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quinta-feira

Legisladores e intérpretes: quebra de paradigma na interpretação jurídica brasileira? – Um diálogo com Bauman, Nietzsche e Umberto Eco a partir do exemplo da união estável

Legisladores e intérpretes: quebra de paradigma na interpretação jurídica brasileira? – Um diálogo com Bauman, Nietzsche e Umberto Eco a partir do exemplo da união estável – De Andreu Sacramento Luz e Ezilda Melo


Por Andreu Sacramento Luz e Ezilda Melo – 10/03/2016
“A tendência a empregar o teatro como uma instituição para a formação moral do povo, que no tempo de Schiller foi tomada a sério, já é contada entre as incríveis antiguidades de uma cultura superada. Enquanto a crítica chegava ao domínio no teatro e no concerto, o jornalista na escola, a imprensa na sociedade, a arte degenerava a ponto de se tornar um objeto de entretenimento da mais baixa espécie, e a crítica estética era utilizada como meio de aglutinação de uma sociabilidade vaidosa, dissipadora, egoísta e, ademais, miseravelmente despida de originalidade.”
(Friedrich Nietzsche: O nascimento da tragédia, op. cit., pp. 135-136)
A Era Moderna definiu-se como reino da razão e da racionalidade. A referida afirmação encontra seu fundamento no processo de luta travado entre a razão e as convicções advindas de um período influenciado pela moralidade cristã e arraigado numa cultura de pensamentos dogmatizados. O Iluminismo ou “Século das Luzes”, como fora conhecido, trouxe como objetivo a busca e a ascensão da razão, asseverando a superioridade da mesma frente às convicções religiosas, superstições, dentre outros paradigmas do período medieval. Para Bauman “essa foi a primeira e a mais básica das conceituações a fornecer para a modernidade sua autodefinição” (BAUMAN.2010.p.157).
Foi considerada também a mais favorável época para aqueles que elaboravam os conceitos, posicionando-se assim em um patamar superior, de onde nasciam as correntes positivistas e dogmáticas da “verdade”, e apontavam os caminhos a se percorrer em busca da mudança.
Interessante mostrou-se a repercussão acadêmica, política ou jurídica, enfim, institucionalizada da verdade. Nessas transversais do mundo, as flexibilizações das instituições fizeram-se repensar por inúmeras vezes as definições da verdade.
Em uma análise epistemológica do termo “verdade”, cujas origens remontam-se na construção da vernácula latina, encontrar-se-á na mitologia cristã a condenação do verídico. Destarte, os eventuais ciclos que foram elaborados no mundo, dentro de um contexto de verdades absolutas, ou, como prefere a ciência jurídica, verdade real dos fatos, mostra-se justificado na construção complexa da busca pela verdade.
Afinal, alerte-se a título de complementação, que a verdade está na busca dos seus interesses. Quando em As Dores do Mundo, Arthur Sochepenauer, elenca que a natureza primordial do homem encontra-se assentada nas relações egoístas que lhe permeia (em natural), consegue-se compreender com clareza e sem dificuldades que nos dias de hoje, bem como nos tempos mais remotos, a pura e real relativização da verdade.
Tem-se, portanto a criação das conceituações e a caracterização da modernidade. Cumpre salientar, que próximo ao final do século XIX a ascensão dos conceitos de Razão Absoluta, ainda apresentava-se com muita confusão dentro a elite intelectual. Em particular, havia uma busca da materialização da Razão Absoluta, que por sua vez instaurava-se com certa reserva e lentidão. A Razão era o veículo de dominação dos conceituadores e, agora frente a esta confusão tinha-se tal domínio como uma ferramenta distante.
Por sua vez, A Queda do Legislador, é provocada por um mecanismo que auto se destrói, o que é comum da modernidade. Frente ao processo alongado da afirmação absoluta, “a conceituação adquirira um matiz dramático” (BAUMAN. 2010 p. 159), causando o entusiasmo negativista dos intelectuais, instaurando-se uma crise e apresentando dificuldades aos intelectuais de prostrarem-se frente a uma conduta que anteriormente era tida como tradicional, o papel de conceituar.
Crise na conceituação, crise do intelectual que dita e afirma os conceitos e verdades. Dar-se assim vazão a chegada do intelectual como intérprete e não mais como legislador.
Dentro de uma concepção teológica, como a tida no período medieval, o dogmatismo da igreja buscava afirmar a verdade absoluta e inquestionável sobe determinado fato, como por exemplo, a unidade de Deus. Esse mesmo dogma declina no momento que se tem a possibilidade dos intelectuais pensarem e debaterem a respeito da possibilidade, neste caso em concreto, da existência de outros deuses e formar um panteão politeísta.
Frente a posicionamentos como estes, há afirmativas de que o Estado está perdendo o seu poder, logo é necessário afirmar e definir fundamentos imutáveis para que a situação não chegue a um patamar crítico e irreversível, de forma que Bauman, em “Legisladores e Intérpretes”, nos apresenta a seguinte afirmativa:
A questão é que o Estado não está necessariamente mais fraco por causa desta falência de autoridade; ele simplesmente achou modos melhores, mais eficientes de reproduzir e impor seu poder; a autoridade tornou-se redundante, e a categoria especializada em manter a reprodução da autoridade tornou-se supérflua (BAUMAN. 2010. p. 171)
Deste modo não condiz com as vias racionais de organização política, administrativa, legislativa e judiciária, afirmar que o Estado está passando por um procedimento de “falência de autoridade”, haja vista que o pleito corrente é a busca por alargado crescimento da hermenêutica jurídica, social e legislativa, não sendo, dessa forma e moldes, um corte a autoridade estatal.
O império da Lei, ou melhor, do Princípio da Legalidade, teve a sua queda com a ascensão do Estado Democrático de Direito. Nesse diapasão o material legislativo passou a ser relativizado, nos viabilizando, no auge da pós modernidade que beira a sociedade contemporânea, a declaração da falência legal (e não de autonomia), para a superação da interpretação do vasto campo material, que encontra-se positivado no ornamento jurídico pátrio.
Encerrando a dialética da expectativa de novas interpretações, seja na seara legislativa ou constitucional, Bauman (2010. P. 170) nos salienta da seguinte forma: “O mundo contemporâneo é impróprio para os intelectuais como legisladores”.
Desta afirmativa, consegue-se extrair o entendimento de que há uma abertura de caminhos para a ascensão de novas representações, que vem a ser a possibilidade de aplicação de novas técnicas.
Verifica-se que na construção do pensamento moderno, valorizava-se as pessoas que conceituavam, isto é, a elite dominadora preocupava-se exclusivamente em ditar o conceito do que era correto ou não. Com a falência da conceituação (por se ter uma implantação da Razão absoluta de forma retardada), abriu-se espaço para a crescente presença do intérprete, ou seja, o intelectual agora não é mais o que dita (legislador) e sim o que interpreta.
A hermenêutica toma um novo rumo e na Ciência do Direito abre-se uma nova possibilidade, o considerado “intelectual” que antes se dedicava exclusivamente em escrever ou advogar em sentido legis, é deposto do seu “cargo”, por ver crescer os métodos de interpretação utilizados na busca de uma atualização mais célere do que foi legislado. Nada mais que acompanhar, a passos paralelos, as exigências legais da sociedade que vive na era da subjetividade.
Por meio da interpretação que se dar sentido a criação. Eco em “Obra Aberta”, afirma o sentido que se deve denotar na apreciação da obra. A interpretação, pessoal, coletiva, está fundada nas influências da cultura, religião, família dentre outras instituições. Em outra obra intitulada de Limites da Interpretação, Eco nos salienta que os interesses continuam relacionados à abertura da interpretação embora o foco seja diferente:
Trinta anos atrás (…) eu me preocupava em definir uma espécie de oscilação ou de equilíbrio instável entre iniciativa do interprete e fidelidade à obra. No correr desses trinta anos, a balança pendeu excessivamente para o lado da iniciativa do intérprete. O problema agora não é fazê-la pender para o lado oposto e, sim, sublinhar uma vez mais a ineliminabilidade da oscilação. (ECO, 2004, p. XXII)
Logo, quando se fala em Hermenêutica Jurídica, deve-se perceber que o seu principal objetivo é entender o direito. Nessa perspectiva, tem-se como foco objetivo da Hermenêutica Jurídica o entendimento do Direito e como foco subjetivo o sujeito que interpreta o Direito. Por exemplo, ao se estudar as fontes[1] formais indiretas (ou mediatas) do direito, sejam elas a doutrina e a jurisprudência, entende-se como métodos distintos de interpretações de uma elite intelectual do Direito, neste caso estarão presentes o foco objetivo (estará interpretando o Direito) e subjetivo (quem o interpreta são estudiosos do Direito) da Hermenêutica Jurídica.
Destarte, uma parcela de intérpretes do Direito tem com objeto de interpretação recortes da realidade. Apresenta-se aqui a figura do magistrado, que como representante do Estado Juiz deve dar provimento jurisdicional por meio da sentença[2], no processo de conhecimento, para que haja resolvido uma lide (conflito de interesse).
A Sentença redigida pelo magistrado deve seguir os requisitos essenciais definidos pelo artigo 458 do Código de Processo Civil, quais sejam: O relatório; os fundamentos de fato e de direito (motivação); o dispositivo (conclusão). Dentro da exposição de fato e de direito, que o juiz irá interpretar o Direito e apresentar para as parte o seu entendimento frente ao litígio. O Estado-Juiz irá interpretar o direito objetivo, e aplicar as consequências que da analise ensejar frente ao direito material arguido no processo, que fora instaurado por meio do direito subjetivo público de ação.
Destarte, amparado por todas as contribuições elencadas nos parágrafos anteriores, bem como se acostando à metodologia do amor e nos pensamentos desenvolvidos por Nietzsche, é-se possível fazer-se uma análise da situação ocorrida no Judiciário brasileiro no ano de 2011, causando uma revolução no direito constitucional e civil pátrio, em que fez destacar-se a importância da Hermenêutica Jurídica e os métodos interpretativos do direito brasileiro para abonar prerrogativas constitucionais garantidas aos cidadãos.
Utilizando-se de uma prerrogativa a ele concedida, o Procurador Geral da República encaminhou para o Supremo Tribunal Federal a Ação Direta de Inconstitucionalidade[3] (ADI) nº4277 em conjunto com a ADPF nº132, buscando que fosse feito um julgamento, observando o recorte da realidade social atual, do artigo 1.723 do Código Civil e artigo 226 § 3º da Constituição Federal que tratam da composição da união estável.
Com a promulgação do Código de 2002 sedimentou-se o avanço por todos esperado, tanto da doutrina quanto da jurisprudência, que foi consideração codificada da União Estável. Esperando que o cenário jurídico brasileiro fosse ficar neutro e pacificado, começaram a surgir questionamentos da sociedade quanto à nomenclatura utilizada pelo Código Civil, que segue um entendimento constitucional (artigo 226), ao afirmar que é reconhecida a união estável entre homem e mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar a sua conversão em casamento.
Frente ao exposto questiona-se: Como se aplica a lei aos casos de união entre pessoas do mesmo sexo, uma vez que tanto a Constituição, quanto o Código Civil vem definindo que apenas homes e mulheres constituem-se sujeitos para a formação de família?
A esta resposta Cunha Jr. afirma que:
“A constituição não recusou reconhecimento à união estável formada entre pessoas do mesmo sexo, a chamada relação homoafetiva, que, a nosso sentir, tem amparo constitucional manifesto, em face, basicamente, do princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e da liberdade de opção sexual (art. 3º, IV).”
Por sua vez, os positivistas e legalistas, apresentam o entendimento de que:
A interpretação científica é pura determinação cognoscitiva do sentido das normas jurídicas. Diferentemente da interpretação feita pelos órgãos jurídicos, ela não é criação jurídica. A ideia de que é possível, através de uma interpretação simplesmente cognoscitiva, obter Direito novo, é o fundamento da chamada jurisprudência dos conceitos, que é repudiada pela Teoria Pura do Direito. A interpretação simplesmente cognoscitiva da ciência jurídica também é, portanto, incapaz de colmatar as pretensas lacunas do Direito, O preenchimento da chamada lacuna do Direito é uma função criadora de Direito que somente pode ser realizada por um órgão aplicador do mesmo e esta função não é realizada pela via da interpretação do Direito vigente. (KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p.250).
Como foi exposto em tela, a visão positivista de Kelsen não permite que haja uma legitimidade de interpretação do direito pelos órgãos do Judiciário. Ao seguir este conceito, devem-se fixar os olhares ao pensamento legislativo engessado no código, não possibilitando nenhuma interpretação que vise criar um “direito novo”, ou sanar uma lesão ao direito do outro (também cidadão).
Frente ao avanço da Hermenêutica Jurídica este pensamento perde total eficácia, pois a ideia da interpretação preenche a lacuna deixada pelo Legislativo, ficando mais fácil que o Judiciário adeque o Direito à realidade social, como foi empregada no julgamento do STF cuja pauta foi à união estável entre pessoas do mesmo sexo.
Além de adequar o Direito à realidade social, o STF ao julgar pelas vias interpretativas o assunto em tela, assegura a toda sociedade os direitos e garantias reservados pela Constituição, quais sejam a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), a liberdade, e a igualdade. Princípios constitucionais que eram violados, quando o Estado-Juiz tinha que aplicar o direito tipificado no código.
Tomando como referência os ensinamentos de Bauman, perceptível se torna a conclusão que aponta para o efeito não positivo do engessamento do Direito. Em busca da pacificação dos conflitos sociais e garantia de todos os direitos dos cidadãos brasileiros, o Direito volve os seus olhares para o recorte social e busca interpreta-los para melhor se aplicar.
Verificando que não havia harmonia entre a realidade social na constituição da união estável, o Supremo Tribunal Federal interpreta a norma tipificada, causando uma revolução no Direito pátrio, e afirma que como entidade familiar entende-se também os casais homoafetivos.
Legisladores não acatam a legitimidade dos intérpretes do Direito. Afirmam que o discurso deve ficar estático, surtindo efeitos específicos, até que haja um processo legislativo, por meio de votos que até a década passada não eram revelados para a sociedade, e que busque revogar o contesto anterior e trajar, com nova roupagem, o direito atual. Traje formal e indiscutível, refletindo uma posição privilegiada e elitista. Felizmente a Hermenêutica Jurídica prega a interpretação correta e coerente do Direito, tendo-se a queda do legislador que impõe e a ascensão do jurista interpreta. Parafraseando o título do livro de Umberto Eco, a “Obra é Aberta”; neste sentindo entende-se como obra a legislação e como correta a interpretação dada pelo STF em analisar que família é um conceito muito mais amplo do que a entidade formada por pai, mãe e filho.

