A coletânea “Pluralidades
do Sentir: Artes Plásticas, Dança e Teatro no Direito Brasileiro” compõe-se
de 27 ensaios escritos por 38 autores que analisam pela lente jurídica diversas
manifestações de artistas brasileiros, desde as artes plásticas, passando pela
dança e pelo teatro.
É uma obra rica de
significados, escrita por muitas mãos e corações. Nossos autores são pessoas
imbuídas de levar emoção e afeto para o Direito. Trazem a perspectiva teórica
de eleger na cultura brasileira o diálogo para leituras novidadeiras.
O movimento que se
pretende é mostrar que a perspectiva da leitura do direito pelas artes
fortalece novos lugares de pensar e sentir, além de mostrar a importância das
construções artístico-culturais produzidas por nosso povo. Na década de 70,
portanto há 50 anos, o escritor paraibano Ariano Suassuna idealizou o Movimento
Armorial que, em linhas gerais, tinha a pretensão de valorizar a arte
genuinamente brasileira.
Vemos muitas propostas
que relacionam o Direito à Arte. Porém, não poucas são as junções que enfocam
as artes e os cânones estrangeiros. Mais uma vez caímos no colonialismo e na
exacerbação da valorização do que vem de fora, do que é produzido em outros
países. Se existe um elemento essencial para conhecer seu povo, sem dúvida alguma,
a arte figura no topo dessa leitura de códigos de conviviabilidade e
sociabilidade.
Perquirir à arte brasileira que direitos estão
ali de forma real, ausente, imaginada, como possibilidade futurística, é um
exercício hermenêutico potente que, dentre outras coisas, permite verificar que
o direito é, antes de mais nada, uma expressão cultural de seu povo. Valorizar
nossas produções artísticas, conceber que podem nos fazer refletir, ensinar e
aprender, pode contribuir para uma sociedade mais igualitária.
As cidades brasileiras
com bibliotecas, livrarias, teatros, encontros literários, rodas de leitura,
incentivo à produção cultural nos mais diversos segmentos artísticos, saraus,
festivais de dança, mostra de arte são poucas e estão concentradas nas capitais.
Nos interiores de nosso país, a arte e os direitos sociais chegam com muita
dificuldade. Há muitas cidades que sequer possuem uma delegacia das mulheres,
nem possibilidade das violentadas pelo patriarcado se expressarem
artisticamente. É preciso ter esse olhar atento e lutar por uma sociedade
inclusiva. É essa a função das leis e da aplicação do direito nos casos
concretos. Uma sociedade que se preza, valoriza arte e artistas; valoriza toda
a multiplicidade cultural e todos aqueles excluídos por questões que envolvem
gênero, raça e classe social.
O Direito encontra na
Arte um ancoradouro, uma rodovia, uma ponte, um caminhar. Desse encontro,
nascem castelos, periferias, muros, palcos, existências, expressividades e
coletividades.
Trazer a Arte para o Direito
é mais do que um exercício de sensibilidade. É uma prática de coerência com o
que se faz e se escreve, com o que se fala e se vive. Não adianta pregar uma
coisa e fazer outra. Falar que defende minorias e apoia governantes
massacrantes, políticos corruptos, candidatos machistas, misóginos, racistas e
preconceituosos. A incoerência permite que governantes autoritários, com
verdadeiro espírito de subordinar o coletivo através de múltiplas violências
sociais e simbólicas, cheguem ao poder e sufoquem as artes dos menos
favorecidos e até dos artistas consagrados, perseguidos quando não os apoiam.
Viver da arte e para a arte nunca foi fácil.
Essa valorização começa desde a educação para essas experiências. Poucas são as
escolas brasileiras que se preocupam com o desenvolvimento artístico de seu
alunado.
Nossos artistas mirins
precisam de incentivo, de possibilidade do encontro com a arte. Se não tiverem
essa oportunidade na infância, mais difícil será encontra-la na idade adulta.
São muitas matérias que veiculam que nossos jovens cada vez leem menos e mal.
Somos bombardeados por uma sociedade que destila ódio em matérias e postagens
mentirosas. As formas de expressão artística são lugares combativos de opressão
e de marginalidade, permitem o desenvolvimento da criticidade e da
criatividade.
Na arte encontramos o mundo e ele nos sorri
com estupefação. É na arte que podemos fazer leituras dramáticas das denúncias
das violências sofridas pelas mulheres, é na poesia que vivenciaremos todo
sentimento do mundo, na música que escutaremos as dores e ouviremos os
silêncios das vozes silenciadas, é no imaginário das telas que a plasticidade
do mundo se apresenta em cores, é na dança que sentiremos nossas expressões
corporais em ebulição, é no palco que veremos personagens que falarão conosco
de uma forma tão pessoal que saberemos quem realmente somos, o que faríamos em
determinadas situações, nossas intolerâncias para agressões, identificações com
nossas idiossincrasias e pulsações no âmago de quem somos. Se assim não o for,
a arte é somente um lugar de prestígio para quem pode comprá-la e adquiri-la,
para quem pode ir ao Louvre, para quem só enxerga os artistas e museus europeus
e norte-americanos. Conhecimento sobre eles é relevante. Visitar, para quem tem
condições financeiras de sair do país, faz parte do roteiro cultural, mas se
importar que numa cidadezinha do sertão de qualquer Estado do Nordeste não tem
um cinema na cidade, não tem um teatro, não tem apoio aos artistas locais, é
exercício de cidadania, de liberdade, igualdade e fraternidade. São princípios
basilares duramente conquistados em revoluções europeias e longe de existirem
por aqui, nesse espaço geográfico que chamamos Brasil. A arte enquanto bem de
consumo de difícil acesso é excludente e esse discurso aparece com força no
Brasil atual, onde o governo federal quer que fique mais caro, com taxação dos
livros, por exemplo.
É, por tudo isso, que
precisamos reconhecer a importância social da arte enquanto modo de conquista
de direitos.
A arte é encontro de si
e motivo para continuar.
Que essa coletânea que
fala das artes brasileiras seja lida, que alcance e que possa provocar olhares
inclusivos. Que possa inspirar pesquisadores a olhar o Direito brasileiro numa
perspectiva cultural, que possa valorizar as artes esquecidas de grupos fora
dos eixos controladores da produção artística e que elegem os melhores que
devem ser ouvidos, vistos e apreciados. Que essa obra seja propulsora de
energias novas que ofusquem as formas de opressão contra mulheres, negros, indígenas,
sertanejos, nordestinos, nortistas, ciganos, semitas, amarelos, LGBTQI+,
pessoas com deficiências e todas a diversidade secularmente excluída. Que esses
grupos sejam lidos, incentivados a falar, que se leia, ouça, veja quem nunca
foi visto, lido, ouvido. É dessa substituição da ausência pelo pertencimento
que precisamos lutar.
Que sejamos plurais e
com perspectiva transdisciplinar de fazer assimilações com as ciências num
exercício que coloca na obra aberta quem somos, num exercício de alteridade e fraternidade.
Que “Pluralidades do
Sentir: Artes Plásticas, Dança e Teatro no Direito Brasileiro” exale
novos ares.
De renovação!
ISBN: 9798597959986