundamentais que são caracterizados, nos dizeres de Karl Loewenstein, como “[…] princípios superiores à ordem jurídica positiva…”. Nesta perspectiva, os direitos fundamentais são plenamente afetos à própria existência humana, guardando estrita relação de essência com Direitos Humanos que, como afirma Dirley Cunha Jr., pretendem conferir “a todos, universalmente, o poder de existência digna, livre e igual”.
No contexto das Ciências Naturais a proposição de água como bem indispensável à manutenção da vida humana é indiscutível. É inteiramente perceptível, até mesmo pelo senso comum, que sua escassez inviabiliza a existência de vida saudável. Por uma aplicação de silogismo simples, pode-se concluir facilmente que essa relevância implica em essencialidade à condição humana e que, certamente, é um bem que se encontra nesta categoria de direitos essenciais firmados na dignidade do homem.
“(…) Tinham deixado os caminhos cheios de espinho e seixos, fazia horas que pisavam a margem do rio, a lama seca e rachada que escaldava os pés”.
Ainda que se possa chegar a tal conclusão com tamanha celeridade, beirando a obviedade, o reconhecimento dessa premissa é envolta em incertezas e controvérsias que se perpetuaram por muitos anos sem chegar a um consenso pacífico, pois, seja no campo internacional ou interno, não há a clara e inequívoca definição da água como direito essencial. Mesmo não havendo menção expressa, aplicando o conceito de Loewenstein, este direito fundamental existe e goza de tanta força vinculativa quanto qualquer outro da mesma categoria. Entretanto, o que aqui se debate não é a letra da Constituição, mas a defesa desse direito frente às ações e políticas públicas.
Hodiernamente, o tema voltou a ganhar relevância pela crise hídrica que incide sobre as várias regiões do Brasil que convive com a estiagem duradoura, a mesma velha conhecida do semiárido nordestino desde tempos longínquos. Já nos idos do Império se debatia a questão de distribuição de águas do Rio São Francisco, sem que isso também fosse muito além dos debates e de obras não conclusas. A grande diferença, desta vez, é que há estiagem onde antes havia abundância: de água e, principalmente, de poder econômico. O problema então se generaliza: todo o país vivencia “Vidas Secas”.
Não por coincidência, “Vidas Secas” é a opus magna de Graciliano Ramos, publicada originalmente em 1938. O romance que é centrado na experiência da seca pela família de Fabiano, segue o itinerário da desconstrução dos carácteres de humanidade das personagens frente a um sertão com aridez de solo e de vida. A falta de água é a própria ausência de vitalidade, de seres que se arrastam pelas planícies, em que as crianças são destituídas do primeiro elemento identitário: o nome. Como se houvesse uma forma de coisificação semovente as crianças não são nomeadas. A vida desta família então se desprende do senso de humanidade e muito mais do valor da dignidade. Os caminhos percorridos são “terra sem lei”, onde a única manifestação estatal é a autoridade policial arbitrária. São seres. Existem apenas para suas vidas. Estão absortos de um arcabouço social que lhes permita amparo. Há Direito, mas não há direitos. Mesmo o mínimo existencial é subvertido. São homens porque há Direito, mas sua fala é reproduzida através de grunhidos, pois não há direito a voz. Apenas existem. A água do sertão existe, mas também há a cerca, a propriedade, o limite do poder estabelecido. Há poder e controle porque há Direito. Direito sempre há, mas não há defesa do Direito, nem dos direitos. Ainda aí afora encontramos Fabianos, Sinhas Vitórias, Baleias, e, principalmente meninos sem nome, em todos os lugares e partes. A realidade narrada no livro nunca atribuiu topônimo: é universal, pode ser qualquer lugar, qualquer instante. Não é como um código legislativo que perece; é a-temporal como as obras-primas são. A arte é eterna, já o direito legislado é momentâneo, datado, tem prazo de validade. 
“(…) Eles estavam perguntadores, insuportáveis. Fabiano dava-se bem com a ignorância. Tinha o direito de saber? Tinha? Não tinha…”
A intertextualidade nos permite observar que mesmo que a gênese de tal colapso tenha explicações geográficas e climáticas, a aridez escancara a infertilidade jurídica para a defesa de virtudes primárias, enquanto se embriaga na mera proliferação de textos legais. A falta do Direito para além da letra da lei não garante acesso à água por parte da população. Não basta que haja o elemento natural em si; há um caráter adjetivo a ser lembrado: água digna, ou seja, de boa qualidade, potável, própria para o consumo humano em sentido plural. Aqui se vê que, mesmo com previsão de instrumentos para defesa dos direitos difusos e coletivos, há de se questionar a efetividade de sua proteção e que aqueles que deveriam oferecer proteção, são apenas perpetuadores da situação estabelecida.