Notas e Referências:
[1]Cumpre salientar que para Kelsen, a norma fundamental (a constituição) é a fonte primordial do direito, segundo a qual emana todo o ordenamento jurídico e o mesmo deve respeito.
[2] “É emitida como prestação do Estado, em virtude da obrigação assumida na relação jurídico-processual (processo), quando a parte ou as partes vierem a juízo, isto é, exercem a pretensão à tutela jurídica”. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1974, v.V, p395.
[3]Lecionando sobre Ação Direta de Inconstitucionalidade, Dirley da Cunha Jr. nos ensina que “cuida-se de uma de uma ação de controle concentrado-principal de constitucionalidade concebida para a defesa genérica de todas as normas constitucionais, sempre que violadas por alguma lei ou ato normativo do poder público. Por isso mesmo é também conhecida como ação genérica.” (JÚNIOR, Dirley da Cunha. 2012. p. 358).
BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e Interpretação Constitucional. 2. d. revista e ampliada. São Paulo: Celso Ribeiro Bastos Editor, 1999.
BAUMAN, Zygmunt. Legisladores e Interpretes: Sobre Modernidade, Pós Modernidade e Intelectuais. Tradução de Renato Aguiar 1ª. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2010.
BARROSO, LUIS ROBERTO. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 3. São Paulo: Saraiva,2001.
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992.
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2009.
BITTAR, Eduardo C. B. Curso de Ética Jurídica: Ética Geral e Profissional. 10ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
CANOTILHO, Jose Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003.
COELHO, Inocêncio Mártires. Interpretação Constitucional. Rio Grande do Sul: Sergio Antonio Fabris, 1997.
ECO, Umberto. Obra Aberta: forma e indeterminação nas poéticas contemporâneas. São Paulo: Perspectiva, 2012.
FOUCAULT, Michel. A ordem do Discurso. São Paulo: Edições Loyola, 2002.
KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. Trad. De Manuela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Mourão. Lisboa: Fundação CalousteGulbenkian, 1994
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução de João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 6a edição, 5ª tiragem, 2003.
NIETZSCHE, Friedrich. A genealogia da moral. Tradução de Antônio Carlos Braga. 3ª. ed. São Paulo: Editora Escala, 2009.
NIETZSCHE, Friedrich. Além do bem e do mal. Trad. PauloCésar de Souza. São Paulo. Companhia das Letras.1998.
SCHOPENHAUER, Arthur. Dores do Mundo. Rio de Janeiro: EDIPRO, 2013.
VIEHWEG, Theodor. Tópica e Jurisprudência. Tradução de Kelly Susane Alflen da Silva. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2008.

