http://emporio-do-direito.jusbrasil.com.br/noticias/205631304/quando-frida-sorriu-por-ezilda-melo
Escrevi esse texto no dia do aniversário de Frida para homenageá-la. Foi publicado no Jus Brasil e no Empório do Direito. Espero que goste:
Um ícone pop que nunca imaginou que estaria sendo consumida
grossamente nos caldos quentes do capitalismo, assim foi Frida Kahlo. O
fato é que poucas mulheres são tão prestigiadas no mundo e poucas
imagens são tão usadas em roupas, utensílios como as da pintora mais
famosa do mundo, nascida em seis de julho de 1907 em Coyoacán, no
México. Esse pequeno rascunho é para homenagear a aniversariante do dia.
Sofreu,
mas não se calou. Mostrou suas dores em suas pinturas, em seu diário;
registrou seu sofrimento em suas telas e escancarou para quem quisesse
ver. Mostrou que o sofrimento não pode calar uma mulher em sua
trincheira. O seu grito ressoa e oferece voz a muitas outras que buscam
em sua biografia motivos suficientes para não desistir. Um corpo
franzino, a poliomielite em criança que deixou seu pé atrofiado, o
acidente que quase a matou e que a deixou sem andar por um ano, as
inúmeras cirurgias em sua coluna, as fraturas, a perfuração de sua
pélvis por uma barra de ferro, os três abortos espontâneos, a amputação
de sua perna… Todas essas dores físicas não foram suficientes para calar
um coração que transbordava de vida. Ela se pintou, recriou-se em suas
múltiplas telas que falam de si e que falavam de todas nos, mulheres,
tantas vezes escravizadas e vitimas de um corpo dócil e domesticado,
corpos resignados a servir e que hoje perseguem uma estética de
perfeição industrializada.
Beauvoir declara que “é na arte que o homem se ultrapassa definitivamente“.
Foi exatamente no campo da arte que Frida fez um registro verdadeiro,
profundo e revelador de sua vida. Ela pintava o que sentia e sentia o
que pintava numa dança intrínseca de ser e permanecer, e assim, com
cores, transformou o sofrimento em poesia. Frida foi professora da
Escola de Pintura na Escola Nacional de Pintura e Escultura “A
Esmeralda” na cidade do México. Em 1938 fez uma exposição em Nova York e
em Paris, no ano de 1939, na Galerie Renou et Colle, quando conheceu, Picasso, Kandinsky e Duchamp, mas negou qualquer influência e aproximação com o surrealismo.
Não
teve a beleza arrebatadora das divas hollywodianas da década de 40 e 50
do século XX, tais como Lauren Bacall, Rita Hayworth, Marlene Dietrich,
Bettie Page, Ava Gardner, Marilyn Monroe, Audrey Hepburn. Nem tampouco
fez parte do metier artístico luxuoso dos pintores europeus e
norte-americanos do século passado, no entanto é a única mulher que
figura entre os nomes dos maiores pintores de todos os tempos, numa
lista masculina onde figuram nomes como os de George Grosz, Paul
Cézanne, Pablo Picasso, Rafael Sanzio, Salvador Dalí, Sandro Botticelli,
Vincent Van Gogh, Diego Velázquez, Caravaggio.
Latino-americana,
mulher, com um corpo e rosto fora dos “padrões” de moda e aparência,
ela soube tornar sua fragilidade em força e pintar seus estados
emocionais em auto-retratos, numa época que ninguém tinha ouvido falar
de selfie, e que foram espelhos vivos de sua alma. Comunista e defensora
do folclore mexicano que fazem, inclusive, parte da estética da
artista, Frida mostrou, por seu exemplo e luta, que todos são iguais
perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, que mulheres também
podem deixar seu traço artístico reconhecido. Defensora da liberdade
explicitou, quando da amputação de sua perna, em seu diário, “Pies, para que los quiero si tengo alas para volar”, e, neste sentido, mostrou que a arte pode combater preconceito. Ainda sobre o episódio, ela escreveu: “Amputaram-me
a perna há 6 meses, deram-me séculos de tortura e há momentos em que
quase perco a razão. Continuo a querer me matar. O Diego é que me impede
de o fazer, pois a minha vaidade faz-me pensar que sentiria a minha
falta. Ele disse-me isso e eu acreditei. Mas nunca sofri tanto em toda a
minha vida.Vou esperar mais um pouco…”.
Frida faleceu também no mês de julho, no dia 13, de 1954, aos 47 anos. No diário da artista, ela deixou essa última frase “Espero alegre a minha partida – e espero não retornar nunca mais”, motivo pelo qual se levanta a hipótese de suicídio ou uma bandeira para a eutanásia, ou uma morte digna.
Deixo-a
falar por si no dia do seu aniversário, para que ela seja sempre
lembrada, para que ela seja compreendida, para que muitas pintoras e
artistas anônimas latino-americanas, portadoras de deficiências
temporárias ou permanentes, tenham voz e não se deixem calar: “Não
me permitiram preencher os desejos que a maioria das pessoas considera
normal, e nada me pareceu mais natural do que pintar o que não foi
preenchido (…) Minhas pinturas são (…) a mais franca expressão de mim
mesma, sem levar em consideração julgamentos ou preconceitos de quem
quer que seja (…) Muitas vidas não seriam suficientes para pintar da
forma como eu desejaria e tudo que eu gostaria”.
Feliz Aniversário, Friducha.