Não se pode furtar, também, à percepção de que, como um bem sujeito a escassez, há um valor econômico intrínseco e, por isso, está submeto aos ditames da propriedade e do mercado. Assumir tal acepção aduz à necessidade de formular uma gestão racional que vise à eficiência, especialmente no que diz respeito à atuação da Administração Pública em relação à gestão das águas sob sua competência, afinal eficiência é um dos princípios insculpidos no art. 37 da Carta Magna. Não é ilógico pensar, então, que há o estrito compromisso do gestor com os recursos hídricos, do mesmo modo como outros bens por si geridos, não apenas porque também constitui bem público, mas porque é essencial à vida. Poderia, sem risco de equívoco, mesmo dizer que há uma função social da água.
A função social da água é o entendimento de que esta não pode ser aplicada sem que se tenha em consciência que é um bem de interesse público e, seu uso indiscriminado e sem parâmetros, constitui violação à própria sociedade como organismo global. Sua função social é revestida da universalização do seu acesso, mas ainda negação à gestão irresponsável para que não seja admitido que ‘cerca’ – a manifestação do poder dos detentores dos recursos – não provoque a seca.
“(…) Um dia… Sim, quando as secas desaparecessem e tudo andasse direito… Seria que as secas iriam desaparecer e tudo andaria certo? Não sabia…”
Provimento jurídico algum parece ser capaz de gerar a distribuição hídrica em equilíbrio, isso porque o dever ser está aquém das necessidades da materialidade ontológica; a deontologia não se basta em si. Contudo, o dever ser é capaz de mudar a realidade do ser, isso porque as condutas condicionadas pelas normas são executadas na realidade sensível. Assim, a questão da seca, é também questão jurídica, porque as normas jurídicas deveriam ser capazes de promover e vincular a adoção de posturas determinantes para a promoção da dignidade da pessoa humana. Em primeiro momento, há a vinculação da atuação Estatal, já que os Direitos Fundamentais não são meramente programáticos, são, sobretudo, obrigatórios em ações e política públicas que os tragam ao campo da vivência material de maneira efetiva. Depois, porque também é interesse público, ou seja, é a própria sociedade que consagra a dignidade humana e a ela mesma cabe sua promoção, e nisso inclui a defesa da água como parte do meio ambiente, mas também como um direito social, assim como a saúde, o trabalho.
Debater crise hídrica sob essa perspectiva é perceber que se deve regar o próprio Direito para que enxergar além das fronteiras das leis; apreender que os Direitos Fundamentais permanecem porque guardam estrita relação com a existência humana e que são basilares porque reconhecemos como o mínimo para a manutenção daquilo que é humano em nós. Debater a água no direito é ter a noção de que “Vidas Secas” é logo aqui e também, ainda que não somente, problema jurídico, pois se envolve poder e controle, é jurídico também.
A falta de água no Nordeste[1] e em outras regiões insere-se perfeitamente numa questão político-jurídica. Politicamente, o discurso do combate à seca ainda elege muitos dos representantes populares e, juridicamente, a Constituição Federal além de garantir esse direito fundamental, deveria ter criado meio assecuratório de concretização. O Brasil tem grandes mananciais aquíferos. As pessoas têm o direito de permanecer nas regiões que se identificam cultural e socialmente. Portanto, a grande batalha que se deve travar é fazer com o direito à água seja de todos. Efetivamente, de todos. Juridicamente, portanto, a Constituição Federal garante o direito à água como um direito fundamental, que deve ser efetivado[2]. Mas, na prática o estio permanece secando corações e entristecendo o país.
Uma poesia para o tema que pode ser trabalhada em sala de aula:
Ser tão vida seca[3] 
Suor, calor,
Cansaço, fome,
Terra árida onde cresce o atraso e o desamor. 
Terra Seca,
Seca Terra,
Vidas Secas,
Secas Vidas.
Vidas secas, como a terra seca
Que seca as vidas. 
No pingo do meio-dia,
Com o sol escaldante,
A quentura nos consume,
Dentro de um forno ardente e quente,
Capaz de secar nossa última semente. 
Terra Seca,
Seca Terra,
Vidas Secas,
Secas Vidas.
Secas de uma vida
Que secou pelas secas da vida. 
Terra seca que dá risada,
Alegra-se nos pingos que caem da chuva.
E o agricultor fica feliz vendo sua terra molhada,
Sabendo que não vai morrer sua vaca malhada. 
Terra Seca,
Seca Terra,
Vidas Secas,
Secas Vidas.
Terra Seca que floresce
no orvalho da madrugada.
Outro artigo relacionado com a temática:

Notas e Referências:
[1] ALBUQUERQUE JR., Durval Muniz. A invenção do Nordeste e outras artes; prefácio de Margareth Rago. 5ª edição – São Paulo: Cortez, p.343: “O Nordeste, assim como o Brasil, não são recortes naturais, políticos ou econômicos apenas, mas, principalmente, construções imagético-discursivas, constelações de sentido. (…) O Nordeste, na verdade, está em toda parte desta região, do país, e em lugar nenhum, porque ele é uma cristalização de estereótipos que são subjetivados como característicos do ser nordestino e do Nordeste. Estereótipos que são operativos, positivos, que instituem uma verdade que se impõem de tal forma, que oblitera a multiplicidade das imagens e das falas regionais, em nome de um feixe limitado de imagens e falas-clichês, que são repetidas ad nausem, seja pelos meios de comunicação, pelas artes, seja pelos próprios habitantes de outras áreas do país e da própria região”.
[2] SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos Fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 11. Ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2012.
[3] Poesia de Ezilda Melo.

sábado

60 anos de "Auto da Compadecida" e a invenção do Tribunal do Júri em Ariano Suassuna

Um bom texto nunca morre e ninguém sabe qual caminho seguirá depois de publicado. Torna-se de todos (que queiram ler). 

Há alguns anos venho pesquisando o Direito sob o prisma do viés artístico. Ariano Suassuna tem lugar cativo nas minhas leituras, por isso trabalhar com o texto dele é, antes de tudo, um prazer. Essa semana publiquei um ensaio em homenagem aos 60 anos de Auto da Compadecida, no entanto interpretando o texto dentro de uma concepção jurídica. Ao final, fiz uma dedicatória, que preferia nunca ter feito e que não houvesse motivo para fazê-la. A escrita é a forma de eternizar, por isso minhas palavras abaixo:

Dedicatória:
Esse ensaio foi escrito quatro meses antes do assassinato brutal do meu irmão, Mário Pacífico de Melo. Não o publiquei antes porque a emoção, quando o releio, toma-me profundamente. A todas as famílias enlutadas que perderam seus familiares injustamente, alvo de mortes violentas, provocadas pela agressividade humana, e que convivem diariamente com a impunidade, e com a dor de preventivas revogadas, quando o que se quer é, pelo menos, o exemplo da punição. Triste a sociedade que não valoriza a vida e que banalizou o sofrimento das vítimas. Cenas tristes que marcam o existir, tal qual marcaram Suassuna e minha sobrinha, que aos quatro anos de idade tiveram seu pai assassinado. A encenação dessa tragédia ainda ocorrerá no Fórum da cidade de Jardim de Piranhas-RN, local do crime. Não sei quem será o Juiz-Presidente, nem tampouco o Promotor, tendo em vista que a complexidade, a incerteza e o caos são tônica em nosso Judiciário. Mas, sei que a juíza que decretou a preventiva foi a mesma que a revogou, sem nenhuma justificativa plausível. Um juiz, diante de mais um homicídio em suas mãos, só tem um texto escrito e o lê como literatura jurídica (que não se compara a um texto de Suassuna). Para a família que fica com a dor, a emoção é grande.

O texto completo pode ser acessado no seguinte endereço:

http://emporiododireito.com.br/60-anos-de-auto-da-compadecida-e-a-invencao-do-tribunal-do-juri-em-ariano-suassuna-por-ezilda-melo/

Primeiro de Maio: dia de comemorar?



Ontem foi Primeiro de Maio, dia histórico que simboliza o dia do trabalhador. Trabalhar é importante na constituição do sujeito histórico, disto todos sabemos. Alguns já foram escravos formalmente, hoje a escravidão continua do seu modo peculiar. Um projeto de lei que piora a condição do trabalhador para simplesmente aumentar o lucro das empresas (assistam "The Corporation" para saber como essa história começou) e professores massacrados diariamente são situações suficientes para saber que ontem não foi dia de comemoração... E o lucro? continua nas mãos de poucos. E as reservas naturais? Estão acabando. Os donos do poder têm, no primeiro de maio e nos demais dias do ano, muito a comemorar. Com Champagne Gout de Diamants (cada garrafa custa €1,2 milhões e é adornada com um gigantesco cristal Swarovski). Porque esbanjar é lembrar que muitos passam fome...

quinta-feira

Figuração cromática

"Rufina (permitam-me esta figuração cromática) não tinha a alma negra de Lady Macbeth, nem a vermelha de Cleópatra, nem a azul de Julieta, nem a alva de Beatriz, mas cinzenta e apagada como a multidão dos seres humanos". Machado de Assis

terça-feira

Personagens e máscaras



 
 
Meados de dezembro. Novo ano se aproxima. É hora de refletir e uma das maiores reflexões deste ano que passa é a questão do personagem que algumas pessoas criam publicamente. Essa frase
"personagens não são pessoas e uma hora as pessoas mostram quem são", da minha querida amiga K. é apropriada para o momento.  Máscaras caem, e o personagem seduz por um momento, mas a realidade vem e mostra a aberração surreal. Impossível imaginar!!! Quem não fala a verdade é porque tem que se esconder atrás de mentiras que caem.
 