Direito Fundamental à Água? Quando o Brasil vivencia “Vidas Secas” e a água não brota das leis

Direito Fundamental à Água?  Quando o Brasil vivencia “Vidas Secas” e a água não brota das leis – De Ezilda Melo e Wendel Machado



Saiu no site da Empório do Direito:

Ezilda Melo e Wendel Machado – 04/03/2016
“Admirava as palavras compridas e difíceis da gente da cidade, tentava reproduzir algumas, em vão, mas sabia que elas eram inúteis e talvez perigosas”.
Graciliano Ramos
Não é novidade para qualquer cidadão atento, quanto mais para os militantes do Direito, que de um modo muito amplo a Constituição Federal de Brasil de 1988 traz imediatamente em seu artigo primeiro, como princípio fundamental do Estado: “a dignidade da pessoa humana”. Deste mandamento decorre toda uma ramificação de direitos e garantias que perpassam o texto constitucional e irradiam para moldar um complexo jurídico capaz de possibilitar o cumprimento do conteúdo axiológico aí expresso.  Assim, encontram estabelecidas as diversas gerações (ou dimensões) de Direitos Fundamentais que são caracterizados, nos dizeres de Karl Loewenstein, como “[…] princípios superiores à ordem jurídica positiva…”. Nesta perspectiva, os direitos fundamentais são plenamente afetos à própria existência humana, guardando estrita relação de essência com Direitos Humanos que, como afirma Dirley Cunha Jr., pretendem conferir “a todos, universalmente, o poder de existência digna, livre e igual”.
No contexto das Ciências Naturais a proposição de água como bem indispensável à manutenção da vida humana é indiscutível. É inteiramente perceptível, até mesmo pelo senso comum, que sua escassez inviabiliza a existência de vida saudável. Por uma aplicação de silogismo simples, pode-se concluir facilmente que essa relevância implica em essencialidade à condição humana e que, certamente, é um bem que se encontra nesta categoria de direitos essenciais firmados na dignidade do homem.
“(…) Tinham deixado os caminhos cheios de espinho e seixos, fazia horas que pisavam a margem do rio, a lama seca e rachada que escaldava os pés”.
Ainda que se possa chegar a tal conclusão com tamanha celeridade, beirando a obviedade, o reconhecimento dessa premissa é envolta em incertezas e controvérsias que se perpetuaram por muitos anos sem chegar a um consenso pacífico, pois, seja no campo internacional ou interno, não há a clara e inequívoca definição da água como direito essencial. Mesmo não havendo menção expressa, aplicando o conceito de Loewenstein, este direito fundamental existe e goza de tanta força vinculativa quanto qualquer outro da mesma categoria. Entretanto, o que aqui se debate não é a letra da Constituição, mas a defesa desse direito frente às ações e políticas públicas.
Hodiernamente, o tema voltou a ganhar relevância pela crise hídrica que incide sobre as várias regiões do Brasil que convive com a estiagem duradoura, a mesma velha conhecida do semiárido nordestino desde tempos longínquos. Já nos idos do Império se debatia a questão de distribuição de águas do Rio São Francisco, sem que isso também fosse muito além dos debates e de obras não conclusas. A grande diferença, desta vez, é que há estiagem onde antes havia abundância: de água e, principalmente, de poder econômico. O problema então se generaliza: todo o país vivencia “Vidas Secas”.
Não por coincidência, “Vidas Secas” é a opus magna de Graciliano Ramos, publicada originalmente em 1938. O romance que é centrado na experiência da seca pela família de Fabiano, segue o itinerário da desconstrução dos carácteres de humanidade das personagens frente a um sertão com aridez de solo e de vida. A falta de água é a própria ausência de vitalidade, de seres que se arrastam pelas planícies, em que as crianças são destituídas do primeiro elemento identitário: o nome. Como se houvesse uma forma de coisificação semovente as crianças não são nomeadas. A vida desta família então se desprende do senso de humanidade e muito mais do valor da dignidade. Os caminhos percorridos são “terra sem lei”, onde a única manifestação estatal é a autoridade policial arbitrária. São seres. Existem apenas para suas vidas. Estão absortos de um arcabouço social que lhes permita amparo. Há Direito, mas não há direitos. Mesmo o mínimo existencial é subvertido. São homens porque há Direito, mas sua fala é reproduzida através de grunhidos, pois não há direito a voz. Apenas existem. A água do sertão existe, mas também há a cerca, a propriedade, o limite do poder estabelecido. Há poder e controle porque há Direito. Direito sempre há, mas não há defesa do Direito, nem dos direitos. Ainda aí afora encontramos Fabianos, Sinhas Vitórias, Baleias, e, principalmente meninos sem nome, em todos os lugares e partes. A realidade narrada no livro nunca atribuiu topônimo: é universal, pode ser qualquer lugar, qualquer instante. Não é como um código legislativo que perece; é a-temporal como as obras-primas são. A arte é eterna, já o direito legislado é momentâneo, datado, tem prazo de validade. 
“(…) Eles estavam perguntadores, insuportáveis. Fabiano dava-se bem com a ignorância. Tinha o direito de saber? Tinha? Não tinha…”
A intertextualidade nos permite observar que mesmo que a gênese de tal colapso tenha explicações geográficas e climáticas, a aridez escancara a infertilidade jurídica para a defesa de virtudes primárias, enquanto se embriaga na mera proliferação de textos legais. A falta do Direito para além da letra da lei não garante acesso à água por parte da população. Não basta que haja o elemento natural em si; há um caráter adjetivo a ser lembrado: água digna, ou seja, de boa qualidade, potável, própria para o consumo humano em sentido plural. Aqui se vê que, mesmo com previsão de instrumentos para defesa dos direitos difusos e coletivos, há de se questionar a efetividade de sua proteção e que aqueles que deveriam oferecer proteção, são apenas perpetuadores da situação estabelecida.
Não se pode furtar, também, à percepção de que, como um bem sujeito a escassez, há um valor econômico intrínseco e, por isso, está submeto aos ditames da propriedade e do mercado. Assumir tal acepção aduz à necessidade de formular uma gestão racional que vise à eficiência, especialmente no que diz respeito à atuação da Administração Pública em relação à gestão das águas sob sua competência, afinal eficiência é um dos princípios insculpidos no art. 37 da Carta Magna. Não é ilógico pensar, então, que há o estrito compromisso do gestor com os recursos hídricos, do mesmo modo como outros bens por si geridos, não apenas porque também constitui bem público, mas porque é essencial à vida. Poderia, sem risco de equívoco, mesmo dizer que há uma função social da água.
A função social da água é o entendimento de que esta não pode ser aplicada sem que se tenha em consciência que é um bem de interesse público e, seu uso indiscriminado e sem parâmetros, constitui violação à própria sociedade como organismo global. Sua função social é revestida da universalização do seu acesso, mas ainda negação à gestão irresponsável para que não seja admitido que ‘cerca’ – a manifestação do poder dos detentores dos recursos – não provoque a seca.
“(…) Um dia… Sim, quando as secas desaparecessem e tudo andasse direito… Seria que as secas iriam desaparecer e tudo andaria certo? Não sabia…”
Provimento jurídico algum parece ser capaz de gerar a distribuição hídrica em equilíbrio, isso porque o dever ser está aquém das necessidades da materialidade ontológica; a deontologia não se basta em si. Contudo, o dever ser é capaz de mudar a realidade do ser, isso porque as condutas condicionadas pelas normas são executadas na realidade sensível. Assim, a questão da seca, é também questão jurídica, porque as normas jurídicas deveriam ser capazes de promover e vincular a adoção de posturas determinantes para a promoção da dignidade da pessoa humana. Em primeiro momento, há a vinculação da atuação Estatal, já que os Direitos Fundamentais não são meramente programáticos, são, sobretudo, obrigatórios em ações e política públicas que os tragam ao campo da vivência material de maneira efetiva. Depois, porque também é interesse público, ou seja, é a própria sociedade que consagra a dignidade humana e a ela mesma cabe sua promoção, e nisso inclui a defesa da água como parte do meio ambiente, mas também como um direito social, assim como a saúde, o trabalho.
Debater crise hídrica sob essa perspectiva é perceber que se deve regar o próprio Direito para que enxergar além das fronteiras das leis; apreender que os Direitos Fundamentais permanecem porque guardam estrita relação com a existência humana e que são basilares porque reconhecemos como o mínimo para a manutenção daquilo que é humano em nós. Debater a água no direito é ter a noção de que “Vidas Secas” é logo aqui e também, ainda que não somente, problema jurídico, pois se envolve poder e controle, é jurídico também.
A falta de água no Nordeste[1] e em outras regiões insere-se perfeitamente numa questão político-jurídica. Politicamente, o discurso do combate à seca ainda elege muitos dos representantes populares e, juridicamente, a Constituição Federal além de garantir esse direito fundamental, deveria ter criado meio assecuratório de concretização. O Brasil tem grandes mananciais aquíferos. As pessoas têm o direito de permanecer nas regiões que se identificam cultural e socialmente. Portanto, a grande batalha que se deve travar é fazer com o direito à água seja de todos. Efetivamente, de todos. Juridicamente, portanto, a Constituição Federal garante o direito à água como um direito fundamental, que deve ser efetivado[2]. Mas, na prática o estio permanece secando corações e entristecendo o país.
Uma poesia para o tema que pode ser trabalhada em sala de aula:
Ser tão vida seca[3] 
Suor, calor,
Cansaço, fome,
Terra árida onde cresce o atraso e o desamor. 
Terra Seca,
Seca Terra,
Vidas Secas,
Secas Vidas.
Vidas secas, como a terra seca
Que seca as vidas. 
No pingo do meio-dia,
Com o sol escaldante,
A quentura nos consume,
Dentro de um forno ardente e quente,
Capaz de secar nossa última semente. 
Terra Seca,
Seca Terra,
Vidas Secas,
Secas Vidas.
Secas de uma vida
Que secou pelas secas da vida. 
Terra seca que dá risada,
Alegra-se nos pingos que caem da chuva.
E o agricultor fica feliz vendo sua terra molhada,
Sabendo que não vai morrer sua vaca malhada. 
Terra Seca,
Seca Terra,
Vidas Secas,
Secas Vidas.
Terra Seca que floresce
no orvalho da madrugada.
Outro artigo relacionado com a temática:

Notas e Referências:
[1] ALBUQUERQUE JR., Durval Muniz. A invenção do Nordeste e outras artes; prefácio de Margareth Rago. 5ª edição – São Paulo: Cortez, p.343: “O Nordeste, assim como o Brasil, não são recortes naturais, políticos ou econômicos apenas, mas, principalmente, construções imagético-discursivas, constelações de sentido. (…) O Nordeste, na verdade, está em toda parte desta região, do país, e em lugar nenhum, porque ele é uma cristalização de estereótipos que são subjetivados como característicos do ser nordestino e do Nordeste. Estereótipos que são operativos, positivos, que instituem uma verdade que se impõem de tal forma, que oblitera a multiplicidade das imagens e das falas regionais, em nome de um feixe limitado de imagens e falas-clichês, que são repetidas ad nausem, seja pelos meios de comunicação, pelas artes, seja pelos próprios habitantes de outras áreas do país e da própria região”.
[2] SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos Fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 11. Ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2012.
[3] Poesia de Ezilda Melo.

terça-feira

Hermenêutica Jurídica e utilização do método sistemático no Direito Tributário – Por Ângelo Boreggio Neto e Ezilda Melo

Artigo lançado no Curso Avançado de Direito Tributário Municipal por Ezilda Melo e Ângelo Boreggio


http://emporiododireito.com.br/hermeneutica-juridica-e-utilizacao-do-metodo-sistematico-no-direito-tributario-por-angelo-boreggio-neto-e-ezilda-melo/