"É tarde, é tarde, é tarde... "
 
 

Conhecer Lourdes Ramalho



Lourdes Ramalho - a grande dramaturga


 
A escritora, poeta, dramaturga Lourdes Ramalho constroi em seu universo artístico a tessitura para nosso encontro com mulheres extremamente fortes e livres das amarras sociais.  Suas obras são de uma grandiosidade ímpar. Conhecê-la foi de uma emoção que não me deixa. Agradeço à Laryssa Almeida por ter me proporcionado esse encontro. Jamais esquecerei. Uma das mais belas tardes do meu existir. Emocionei-me, pois perto, daquela mulher de 93 anos, senti a energia das minhas ancestrais.

No mónologo "Fiel Espelho Meu", do Livro "Mulheres", transcrevo as seguintes passagens:

"Orestes morto? - Até duvido! - Então, o que foi feito daquela importância, daquela arrogância, daquele poder todo?"

(...)
"Cadê o homem que ordena, que resolve tudo, senhor de todas as coisas, até do corpo e da vontade da gente, hein?"

(...)
"Não faça isso que é feio! Não faça isso qie é indecente! - Dê-se a respeito!".

(...)
"Já que não tenho mais quem me controle, quem me policie - vou viver como posso e quero, livre e só, balançando o rabinho!..."

(...)

"Dizem na China o luto é vermelho - uma cor lasciva, sensual, erótica! Ah, se eu fosse chinesa..."

(...)

"Ora, eu ainda sou uma mulher viva, de carne e osso, livre e só - e pronta pra balnçar o rabinho... pra fazer o que nunca fiz de verdade... com quem sempre desejei e não pude!"

(...)

"O primeiro juiz arbitrário a me enquadrar, esvaziar, fazendo de mim a criatura covarde, objeta, que tenho sido até hoje..."

(...)
"Honestidade é uma palavra que, para o homem e para a mulher, tem conotações diferentes"

(...)

"Como supervalorizamos o sexo oposto, enquanto nós, mulheres engrossávamos o imenso exército de seres submissos, de cabeças baixas e vontades quebradas - sob séculos de costumes impostos...e toneladas de códigos e normas a traçarem nossas linhas de conduta..."

(...)
"Do monturo renasce a seiva...e floresce"

Leiam Lourdes Ramalho. Descubram Lourdes Ramalho. Conheçam Lourdes Ramalho! Magnética nordestina, sertaneja, forte, criativa, pulsante... ma-ra-vi-lho-sa. Sou fã. Muitíssimo fã! Ela é a avó de todas nós.

segunda-feira

1ª Semana de Psicologia da Faculdade Ruy Barbosa

 
 
No debate sobre o filme "Precisamos falar sobre Kevin,  no CinePsi , integrando a mesa de debate com a Prof. Sidnei Lira e com o Coordenador do Curso de Psicologia da Faculdade Ruy Barbosa, Anderson Viana, percebi que  crime uma generalização em afirmar causa-efeito e a cobrar do sistema judiciário uma resposta modificadora de realidade. Tudo é complexo e as respostas não são óbvias. O sistema não é ordenativo. Pelo contrário, é caótico. Considero que somos aquilo que fazemos com o que fizeram conosco. Não somos meros depositários e a depressão pós-parto da mãe não pode ser vista como determinante no comportamento do adolescente.  É na família que temos nosso primeiro contato com a sociedade, e a construção de lugares de pai, mãe, filhos e irmãos são essenciais para o desenvolvimento sadio de um ser humano. A maior educação é aos filhos!

 

quarta-feira

O lado fatal

 
 
Maria Bethânia recitando Lya Luft:
O renascimento na escrita dolorida:
 