Por Ângelo Boreggio Neto e Ezilda Melo – 16/02/2016
Introdução
“Nas obras, nas palavras: – o homem não se revela por todo inteiro, põe sempre alguma afetação, alguma convenção, alguma reserva, muita reticência: pelos seus trabalhos, os homens nunca se revelam inteiramente.”
Eça de Queirós
Parte-se da Hermenêutica Jurídica e seus métodos de interpretação, para, em seguida, verificar-se a importância da interpretação no Direito Tributário; noutro desdobramento, faz-se análise sobre a necessidade da Reforma Tributária, para, na sequência, demonstrar-se a importância dos princípios constitucionais e dos direitos fundamentais para a Hermenêutica Tributária; por fim, desagua-se, à luz de ensinamentos constitucionais-tributários, no método sistemático de interpretação.
Em meio a todas essas questões, faz-se uso de jurisprudências, tanto do Supremo Tribunal Federal, quanto do Superior Tribunal de Justiça, apontando a tendência hermenêutica destes Tribunais, bem como analisando os valores que norteiam as Cortes superiores do país no que se refere à interpretação da norma tributária.
1. Hermenêutica Jurídica
Na Antiguidade Clássica, recorria-se a Hermes, o mensageiro dos Deuses, pela busca da verdade escondida. Hermes foi retratado por Homero e por Hesiodo por suas habilidades e considerado benfeitor dos mortais, portador da boa sorte e também das fraudes. Autores clássicos também adornaram o mito com novos acontecimentos. Ésquilo mostrou Hermes a ajudar Orestes a matar Clitemnestra sob uma identidade falsa e outros estratagemas, e disse também que ele era o deus das buscas, e daqueles que procuram coisas perdidas ou roubadas. Seu atributo característico era a ambiguidade, pois ao mesmo tempo que era mensageiro dos deuses, era também fiel mensageiro do mundo das trevas. A palavra “hermenêutica” encontre consentâneos nas palavras “hermeneuein” (interpretar), “hermeneia” (interpretação), “hermeios” (sacerdote do oráculo de Delfos) e “Hermes” (o mensageiro dos deuses, na mitologia antiga ocidental).
O jurista trabalha com a análise do discurso e busca verdades. FOUCAULT (1996, p.10)  nos diz que “o discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo pelo que se luta, o poder de que queremos nos apoderar”. Mesclando essa análise com a ideia de ECO sobre a obra aberta, quando diz que a obra de arte é uma mensagem fundamentalmente ambígua, uma pluralidade de significados que convivem num só significante (2012, p.22), pode-se dizer que a interpretação do mundo é uma atividade de compreensão em todas as áreas do saber, inclusive no Direito.
Neste sentido, o jurista deve considerar o ordenamento jurídico dinamicamente, pois a interpretação é que mantém a vida da lei e das outras fontes do Direito. O intérprete é o renovador inteligente e cauto, o sociólogo do Direito. O seu trabalho rejuvenesce e fecunda a fórmula prematuramente decrépita, e atua como elemento integrador e complementar da própria lei escrita. MAXIMILIANO (1999, p.30) preceitua que a atividade do exegeta é uma só, na essência, embora desdobrada em uma infinidade de formas diferentes.
Da impossibilidade de se desvincular a interpretação do caso concreto, percebe-se claramente que em toda a interpretação existe criação de Direito. Portanto, a interpretação é uma escolha entre múltiplas opções; é o ponto de vista prevalecente ou que decide a questão debatida.
BASTOS (1999, p. 112) entende que a aplicação do Direito como uma atividade puramente mecânica de subsunção do fato à norma jurídica correspondente, implica em admitir que os juízes não passem de meros fantoches manipulados por um ente supostamente dotado de vontade própria: a lei. Essa formulação doutrinária, conhecida como teoria da subsunção, ou enquadramento perfeito da norma ao fato, está baseada na necessidade existente da segurança jurídica, que é o prévio conhecimento das regras que irão dispor as diversas relações que surgem na sociedade. Mesmo que a lei seja incerta, injusta, errônea, para a teoria da subsunção, essa lei deverá ser aplicada, pois assim evita-se que os juízes possam cometer erros, além dos já presentes nas leis humanas.
A interpretação de uma lei pode se realizar de vários modos.  Pode-se interpretar a lei, de acordo com MAXIMILIANO (1999, p.35 e ss.), tomando vários critérios concomitantemente ou em separado, por exemplo, quanto à fonte (a interpretação pode ser autêntica, jurisprudencial e doutrinária), quanto aos meios adequados para sua exegese (gramatical, lógica, histórica, teleológica e sistemática)  e quanto aos resultados da exegese (declarativa, extensiva ou restritiva).
Não se pode ser nem ser subjetivista, nem objetivista demais. Nesta perspectiva FERRAZ JÚNIOR (2007, p. 295), esclarece que o objetivismo levado ao extremo é o que decide os tribunais. Desloca a responsabilidade do legislador, na elaboração do direito, para os intérpretes. O subjetivismo levado ao extremo favorece ao autoritarismo ao privilegiar a figura do legislador, pondo sua vontade em relevo. Dessas colocações, surge um questionamento: como interpretar a norma?
De acordo com ALEXY (2008, p.59-64), o conceito de norma não pode ser definido de forma a pressupor a validade e a existência da norma. Da mesma forma que é possível expressar um pensamento sem tomá-lo como verdadeiro, tem que ser também possível expressar uma norma sem classificá-la como válida. Enunciados que têm por objetivo informar quais normas são válidas devem ser chamados de enunciados sobre validade normativa.
Para ALEXY (2008, p. 65) normas de direitos fundamentais são aquelas normas que são expressas por disposições de direitos fundamentais; e disposições de direitos fundamentais são os enunciados presentes no texto da Constituição alemã, e somente esses enunciados.
É também ALEXY (2208, p.85) que trata sobre os critérios tradicionais para a distinção entre regras e princípios, quando expressa que, com frequência, não são regra e princípio, mas norma e princípio ou norma e máxima, que são contrapostos.
2. Interpretação no Direito Tributário
Vislumbra-se que o legislador do Código Tributário Nacional preocupou-se com a forma de interpretação de matéria tributária, visto as peculiaridades da disciplina, e logrou êxito em trazer ao mundo jurídico as próprias normas de hermenêutica do Direito Tributário. Os artigos 107 a 112, assim como o artigo 118, são as normas gerais de Direito Tributário que o legislador tratou do tema da interpretação tributária.
Em que pese a determinação legal, não se atém ao hermeneuta tributário apenas a letra fria da lei, pelo contrário é necessário que sinta o caso fático e observe a pertinência de cada método de interpretação, conforme a aplicação de casos semelhantes e valores envolvidos, para a construção de uma solução (PAULSEN, 2008, p. 124).
Evidente que por se tratar de matéria que regula as relações contribuinte e Estado, as peculiaridades da disciplina se fazem gritar, já que o tratamento não será igual para as relações entre dois particulares ou ainda entre dois entes públicos, denotando, portanto vulnerabilidade do contribuinte. É claro que não significa ser interpretado diversamente dos outros ramos do direito, todavia a interpretação será pautada pelas especialidades da matéria tributária.
No ramo do direito tributário, há que atentar o hermeneuta para não confundir princípio com conceitos jurídicos e não jurídicos, como por exemplo, econômicos e financeiros, posto que são imprestáveis no plano jurídico (BECKER, 2007, p. 337).
Com isso, o arcabouço principiológico tributário deve ser respeitado e levado sempre em consideração no ato hermenêutico, observando então os princípios da legalidade, anterioridade, capacidade contributiva, isonomia, uniformidade geográfica, irretroatividade de lei tributária, vedação do confisco e liberdade de tráfego.
O objetivo do direito tributário é a regulamentação de tributos, que tem por finalidade essencial a manutenção dos cofres públicos, no sentido de dar condições financeiras ao Estado de praticar a gestão pública, com ênfase em atender as necessidades sociais. Contudo, necessário observar e equalizar o direito do contribuinte em sua propriedade privada e a observância dos princípios supramencionados.
Nesse sentido, ATALIBA (2002, p. 127) expressa de modo preciso que as diversas situações pré-jurídicas trazem, apesar de não justificar, situações das mais diversas, que produzem decisões disparatadas de nossos Tribunais.
Portanto, o que se busca na interpretação tributária é a justeza da decisão, a humanização da norma, a aproximação da letra fria da Constituição ao calor da sociedade. Isso porque, em determinados casos, ocorrem divergências de pensamentos direcionando para soluções diversas.
Isso porque, o valor do direito é a justiça, cuja essência vai muito além da mera matemática ou simples ações humanas, e sim como a junção efetiva destes atos, proporcionando assim o bem comum (REALE, 2000, p. 272).
HABERLE (2002, p. 12-13), neste sentido, esclarece que é necessário colocar a questão sobre os participantes do processo da interpretação de uma sociedade fechada dos interpretes da Constituição para uma interpretação constitucional pela e para uma sociedade aberta e propõe a seguinte tese: no processo de interpretação constitucional estão potencialmente vinculados todos os órgãos estatais, todas as potências públicas, todos os cidadãos e grupos, não sendo possível estabelecer-se um elemento cerrato ou fixado com numerus clausus de intérpretes da Constituição.
Interpretação constitucional tem sido, até agora, conscientemente, coisa de uma sociedade fechada. Dela tomam parte apenas os interpretes jurídicos vinculados às corporações e aqueles participantes formais do processo constitucional. A interpretação constitucional é, em realidade, mais um elemento da sociedade aberta e um elemento formador ou constituinte desta sociedade. Os critérios de interpretação constitucional hão de ser tanto mais abertos quanto mais pluralistas for a sociedade.
Ainda, não se pode desprezar no ato hermeneuta a tradição do intérprete, seu conceitos e preconceitos, seus valores influenciaram indubitavelmente na compreensão, assim como não se pode fechar os olhos a dimensão histórica do processo, sendo assim utópica a atividade axiologia neutra. (PIMENTA, 2005, p. 184 e 185).
Uma boa proposta de solução a tal impasse hermeneuta é a participação social de modo mais constante nas decisões polêmicas, como o convite mais constante ao amicus curiae, representando a vontade de parte da população e seus argumentos, de modo que possa ser analisado e levado em consideração pelo interprete.
HABERLE (2002, p. 14), indica-se como interpretação apenas a atividade que, de forma consciente e intencional, dirige-se à compreensão e à explicitação de sentido de uma norma (de um texto). Para uma pesquisa ou investigação realista do desenvolvimento da interpretação constitucional, pode ser exigível um conceito mais amplo de hermenêutica: cidadãos e grupos, órgãos estatais, o sistema público e a opinião pública representam forças produtivas de interpretação; eles são intérpretes constitucionais em sentido lato, atuando nitidamente, pelo menos, como pré-intérpretes. Todo aquele que vive no contexto regulado por uma norma e que vive com este contexto é, indireta, ou até mesmo diretamente, um intérprete dessa norma. Experts e ‘pessoas interessadas’ da sociedade pluralista também se convertem em intérpretes do direito estatal.
3. Reforma Tributária e Hermenêutica
É notório que o arcabouço jurisprudencial da Suprema Corte Brasileira, após a nova ordem jurídica humanística apresentada pela Constituição de 1988, bem como pela sucessiva alteração no corpo humano do órgão, denota a evidente alteração nos padrões sociais, bem como a aproximação do direito ao calor popular.
De acordo com VELJNOVSKI (1994, p. 40), os seres humanos respeitarão a lei apenas se for de seu interesse fazê-lo, e, de qualquer forma, eles tentarão minimizar as desvantagens que a norma legal lhes impõe.
Neste contexto, é imperioso asseverar que o Direito Tributário carece de profundas reformas desde há muito, e o que existe são apenas projetos infindáveis que nunca conseguiram ser aprovados, talvez até por falta de vontade política, ou por não existir consenso, ou ainda pela ausência de oportunidade e conveniência.
SILVA (2010, p. 21-23), defende a ideia de que os direitos fundamentais têm um conteúdo essencial é algo que vem sendo sustentado pela doutrina e pela jurisprudência brasileiras com frequência cada vez maior. Que direitos, em geral, contenham um conteúdo mínimo pode ser algo intuitivo, que decorre da própria noção de que, sem a garantia desse mínimo, a garantia do próprio direito seria de pouca valia.
Independente da razão fundante, o fato é que a ausência de reforma na estrutura da lei tributária resta à hermenêutica dos julgadores superiores aplicar a principiologia constitucional, de modo a melhor proteger o contribuinte.
É ainda SILVA (2010, p.25) que fala que a preocupação dos legisladores constituintes com um conteúdo essencial dos direitos fundamentais é normal sobretudo – mas não exclusivamente – em constituições promulgadas após períodos autoritários ou totalitários, como é o caso de todas as constituições aqui mencionadas (com exceção, claro, da constituição europeia). Mas mais importante ainda que reconhecer esse fenômeno constituinte é examinar qual é o seu significado para a dogmática dos direitos fundamentais.
Importante asseverar que o hermeneuta deve ter a sensibilidade de observar a norma interpretada com uma postura de dinamismo, já que a renovação e interação se faz patente na mesma, em razão da mutação dos acontecimentos sociais. (MELO, 2008, p. 228).
AMARAL (2010, p. 05) define a Constituição Federal de 1988 como prolixa e casuística e diz: “se o Direito é a ciência do dever-ser, parece intuitivo que o domínio de suas regras seja o poder-ser”. Explica que em razão de determinadas causas dados preceitos já nascem fadados à ineficácia: a intrínseca deficiência do texto; a manifesta ausência de condições materiais para seu cumprimento; impossibilidade de judicialização do bem ou interesse que se pretende tutelar.
Para GALDINO (2010, p.26), os direitos fundamentais devem ser entendidos como princípios, e “os princípios cumprem função normativa, eventualmente criando situações jurídicas subjetivas para os respectivos destinatários”. Este mesmo autor admite que de modo algum o estudo das normas jurídicas e de suas correlações lógicas pode esgotar o objeto da ciência do Direito. No que, não existe uma, mas várias ciências jurídicas. Então, a norma busca influenciar o comportamento das pessoas. O Direito não apenas descreve a realidade “antes, busca através de sua força normativa, amoldá-la a valores, que não se confundem com a própria norma”. E, no caso de direitos fundamentais, não apenas tende a influir em comportamentos particulares, mas também no do Estado, principalmente.
GALDINO (2010, p. 18) afirma que as normas não se confundem com os dispositivos: “inexiste correspondência biunívoca entre dispositivos e normas”. O que torna patente a polissemia que ocorre também nesse aspecto. Pois “para que haja norma jurídica nem mesmo é necessário que haja dispositivo positivado”, em casos como princípios implícitos e normas costumeiras.
Distingue, também, GALDINO (2010, p. 19-20)  as normas em:  aclaratórias, normas de organização e, notadamente, normas de sobre-direito. No que as primeiras nada teriam de efeitos jurídicos, apenas complementar e esclarecer outros dispositivos, Já as de organização são as que regulam a organização dos poderes do Estado. As de sobre-direito seriam as normas que estabelecem critérios para aplicação de outras normas (também jurídicas), a exemplo da LINDB, que seria verdadeira norma geral de aplicação das normas jurídicas, regulando aplicação das normas e afastando antinomias. Tais normas seriam materialmente neutras, apresentando critérios como o temporal.
Ocorre que em diversas ocasiões verifica-se que as normas não recebem a melhor interpretação por parte do STF, por tal razão é imperioso  uma releitura das normas tributárias, de modo a alargar a sua aplicação em razão da importância de uma proteção mais forte ao contribuinte.
4. Princípio da Unidade da Constituição e da Proporcionalidade
Sobre o princípio da unidade da constituição CANOTILHO (1998, p.1097) preceitua: o “princípio da unidade da constituição ganha relevo autônomo como princípio interpretativo quando com ele se quer significar que a constituição deve ser interpretada de forma a evitar contradições (antinomias, antagonismos) entre as suas normas. Como ponto de orientação, guia de discussão e fator hermenêutico de decisão, o princípio da unidade obriga a considerar a constituição na sua globalidade e a procurar harmonizar os espaços de tensão existentes entre as normas constitucionais a concretizar (…). Daí que o intérprete deva sempre considerar as normas constitucionais não como normas isoladas e dispersas, mas sim como preceitos integrados num sistema interno unitário de normas e princípios”. Portanto, diante do princípio da unidade da constituição, percebe-se que é um moderno princípio de interpretação constitucional.
O princípio da proporcionalidade, por sua vez, é o grande propulsor da hermenêutica constitucional aplicada nas decisões recentes do Supremo Tribunal Federal. Em matéria tributária o STF pauta-se pela organização de suas decisões sempre fundadas na principiologia constitucional, não apenas nos princípios específicos tributários como legalidade, anterioridade, capacidade contributiva, irretroatividade, mas também e de modo enfático, os princípios gerais como razoabilidade, proporcionalidade e segurança jurídica.
Neste viés, sempre importante lembrar que segurança jurídica é a alma do próprio direito, fundamenta-se nos ideais de igualdade e certeza, bem como deriva do estado democrático de direito (ATALIBA, 1985, p. 145 a 155).
A aplicação do princípio da proporcionalidade em aplicação da norma tributária traz a ideia de compor os conflitos de interesses sociais com a observância dos meios adequados e não lesivos sobremaneira a uma das partes. O Estado que figura na lide exacional como parte autora, deve utilizar de meios comedidos e legais no ato da cobrança de tributos, por outro lado, a lei deve ser interpretada de modo que garanta ao contribuinte não ser vilipendiado em seu direito de propriedade e dignidade.
Assim, o princípio da proporcionalidade enquanto instrumento de hermenêutica, visa solucionar a lide, reverenciando mais um dos princípios gerais, buscando desobedecer o menos possível dos demais, harmonizando com isso os princípios constitucionais em conflito, em nome da paz social.
A aplicação da proporcionalidade em matéria tributária tem ainda que observar as questões que se referem à dicotomia interesses públicos versus interesses privados. Durante muito tempo, toda a doutrina brasileira foi uníssona em afirmar a supremacia do interesse público sobre o interesse privado. Modernamente, vozes dissonantes dão mostra de que o princípio da supremacia do interesse público sobre o particular tem que ser reanalisado tendo como base os direitos fundamentais. Um paradigma, portanto, questionável.  SARMENTO (2005, p. 97) acha difícil pensar numa limitação mais vaga e indeterminada aos direitos fundamentais do que a proteção do interesse público.
É ainda de SARMENTO (2005, pg. 99) a ideia de que a supremacia elimina qualquer possibilidade de sopesamento, premiando de antemão o interesse público envolvido, e impondo o consequente sacrifício do interesse privado contraposto. Portanto, totalmente incompatível com o princípio da hermenêutica constitucional, que obriga o intérprete a buscar, em casos de conflitos, solução jurídica que harmonize, na medida do possível, os bens jurídicos constitucionalmente protegidos, sem optar pela realização integral de um, em prejuízo do outro. Sendo assim, a supremacia do interesse público sobre o privado está em total descompasso com a ordem constitucional brasileira. Portanto, o que fazer?
Uma possível solução já foi proposta por SARMENTO (2005, pg. 101) ao afirmar que se deve procurar uma solução racional e equilibrada entre o interesse público e privado implicados no caso. E, ao invés de uma supremacia a priori e absoluta do interesse público sobre o particular, ter-se-ia apenas uma regra de precedência prima facie. Do contrário, fragiliza-se demais os direitos fundamentais, que não são dádivas do poder público, mas a projeção normativa de valores morais superiores ao próprio Estado. Sendo assim, fica evidente que os direitos fundamentais despotam com absoluto destaque e centralidade no atual Estado Democrático de Direito.
Como bem assevera COSTA (2009, p. 59 e 60), a aplicação do princípio da proporcionalidade tem como objetivo a harmonia entre a arrecadação fiscal e a pontual observância dos princípios constitucionais tributários, representando os direitos dos contribuintes.
Desta feita, a proporcionalidade traz uma nova visão de hermeneuta, solucionando conforme os direitos humanos os conflitos capciosos enfrentados em tribunais espalhados pelo país, com ênfase nas questões tributárias, que tradicionalmente eram julgadas pelo poderio Estatal.
Mister ressaltar que o princípio da proporcionalidade é princípio fundamental em nosso ordenamento jurídico aplicável a todas as áreas, apontado como divisor de águas no direito moderno.
Nota-se que o juiz ao aplicar a norma tributária constitucional, deverá verificar o reflexo social da mesma a ser atingida e observando o interesse coletivo (COSTA, 2009, p. 157).
É sempre possível aplicá-lo de modo paralelo com outro especial princípio que é o da razoabilidade. Tal princípio visa evitar ações arbitrárias, assim socialmente inaceitáveis. É de importância extrema em face da validade das medidas do estado que ferem exercício de direitos individuais. (PONTES, 2000, p. 78 a 80).
Sua aplicação conjunta na hermenêutica de normas tributárias propicia o ideal do estado democrático de direito, com ótica social, respeitados os direitos individuais, coletivos e difusos.
5. Hermenêutica Tributária e os Direitos Fundamentais
O processo de alteração no “pensar” o direito teve como marco histórico basilar a necessidade da observância dos direitos e garantias fundamentais, previstos no artigo 5º da Constituição Federal como o centro de qualquer discussão jurídica no país, assim, a constitucionalização do direito é irreversível.
Nessa vereda, o princípio-mãe da Constituição Federal de 1988, que revolucionou a ordem jurídica definitivamente no Brasil, especialmente no que tange a hermenêutica, é o princípio da dignidade humana. Com esta nova diretriz, os tribunais, especialmente os superiores, passaram a pautar suas decisões na essência deste princípio, resvalando em todos os ramos do direito, portanto também no direito tributário.
Nesse ínterim, imperioso destacar que o Supremo Tribunal Federal possui várias decisões com inclinação a equiparar os princípios tributários a direitos fundamentais.
Dentre as decisões, destaca-se a ADI 939-7/DF, que imputa ao princípio constitucional da anterioridade a força intransponível de cláusula pétrea, e com isso apenas permitindo sua modificação com a própria revogação da Constituição como um todo, já que vivemos em um sistema rígido de modificações do texto constitucional. Verbis:
(…)
2. A Emenda Constitucional n. 3, de 17.03.1993, que, no art. 2º, autorizou a União a instituir o I.P.M.F., incidiu em vício de inconstitucionalidade, ao dispor, no parágrafo 2° desse dispositivo, que, quanto a tal tributo, não se aplica “o art. 150, III, b e VI”, da Constituição, porque, desse modo, violou os seguintes princípios e normas imutáveis (somente eles, não outros): 1. – o princípio da anterioridade, que e garantia individual do contribuinte (art. 5º, art. 60, §4°, inciso IV e art. 150, III, “b” da Constituição); 2. – o princípio da imunidade tributária recíproca (que veda a União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a instituição de impostos sobre o patrimônio, rendas ou serviços uns dos outros) e que e garantia da Federação (art. 60, par.4., inciso I,e art. 150, VI, a, da C.F.);
(…)
Tal entendimento amplia o rol do artigo 60, §4º, da CF/88, todavia percebe-se o ideal da hermenêutica do STF, pois a realidade é que os princípios constitucionais tributários, apesar de não estarem expressos como cláusulas pétreas, em sua essência protegem sempre algum elemento pétreo, assim sua revogação enfraqueceria o direito protegido pelo manto pétreo.
No caso em debate, verifica-se que o princípio da anterioridade visa proteger o contribuinte da fúria arrecadatória fiscal, especialmente concede ao contribuinte o mínimo de aviso antecedente pela criação ou majoração de carga tributária, com isso o princípio da segurança jurídica, ou da não-surpresa, está veladamente assegurado.
Conforme abalizada posição de CARRAZZA (in MARTINS, 2006, p.111) por trás do simples princípio da anterioridade, encontramos a noção de segurança jurídica, evitando que do dia para a noite o contribuinte seja surpreendido por mais uma exigência fiscal, sem tempo hábil de preparação Quanto à evolução da hermenêutica tributária no órgão máximo do judiciário brasileiro é patente. Outra situação que o STF demonstrou está atento à principiologia fundamental da Constituição, foi no caso do processo administrativo fiscal, em que sempre foi obrigatório no Brasil o pagamento de 30% para a admissibilidade de recurso administrativo.
Tal entendimento, em razão da repetição da administração, transformou-se na Súmula Vinculante nº 21, in verbis:
É INCONSTITUCIONAL A EXIGÊNCIA DE DEPÓSITO OU ARROLAMENTO PRÉVIOS DE DINHEIRO OU BENS PARA ADMISSIBILIDADE DE RECURSO ADMINISTRATIVO.
Ocorre que o constituinte traz como direito fundamental claro, o direito de petição, o livre acesso ao judiciário e o duplo grau de jurisdição. Ainda, a Constituição Federal de 1988 equipara o processo judicial ao processo administrativo, aplicando a ambos a mesma base principiológica.
Portanto, a exigência de 30% do valor para ingressar com recurso administrativo, segundo a hermenêutica do STF, fere o direito de petição, o livre acesso à justiça e impede o duplo grau de jurisdição, declarando a Suprema Corte a inconstitucionalidade da referida cobrança.
POSNER (2010, p. 61), esclarece que ao ser favorecida uma parte por uma decisão, a outra parte é prejudicada. O problema é esse: em que nos baseamos para tomar uma decisão que favorece uma das partes? A sugestão do economista é um algoritmo técnico: avaliemos todas as vantagens e desvantagens em dinheiro para as duas partes e minimizemos os custos conjuntos ou, então, o que redunda no mesmo, maximizemos a soma dos benefícios líquidos.
De acordo com GALDINO (2005, p.243) o Direito é considerado como mais uma engrenagem no complexo mecanismo de alocação de recursos na sociedade. Neste sentido, as normas jurídicas em geral, muito especialmente as normas concretas, e notadamente as decisões judiciais, devem ter em vista – como critério mesmo da decisão – a máxima eficiência.
Nesta seara, tantas outras decisões superiores de importância, que deixamos para discutir em outros trabalhos, porém necessário aceitar que precisamos avançar muito ainda, especialmente para o direito alcançar a evolução social.
6. Interpretação Sistemática no Ordenamento Jurídico Brasileiro
Neste último ponto do artigo usa-se o método de interpretação sistemático como forma de demonstrar a importância da interpretação constitucional para o direito tributário. O texto constitucional que se faz interpretação é o art.151, III: é vedado à União instituir isenções de tributos da competência dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios.
Doutrinariamente, encontra-se, por exemplo, em COELHO (1999, p. 548), uma análise interpretativa sobre o art. 151, III, CF, no sentido de esclarecer que o Constituinte de 1988 não está limitando a competência do Estado brasileiro para concluir acordos tributários que envolvam gravames estaduais e municipais, mas apenas proibindo, na ordem jurídica interna, a isenção heterônoma e ditatorial que já existiu na Constituição de 1967.
Jurisprudencialmente, trazemos julgado do Superior Tribunal de Justiça, oriundo do Recurso Especial nº 90.781-PE, com o seguinte posicionamento:
Tributário. Isenção. ICMS. Tratado Internacional. 1. O sistema tributário instituído pela CF/88 vedou a União Federal de conceder isenção a tributos de competência dos Estados, do Distrito Federal e Municípios (art. 151, III). 2. Em consequência, não pode a União firmar tratados internacionais isentando o ICMS de determinados fatos geradores, se inexiste lei estadual em tal sentido. 3. A amplitude da competência outorgada à União para celebrar tratados sofre os limites impostos pela própria Carta Magna. 4. O art. 98, do CTN, há de ser interpretado com base no panorama jurídico imposto pelo novo Sistema Tributário Nacional. 5. Recurso Especial improvido. (DOU 20/10/97, p.52.977, rel. Min. José Delgado).
Portanto, percebe-se que há um entrechoque de interpretações, sejam doutrinárias ou jurisprudenciais, privilegiando a importância de dispositivos constitucionais sempre em detrimento de outros mandamentos também de natureza constitucional.  Se, de um lado, há a possibilidade de a União conceder isenções heterônomas pela via dos tratados, baseando-se na disposição contida no artigo 21, inciso I. Por outro, é também juridicamente defensável a ideia de que a vedação imposta à União aplica-se a situações indistintas, portanto tanto internamente, quanto externamente, ou seja, tanto na ótica nacional, quanto na internacional.
ÁVILA (2205, p. 15) diz que o importante não é saber qual a denominação mais correta desse ou daquele princípio. O decisivo, mesmo, é saber qual é o modo mais seguro de garantir sua aplicação e sua efetividade.
Na tentativa de resolucionar as antinomias, a questão deve ser enfocada sob o aspecto material da competência outorgada às entidades componentes do Sistema Federativo brasileiro. Posto isto, sem ser de outra forma, no aspecto material da competência atribuída pelo inciso I, do artigo 21, tem-se que a vedação imposta pela letra da Constituição, no artigo ora analisado, ocorre no sentido de proibir que seja instituída norma isentiva de tributos estaduais ou municipais pela União. Em assim sendo, afasta-se possíveis antinomias surgidas da interpretação/aplicação das normas constitucionais. Reforça-se, neste sentido, a corrente hermenêutica que considera que a União pode veicular isenção de tributos estaduais e municipais através de tratados, porém, considerado como indispensável a participação dos demais entes federados.
Sendo assim, está-se diante de um estudo hermenêutico tributário que faz vir a lume o método de interpretação sistemático como forma de dirimir a questão. A decidibilidade é uma necessidade no Direito e os métodos de interpretação são necessários na interpretação tributária, juntamente com o uso da doutrina, da jurisprudência e dos princípios gerais do Direito.
Conclusão:
A Hermenêutica Tributária deve ter por base a Constituição Federal e seus princípios, seja quanto a tributos federais, estaduais, distritais ou municipais. A iluminação da essência do Estado Democrático de Direito e a preocupação com a evolução do padrão de pensamento da sociedade, também são nortes interpretativos fundamentais.
Diante do explanado, insta frisar que se defende o uso do pluralismo metodológico, da hermenêutica constitucional, da tópica, da retórica e da jurisprudência dos valores, que são hodiernamente fundamentais para a doutrina do Direito Tributário Nacional, contrariamente ao estrito positivismo jurídico na Hermenêutica Jurídica.
A importância do Direito reside no objetivo maior da lei, que é buscar o justo. A partir dessas colocações, parte-se para constatações importantes: inexiste uma Hermenêutica Tributária, como ramo autônomo da Hermenêutica Jurídica, e neste sentido, inexiste também uma Hermenêutica Tributária Municipal; e na resolução dos casos que envolvem Tributos Municipais é essencial que se faça uso da mais moderna Hermenêutica Constitucional.
Desta forma surge no âmbito jurídico a plena necessidade da aplicação dos princípios constitucionais da razoabilidade, proporcionalidade, bem como dos direitos fundamentais como ponto de partida da Hermenêutica Tributária, que surge como tendência de interpretação do STF.
Isso porque busca a Corte Suprema Brasileira humanizar a letra fria da lei tributária, concedendo na interpretação da mesma, um caráter social, ainda que seja em seu reflexo.
A interpretação da lei tributária pelos tribunais superiores, sob a ótica dos direitos fundamentais, também ocorre pela busca da plenitude do Estado Democrático de Direito, conquistado apenas com o respeito a integridade principiológica e axiológica da Constituição.
Ainda, a necessidade da Reforma Tributária se faz presente para atualizar a legislação, com vistas aos anseios sociais e ao impacto da legislação tributária na sociedade, tendo como norte o arcabouço jurisprudencial superior.