O lado fatal
I
Quando meu amado morreu, não pude acreditar:
andei pelo quarto sozinha repetindo baixo:
"Não acredito, não acredito."
Beijei sua boca ainda morna,
acarinhei seu cabelo crespo,
tirei sua pesada aliança de prata com meu nome
e botei no dedo.
Ficou larga demais, mas mesmo assim eu uso.
II
Muita gente veio e se foi.
Olharam, me abraçaram, choraram,
todos com ar de uma incrédula orfandade.
III
Aquele de quem hoje falam e escrevem
(ou aos poucos vão-se esquecendo)
é muito menos do que este, deitado em meu coração,
meu amante e meu menino ainda.
IV
Deus
(ou foi a Morte?)
golpeou com sua pesada foice
o coração do meu amado
(não se vê a ferida, mas rasgou o meu também).
Ele abriu os olhos, com ar deslumbrado,
disse bem alto meu nome no quarto do hospital,
e partiu. Quando se foram também os médicos e suas
[ máquinas inúteis,
ficamos sós: a Morte (ou foi Deus?)
o meu amado e eu.
Enterrei o rosto na curva do seu ombro
como sempre fazia,
disse as palavras de amor que costumávamos trocar.
O silêncio dele era absoluto: seu coração emudecido
e o meu, varados por essa dourada foice.
Por onde vou deixo o rastro de um sangue denso
[e triste
que não estancará jamais.
 V
Insensato eu estar aqui, e viva.
O rosto dele me contempla
vincado e triste no retrato sobre minha mesa;
em outros, sorri para mim, apaixonado e feliz.
Insensato, isso de sobreviver:
mas cá estou, na aparência inteira. Vou à janela esperando que ele apareça
e me acene com aquele seu gesto largo e generoso,
que ao acordar esteja ao meu lado
e que ao telefone seja sempre a sua voz. Sei e não sei que tudo isso é impossível,
que a morte é um abismo sem pontes
(ao menos por algum tempo). Sobrevivo, mas pela insensatez.
VI
Pensei que estávamos apenas no começo:
a casa mal-e-mal nos alicerces.
Mas provavelmente estava concluída
e eu não sabia.
Tínhamos erguido em nossos poucos anos
as paredes necessárias;
o telhado se inclinava ao jeito certo,
e havia vidraças nas janelas.
(Éramos felizes ali dentro
mesmo com as tempestades de fora.)
Tudo se construiu num lapso tão curto:
até a porta de entrada, por onde ele saiu
casualmente como quem vai comprar jornal.A porta está apenas encostada
embora pareça alta, dura, intransponível:
do lado de lá, o meu amor vê as maravilhas
que tanto nos intrigavam nesta vida.
 VII
Tanto escrevi sobre a morte
em livros e poemas nesses anos:
sempre achei que a entendia um pouco. Mas agora que ela me dilacerou a vida,
me rasgou o peito,
me levou o amado,
sinto que mal começo a compreender
sua mensagem:
tirando-o de mim, a morte o devolve
para que seja mais meu. Dentro de mim um quebra-cabeças, e nele
[o meu amado.
Nem Deus o tirará daqui.
 VIII
O meu amado morreu:
viver sem ele, como dói.
Não tivemos filhos juntos,
nosso passado foi tão breve que era sempre
[presente.
Um dia ele mandou fazer um par de alianças
de pesada prata, parecendo antigas;
gravou apenas nossos nomes, sem data, e disse:
"Somos um só desde sempre."
Ainda não acreditei em sua morte,
e talvez isso me salve por enquanto.
Levantar-me da cama cada dia é um ato heróico,
acender o cigarro, atender o telefone, tomar café.
Mas faço tudo isso:
falo, ando, recebo visitas.
Compro móveis para a casa onde moro sem ele,
imaginando: será que ele vai gostar? De algum secreto lugar me vem a força
para erguer a xícara, acender o cigarro,
até sorrir quando alguém me diz:
"Você hoje está com a cara ótima",
quando penso se não doeria menos
jogar-me de um décimo-primeiro andar.
IX
Amado meu, agora morto,
postado do lado de lá da fronteira que nos seduzia,
mudo e quedo como se não existisses:
eu sei que existes,
intensamente, ardentemente existes,
feito e desfeito no fogo de um amor maior que
[o nosso
mas que nos abrange. Amado meu, morto agora e para sempre vivo,
hás de ter ainda o intenso olhar que me entendia,
as curvas amorosas da boca que chamou meu nome,
as belas, inquietas mãos que ardiam nas minhas.
Ajuda-me agora, silencioso que estás,
a suportar a sobrevida
e a decifrar esse alto, intransponível muro que me
[cerca.
 X
Nunca tivemos filhos juntos, e ele reclamava:
"Nosso amor merecia um filho ao menos. "Nosso filho é a minha dor de hoje,
é a fulguração que nos deixava tontos,
é o novelo da memória que teço e reteço
nas minhas insônias. Nosso filho é o meu tempo de agora
para falar do meu amado:
da sua força e sua fragilidade,
da sua indignação e seus prantos,
da sua necessidade de ser amado e aceito
como finalmente deve estar sendo, por inteiro,
na realização de todos os seus vastos desejos.
 XI
O meu amor enveredou por sua morte
como quem vai a um encontro de amor:
impaciente.
Deixou-me este coração golpeado,
esta derrota.
Mas também ficou a claridade desses anos
e a sensação de que ele finalmente
vive o encontro de amor
que toda a devoção de minha vida não lhe poderia
[dar.(Um dia, celebraremos juntos.)
XII
Se me tivessem amputado braços e pernas
e furado o coração com frias facas
e cegado meus olhos com ganchos
e esfolado a minha pele como a de um podre bicho
- nada doeria mais
que te saber morto, amado meu,
depositado
nesse irremediável poço de silêncio de onde não
[respondes.(A não ser em sonho, quando me olhas
e tuas mãos tocam as minhas espalmadas,
abertas, feridas, vazias.)
 XIII
O meu amado morreu:
preciso viver sua morte até o fim.
Morreu sem que se instalasse entre nós cansaço e
[banalidade.
Talvez tenha morrido na medida certa
para nada se desgastar.
Dele me vem a dor, mas também a ternura,
a claridade que me permite ver
em todos os rostos o seu rosto
em todos os vultos o seu vulto
e ouvir em todos os silêncios
o seu inesperado riso de criança
 XIV
Estranha a vida:
fico tangendo meus dias
como um rebanho de ovelhas desordenadas
nessa triste e fria cidade de Porto Alegre
onde ele gostava de estar
olhando o pôr-do-sol e vendo amigos.
"Morrer é tomar um porre de não-desejo"
dizia o meu amado, que era um homem desejoso:
desejava a vida, desejava a morte, desejava
[a justiça,
desejava a eternidade e a paz. Estranha a vida:
quando releio uma frase sua,
"viver é modular a morte",
em sangue e dor preparo a minha ida. Estranho também esse amor,
com hora marcada para a mutilação
da morte, o minuto acertado,
e o fim consultando o relógio
para nos golpear. Estranho esse amor de agora,
com meu amado atrás de um espelho baço
onde às vezes penso divisar seu vulto
como num aquário.
Enrolado em silêncio,
mais que nunca o meu amor comanda a minha vida.
 XV
Não falem alto comigo:
andem sempre na ponta dos pés.
Principalmente, não me toquem.
Finjam que não vêem se tenho um jeito absorto,
se nem sempre entendo as perguntas
com a rapidez de antigamente,
se pareço fatigada
e sem graça como nunca fui. Façam silêncio ao meu redor.
Não me interessa nada o cotidiano nem o místico.
Não quero discutir o preço do mercado
nem os grandes mistérios da eternidade.
 XVI
Levo meu amado no peito
como quem carrega nos braços para sempre
uma criança morta.
 XVII
Amado meu, que tanto ensinaste
de mim a mim mesma, e do mundo
a quem o conhecia pouco: quando se desfizer escura a noite desta perda,
quero enxergar pelos teus olhos,
amar através do teu amor
as coisas que me restaram. Amado meu, vivo em mim para sempre,
apesar da ruga a mais
e do olhar mais triste,
devo-te isto:
voltar a amar a vida
como agora amas, inteiramente,
a tua morte.
Lya Luft

 
Não precisa de comentário.
Mas, o meu é esse:
Lidar com a morte do ser amado: é uma desolação, um completo abandono de si mesmo.
Um renascer dolorido, pior do que o nascimento.
É o dionisíaco que Nietszche nos fala em "A origem da tragédia". Ser forte quando tudo diz o contrário.
Ir adiante quando se quer parar. Recomeçar quando o tempo já foi e já era hora de partir.
A vida nos dá sempre a chance de ser.

Descontrole

Nada é mais grave e perigoso do que emoção juvenil em adulto." Marília, personagem do filme "Últimos Diálogos"

"Me deixa em paz, rapaz. Vá chafurdar no lixo como você faz sempre". Assim o ministro Joaquim Barbosa, presidente do STF e do CNJ, dirigiu-se ao repórter do Estadão que tentava lhe perguntar algo. Os disparos do ministro foram presenciados por diversos jornalistas.

sábado

Março chegou. Que as águas caiam, molhem e lavem.

Quando chega março a primeira coisa que lembro é do aniversário da minha irmã maravilhosa. A primeira. Minha bonequinha. Ela nasceu no primeiro do mês.

Março também me lembra a comemoração do dia internacional da mulher. Toda ela gera a vida.

E tem uma música que é especial "Águas de Março":