Notas e Referências:
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros Ed. 2008.
AMARAL, Gustavo. Direito, escassez e Escolha. Critérios Jurídicos para Lidar com a Escassez de Recursos e as Decisões Trágicas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.
ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. São Paulo: Malheiros editores. 2002.
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público sobre o particular”. In: Sarmento, Daniel (org). Interesses públicos versus interesses privados: desconstruindo o princípio de supremacia do interesse público. Rio de Janeiro:Lumen Juris, 2005.
ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo: Malheiros, 2005.
BARROSO, Luís Roberto. O Estado contemporâneo, os direitos fundamentais e a redefinição da supremacia do interesse público (Prefácio). In: Sarmento, Daniel (org). Interesses públicos versus interesses privados: desconstruindo o princípio de supremacia do interesse público. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.
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Artigo dos Professores Ezilda Melo e Ângelo Boreggio foi publicado no Curso Avançado de Direito Tributário Municipal, Coordenado por Saulo Medeiros da Costa Silva e Arthur Cesar de Moura Pereira e pode ser comprado no seguinte endereço eletrônico: http://www.amazon.com/AVAN%C3%87ADO-DIREITO-TRIBUT%C3%81RIO-MUNICIPAL-Portuguese-ebook/dp/B01AYOANY4

segunda-feira

Costuras entre “O Quinze”, de Rachel de Queiroz, e “Quede água?”, de Lenine: cem anos de solidão e de guerra do direito à água no Brasil

Texto publicado originalmente no Empório do Direito: http://emporiododireito.com.br/costuras-entre-o-quinze-de-rachel-de-queiroz-e-quede-agua-de-lenine-cem-anos-de-solidao-e-de-guerra-do-direito-a-agua-no-brasil-por-ezilda-melo/