"É pau, é pedra, é o fim do caminho
É um resto de toco, é um pouco sozinho
É um caco de vidro, é a vida, é o sol
É a noite, é a morte, é o laço, é o anzol
É peroba do campo, é o nó da madeira
Caingá, candeia, é o Matita Pereira
É madeira de vento, tombo da ribanceira
É o mistério profundo, é o queira ou não queira
É o vento ventando, é o fim da ladeira
É a viga, é o vão, festa da cumueira
É a chuva chovendo, é conversa ribeira
Das águas de março, é o fim da canseira
É o pé, é o chão, é a marcha estradeira
Passarinho na mão, pedra de atiradeira
É uma ave no céu, é uma ave no chão
É um regato, é uma fonte, é um pedaço de pão
É o fundo do poço, é o fim do caminho
No rosto o desgosto, é um pouco sozinho
É um estrepe, é um prego, é uma ponta, é um ponto
É um pingo pingando, é uma conta, é um conto
É um peixe, é um gesto, é uma prata brilhando
É a luz da manhã, é o tijolo chegando
É a lenha, é o dia, é o fim da picada
É a garrafa de cana, o estilhaço na estrada
É o projeto da casa, é o corpo na cama
É o carro enguiçado, é a lama, é a lama
É um passo, é uma ponte, é um sapo, é uma rã
É um resto de mato, na luz da manhã
São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração
É uma cobra, é um pau, é João, é José
É um espinho na mão, é um corte no pé
São as águas de março fechando o verão,
É a promessa de vida no teu coração
É pau, é pedra, é o fim do caminho
É um resto de toco, é um pouco sozinho
É um passo, é uma ponte, é um sapo, é uma rã
É um belo horizonte, é uma febre terçã
São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração
Pau, pedra, fim, caminho
Resto, toco, pouco, sozinho
Caco, vidro, vida, sol, noite, morte, laço, anzol


São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração".  Tom Jobim


Que as águas de março caiam no sertão. A falta de água no Nordeste brasileiro é um problema muito maior do que, simplesmente, climático.

 Um boa leitura sobre a temática é "A invenção do Nordeste e outras artes", do meu ex e eterno Professor Dr. Durval Muniz de Albuquerque Júnior. Acessem:
http://www.cchla.ufrn.br/ppgh/docentes/durval/artigos/segunda_remessa/nos_destinos_da_fronteira.pdf

Poeta, "Águas de Março, agora também me lembra você e sua pronúncia perfeita de cada palavra dessa belíssima canção.

Da série "O poeta"



Ele me presenteou com Adélia Prado. Foi um encontro lindo. Que fantástica é a Adélia. Tão sensível. Tão mulher. Decerto, ama-se.

Gostei tanto das poesias:


O amor no éter

Há dentro de mim uma paisagem entre meio-dia e duas horas da tarde. Aves pernaltas, os bicos mergulhados na água, entram e não neste lugar de memória, uma lagoa rasa com caniço na margem. Habito nele, quando o...s desejos do corpo, a metafísica, exclamam: como és bonito! Quero escrever-te até encontrar onde segregas tanto sentimento. Pensas em mim, teu meio-riso secreto atravessa mar e montanha, me sobressalta em arrepios, o amor sobre o natural. O corpo é leve como a alma, os minerais voam como borboletas. Tudo deste lugar entre meio-dia e duas horas da tarde.
E
 
O Vestido

No armário do meu quarto escondo de tempo e traça meu vestido estampado em fundo preto. É de seda macia desenhada em campânulas vermelhas à ponta de longas hastes delicadas. Eu o quis com paixão e o vesti como um ...rito, meu vestido de amante. Ficou meu cheiro nele, meu sonho, meu corpo ido. É só tocá-lo, volatiza-se a memória guardada: eu estou no cinema e deixo que segurem a minha mão. De tempo e traça meu vestido me guarda.
 
E da frase:
 
"Escreve-se para dizer: sou mais que um simples corpo".
 
 
É isso mesmo. Somos mais que corpos. Temos alma. E essa alma que temos é um mistério de sentimentos e de sensibilidades. 
 

O amor é uma companhia

"O amor é uma companhia. Já não sei andar só pelos caminhos..." Fernando Pessoa

segunda-feira

Aula de Direito

Um bom semestre a todos meus alunos, com dedicação e amor ao Direito, ao Justo, ao Socialmente Correto. E para começar nossas postagens acadêmicas de 2013.1 segue o texto abaixo, para reflexão:


Uma manhã, quando nosso novo professor de "Introdução ao Direito" entrou na sala, a primeira coisa que fez foi perguntar o nome a um aluno que estava sentado na primeira fila:
- Como te chamas?
- Chamo-me Juan, senhor.
- Saia de minha aula e não quero que voltes nunca mais! - gritou o desagradável professor.
Juan estava desconcertado. Quando voltou a si, levantou-se rapidamente, recolheu suas
coisas e saiu da sala.

Todos estávamos assustados e indignados, porém ninguém falou nada.
- Agora sim! - e perguntou o professor - para que servem as leis?...
Seguíamos assustados porém pouco a pouco começamos a responder à sua pergunta:
- Para que haja uma ordem em nossa sociedade.
- Não! - respondia o professor.
- Para cumpri-las.
- Não!

- Para que as pessoas erradas paguem por seus atos.
- Não!!

- Será que ninguém sabe responder a esta pergunta?!
- Para que haja justiça - falou timidamente uma garota.
- Até que enfim! É isso... para que haja justiça.
E agora, para que serve a justiça?
Todos começávamos a ficar incomodados pela atitude tão grosseira.
Porém, seguíamos respondendo:
- Para salvaguardar os direitos humanos...
- Bem, que mais? - perguntava o professor.
- Para diferenciar o certo do errado... Para premiar a quem faz o bem...