A primeira mulher a ocupar uma cadeira na Academia Brasileira de Letras, Rachel de Queiroz, nasceu na cidade de Fortaleza, no Ceará, neta de José de Alencar. “O Quinze” foi publicado pela primeira vez em 1930 quando a autora contava com apenas 20 anos de idade.  De lá para cá essa obra ganhou notoriedade e entrou na edição comemorativa de número cem, tendo, nesta edição especial da Editora José Olympio, o Prefácio de Nélida Piñon.
“O Quinze” entrou para a História da nossa Literatura mostrando o grande embate entre o homem e a natureza, descrevendo situações trágicas e comoventes de um povo que sofre pela falta de água: o povo do sertão brasileiro. Descreve a triste marcha do retirante Chico Bento e sua família, saindo do sertão de Quixadá[1] a pé, tentando percorrer milhares de quilômetros para chegar ao Amazonas, sem receber nenhum tipo de assistencialismo social. Trata também do amor irrealizado de Conceição, professora benfeitora e defensora dos direitos humanos, e Vicente.
Brasil, um país de grande extensão de terras e conhecido mundialmente por suas reservas naturais hidrográficas. No entanto, nem todo o território brasileiro tem um clima propenso às chuvas. A caatinga, vegetação nativa, do sertão nordestino muito difere, por exemplo, da vegetação do litoral, do Pantanal, dos Pampas ou da Amazônia. As plantas que compõem a paisagem sertaneja, como a jurema, a oiticica, o pau d´arco, a aroeira, o umbuzeiro, o juazeiro, dentre outras, são fortes e ensinam resignação porque secas pungentes não as dilaceram: esperam meses, anos até que a chuva caia e floresçam novamente.
Muitas civilizações se constituíram à margem de rios, como por exemplo, a egípcia. Nas cidades do sertão nordestino é comum um açude ou rio ser o principal motivo daquela cidade crescer. Prova disso, por exemplo, é o Açude Itans da cidade de Caicó[2] no Rio Grande Norte. Na atual seca no Nordeste Brasileiro, esta de 2015, a realidade dos sertanejos mudou muito em relação à seca de 1915, numa visão comparativa de dois momentos históricos distintos. Hoje, não se vê o sertanejo abandonando a terra e emigrando para outras áreas por causa da seca.  O sertanejo quer continuar na sua terra, pois é onde tem suas raízes históricas e culturais. No entanto, há uma necessidade imensa que o Estado reconheça a importância dos mananciais de água e crie possibilidades dos sertanejos não sofrerem sem abastecimento[3] de água nos períodos de longas estiagens.
Albuquerque Júnior[4], um dos referenciais para a discussão da identidade do que se entende por nordestino, como  também para discutir o problema da falta de água no Nordeste, mostra que as regiões do nosso país foram inventadas como antagônicas e excludentes. Nos anos 20-30 do século passado viu-se a construção de um lugar de hegemonia para o Sul-Sudeste[5] e de inferioridade para o Nordeste.
A falta de água no Nordeste insere-se numa questão política e jurídica. Politicamente, o discurso do combate à seca ainda elege muitos dos representantes do Legislativo e do Executivo, e juridicamente, a Constituição Federal garante o direito à água como um direito fundamental, que deve ser efetivado[6].
O problema da falta da água era exclusivamente do sertão do Nordeste, hoje se estende para vários lugares do país, inclusive São Paulo. Ou seja, em cem anos as alterações climáticas e a falta de cuidados ambientais fizeram com que uma área rica em mananciais de água passasse por problemas que eram tidos como exclusivamente dos nordestinos. O direito à água é de todos. Porém, como diria Lenine, em seu mais recente trabalho, Carbono, cheio de preocupações ambientais: “Quede água?[7]. Espera-se que a leitura da letra da música abaixo sirva para refletir sobre um problema de todos os brasileiros e não somente dos sertanejos da Caatinga e mais que isso, espera-se mudanças para que daqui a cem anos a história seja melhor:
A seca avança em Minas, Rio, São Paulo
O Nordeste é aqui, agora
No tráfego parado onde me enjaulo
Vejo o tempo que evapora
Meu automóvel novo mal se move
Enquanto no duro barro
No chão rachado da represa onde não chove
Surgem carcaças de carro
Os rios voadores da Iléia
Mal desaguam por aqui
E seca pouco a pouco em cada veia
O Aquífero Guarani
Assim do São Francisco a San Francisco
Um quadro aterra a Terra
Por água, por um córrego, um chovisco
Nações entrarão em guerra
Quede água? Quede água?
Quede água? Quede água?
Agora o clima muda tão depressa
Que cada ação é tardia
Que dá paralisia na cabeça
Que é mais do que se previa
Algo que parecia tão distante
Periga, agora tá perto
Flora que verdejava radiante
Desata a virar deserto
O lucro a curto prazo, o corte raso
O agrotóxico, o negócio
A grana a qualquer preço, petro-gaso
Carbo-combustível fóssil
O esgoto de carbono a céu aberto
Na atmosfera, no alto
O rio enterrado e encoberto
Por cimento e por aslfalto
Quede água? Quede água?
Quede água? Quede água?
Quando em razão de toda a ação humana
E de tanta desrazão
A selva não for salva, e se tornar savana
E o mangue, um lixão
Quando minguar o Pantanal e entrar em pane
A Mata Atlântica tão rara
E o mar tomar toda cidade litorânea
E o sertão virar Saara
E todo grande rio virar areia
Sem verão, virar outono
E a água for commoditie alheia
Com seu ônus e seu dono
E a tragédia da seca, da escassez
Cair sobre todos nós
Mas sobretudo sobre os pobres outra vez
Sem terra, teto, nem voz
Quede água? Quede água?
Quede água? Quede água?
Agora é encararmos o destino
E salvarmos o que resta
É aprendermos com o nordestino
Que pra seca se adestra
E termos como guias os indígenas
E determos o desmate
E não agirmos que nem alienígenas
No nosso próprio habitat
Que bem maior que o homem é a Terra
A Terra e seu arredor
Que encerra a vida aqui na Terra, não se encerra
A vida, coisa maior
Que não existe onde não existe água
E que há onde há arte
Que nos alaga e nos alegra quando a mágoa
A alma nos parte
Para criarmos alegria pra viver
O que houver para vivermos
Sem esperanças, mas sem desespero
O futuro que tivermos
Quede água? Quede água?
Quede água? Quede água?


Notas e Referências:
[1] QUEIROZ, Rachel. O Quinze. 100 ª edição. Rio de Janeiro: Ed. José Olympio, 2015.p.124: “Iam para o desconhecido, para um barracão de emigrantes, para uma escravidão de colonos… Iam para o destino, que os chamara de tão longe, das terras secas e fulvas de Quixadá, e os trouxera entre a fome e mortes, e angústias infinitas, para os conduzir agora, por cima da água do mar, às terras longínquas onde sempre há farinha e sempre há inverno…”
[2] Cidade que ficou conhecida, dentre outras coisas, pela pesquisa de Villa Lobos sobre o cancioneiro popular brasileiro, em refrãos já cantados por Milton Nascimento, Ney Matogrosso, Elba Ramalho, Alceu Valença, Zé Ramalho: “Ó, mana, deixa eu ir ó, mana, eu vou só ó, mana, deixa eu ir para o sertão do Caicó. Eu vou cantando com uma aliança no dedo eu aqui só tenho medo do mestre Zé Mariano Mariazinha botou flores na janela pensando em vestido branco véu e flores na capela”. Cidade de Santana, dos bordados, da carne de sol e das pessoas hospitaleiras.
[3] http://g1.globo.com/rn/rio-grande-do-norte/noticia/2015/07/caern-divulga-funcionamento-de-rodizio-de-agua-em-20-cidades-do-rn.html
[4] ALBUQUERQUE JR., Durval Muniz. A invenção do Nordeste e outras artes; prefácio de Margareth Rago. 5ª edição – São Paulo: Cortez, p.343: “O Nordeste, assim como o Brasil, não são recortes naturais, políticos ou econômicos apenas, mas, principalmente, construções imagético-discursivas, constelações de sentido. (…) O Nordeste, na verdade, está em toda parte desta região, do país, e em lugar nenhum, porque ele é uma cristalização de estereótipos que são subjetivados como característicos do ser nordestino e do Nordeste. Estereótipos que são operativos, positivos, que instituem uma verdade que se impõem de tal forma, que oblitera a multiplicidade das imagens e das falas regionais, em nome de um feixe limitado de imagens e falas-clichês, que são repetidas ad nausem, seja pelos meios de comunicação, pelas artes, seja pelos próprios habitantes de outras áreas do país e da própria região”.
[5] ALBUQUERQUE JR., Durval Muniz. A invenção do Nordeste e outras artes; prefácio de Margareth Rago. 5ª edição – São Paulo: Cortez, p.55: “O autor vai, ao mesmo tempo, reafirmando a imagem que já possuía do Nordeste, por meio de leituras anteriores e, em contraponto, construindo uma imagem par ao Sul. Ele chama atenção para o próprio momento de invenção daquele espaço, com a mudança de designação de Norte para Nordeste e insiste em qualifica-lo depreciativamente”.
[6] SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos Fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 11. Ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2012.
[7] Música de Lenine e Carlos Rennó. Pode ser acessada: http://www.vagalume.com.br/lenine/quede-agua.html#ixzz3oCS1i5jU