- Ok, não está mal porém... respondam a esta pergunta:
Agi corretamente ao expulsar Juan da sala de aula?...
Todos ficamos calados, ninguém respondia.
- Quero uma resposta decidida e unânime!
- Não!! - respondemos todos a uma só voz.
- Poderia dizer-se que cometi uma injustiça?
- Sim!!!
- E por que ninguém fez nada a respeito?

Para que queremos leis e regras se não dispomos da
vontade necessária para pratica-las?

- Cada um de vocês tem a obrigação de reclamar quando presenciar uma injustiça. Todos.
Não voltem a ficar calados, nunca mais!
- Vá buscar o Juan - disse, olhando-me fixamente.
Naquele dia recebi a lição mais prática no meu curso de Direito.
Quando não defendemos nossos direitos perdemos a dignidade e a dignidade não se negocia.

quarta-feira

Duas Caras

Essa poesia é dedicada à Nietzsche:
 
Ele é feio. Pensei comigo. Muito feio.
Não acho! Considerou a Verdade.
Claro que é muito feio.
Ele é belo, perfeito.
Ora, ora. De que falas?

Embriagada? Para afirmar uma inverdade desta?
Apolo olhou frente à frente e não viu seu rosto.
Espelhou-se na luminosidade do sol, transfigurou-se.
De que falas? Não percebe seu erro?
Lindo é Dioniso. O mais belo dos belos. Arrebatador, forte e extasiante.
É necessário examinar de perto!
Ele é bom, muito bom. Um anjo de candura e bondade.
Estás louca? Não enxerga?
Ele é odiável, uma pessoa cruel.
Não estamos falando da mesma pessoa.
É que tu me apareces como uma pista de dança para os acasos divinos.
Música. Fogo. Tragédia. Desolação. Tristeza. Infortúnio. A redenção.
Contemplação.
É com os pés do acaso que as Verdades preferem dançar.
A dança afirma o devir e o ser do devir.
Não há muito por aqui. Nem ali. Nem acolá.
Não existe limite para o sentir.
Destino malvado.
“E, neste momento, o deus tentador sorriu seu meio-sorriso alciônico,
Exatamente como se tivesse dito uma encantadora amabilidade”.
Ditirâmbica transformação ecoou em uma nova visão apolínica da tragédia.
Um mar eterno, uma trama mutante, um quadro destroçado.
Perguntar: qual meu destino?
Não queira saber.
Eu quero.
Insisto. Eu quero.
Não devia ter nascido. Já que nasceu, cuide em morrer. Contemplarei do horizonte.
O mito nos resguarda da música.
Que cruel! Dionisíaco, apolínico e belo.

O ano novo chegou. Deixe o novo entrar!


Minha primeira postagem em 2013 é para dizer o quanto estou esperançosa e crente em dias melhores.

Dias melhores são aqueles em que olhamos a vida com o olhar de felicidade. Aqueles dias que amanhecemos com disposição, com poesia, com garra; aqueles dias que queremos a alegria, que queremos o sorriso,  que queremos o bom, o melhor que a vida tem a oferecer. O melhor dia é o de hoje.

Em 2013, esse livro em branco, escreverei belas páginas de minha história. Dirigirei as cenas desse filme, que é minha vida.


Olharei para o céu, olharei para o sol,  para as estrelas, para a lua e para o mar, tanto para me inspirar, quanto para perceber a grandiosidade do universo.

 Irei à praia.

Ouvirei músicas que me embalem a alma.

Assistirei filmes que me estimulem.

 Estarei em companhia de meus amigos.

 Curtirei cada momento com meus filhos.

 Lerei livros necessários e essenciais e alguns bobos também, se tiver vontade.

Tomarei várias garrafas de vinho, em boas companhias. A companhia é essencial. Quem tem amigos, sabe disso.

Viverei com leveza.

Cuidarei da natureza.  Plantarei mais árvores. Cultivarei um jardim, mesmo que pequeno.

 Sentirei o perfume das flores.
 
Farei algumas comidas gostosas.
 
Viajarei para lugares novos.
 
Conhecerei pessoas novas.

Irei a teatros, a feiras de livros e exposições de arte; irei ao cinema, a livrarias, a bibliotecas.




Correrei. Participarei de uma maratona.

Escreverei muito, não só no blog.
 
Preparei cada aula com carinho, para meus alunos. Muito mais que isso: os estimularei a procurarem sempre a justiça e ajudarem a sociedade com o Direito.

E farei muito mais: porque o ano começou e a vida está aí para ser vivida. Então, vamos aproveitar. E como diria Gandhy: “somos uma revolução em nós mesmos”.

Façamos acontecer. Sejamos melhores que ontem. Façamos o bem pelo próximo.