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segunda-feira

ESTRATÉGIAS SOCIAIS PARA DIMINUIR A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA NA PANDEMIA



Apesar das subnotificações, tanto da COVID-19, quanto da violência doméstica, dados dão conta que esta aumentou no Brasil durante o período da pandemia, e também em outros países, a nível comparativo.
De acordo com declaração de Phumzile Mlambo-Ngcuka, diretora executiva da ONU Mulheres e vice-secretária geral das Nações Unidas: à medida que mais países relatam infecções e bloqueios, mais linhas de ajuda e abrigos para violência doméstica em todo o mundo estão relatando pedidos crescentes de ajuda. Na Argentina, Canadá, França, Alemanha, Espanha, Reino Unido e Estados Unidos, autoridades governamentais, ativistas dos direitos das mulheres e parcerias da sociedade civil denunciaram crescentes denúncias de violência doméstica durante a crise e aumento da demanda para abrigo de emergência. As linhas de apoio em Singapura e Chipre registraram um aumento de chamadas em mais de 30%. Na Austrália, 40% de trabalhadores e trabalhadoras da linha de frente em uma pesquisa de New South Wales relataram um aumento de pedidos de ajuda, porque a violência está aumentando em intensidade. Na França e na Espanha as denúncias podem ser feitas on-line e o aumento também foi verificado. Na China houve aumento de divórcio comprovado. Embaixadores de 124 Estados-membros da ONU e observadores responderam ao recente apelo do secretário-geral para combater o aumento da violência doméstica na pandemia.
No Brasil, dados estão sendo coletados e provam um aumento na violência doméstica: no Paraná, houve um aumento de 15% nos registros de violência doméstica, enquanto no Rio de Janeiro os números cresceram em 50%. No contexto da pandemia de covid-19, os atendimentos da Polícia Militar a mulheres vítimas de violência aumentaram 44,9% no estado de São Paulo. O Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) informou que o total de socorros prestados passou de 6.775 para 9.817, na comparação entre março de 2019 e março de 2020. A quantidade de feminicídios também subiu no estado, de 13 para 19 casos (46,2%). O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos constatou alta de quase 9% nas denúncias realizadas no Disque 180, destinado a denúncias de violência doméstica.
Tais picos evidenciam alguns dos efeitos colaterais do isolamento social, medida que faz com que as pessoas fiquem mais em casa e os conflitos familiares se intensifiquem, e também se relacionam diretamente com a divisão social do trabalho doméstico e com o desemprego[1], que afeta em grau maior as mulheres, vez que mais sujeitas à informalidade. Além disso, a sobrecarga do trabalho doméstico com as funções de cuidado com filhos e familiares atrapalham as mulheres que se encontram em trabalho remoto exercido em suas casas, como, por exemplo, as professoras que se viram obrigadas a desenvolver educação à distância neste período. A ONU Mulheres faz apelo a setor privado para garantia da igualdade de gênero na resposta a COVID-19: “A pandemia Covid-19 não é apenas um problema de saúde. É um choque profundo para nossas sociedades e economias, e as mulheres estão no centro dos esforços de atendimento e resposta em andamento. Como respondentes da linha de frente, profissionais de saúde, voluntárias da comunidade, gerentes de transporte e logística, cientistas e muito mais, as mulheres estão fazendo contribuições críticas para lidar com o surto todos os dias.”
Essa conjuntura trará consequências na saúde psicológica e até mesmo na avaliação de desempenho das mulheres profissionais, eventualmente, a repercutir em demissões futuras. Neste contexto de dependência financeira e convivência forçada que aumenta as tensões familiares, ocorre o aumento da violência contra as mulheres. A ONU Mulheres, no documento COVID-19 na América Latina e no Caribe: como incorporar mulheres e igualdade de gênero na gestão da resposta à crise”, já sinalizou que estes são fatores que ampliam a violência doméstica contra as mulheres.
O que tem sido feito para minimizar esses efeitos na crise da COVID-19 no Brasil diante da constatação que a violência doméstica aumentou? Lives, artigos, matérias jornalísticas, atendimento on-line das delegacias das mulheres, atendimento de clientes por chamadas telefônicas ou de vídeo por parte de advogadas que militam no atendimento às mulheres, advocacy em ONG´s de mulheres,  atendimento psicológico remoto, a atuação da bancada feminina no legislativo ao propor e votar  projetos de lei nas áreas econômica, proteção social, educação, prevenção e eliminação da violência contra as mulheres, são sinalizadores que demonstram que muito trabalho está sendo feito nessa linha de combate à violência doméstica.
 Porém, essa bancada de mulheres esbarra noutra questão problemática: a tomada de decisão feita pelos homens. As deputadas federais correspondem a 77 dos 513 assentos da Câmara dos Deputados – 51% a mais das parlamentares eleitas em 2014. Em relação aos deputados federais, elas são apenas 15% da casa. Este quadro coloca o Brasil na posição 140ª na lista de 193 países que mede a representatividade das mulheres na política em estudo da União Interparlamentar e da ONU Mulheres. Quais projetos federais foram propostos nessa matéria?
Foi apresentado no final de março de 2020 o PL 1267/2020, de autoria de diversos deputados, que buscar alterar a Lei 10714/03 (Lei Maria da Penha), para ampliar a divulgação do Disque 180 enquanto durar a pandemia do Covid-19.  Também entrou em votação o PLS 238/2016, que altera a Lei Complementar 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), para incluir ações de combate à violência contra a mulher no rol de exceções à suspensão de transferências voluntárias a entes da Federação inadimplentes. É uma iniciativa que merece destaque, pois a tendência é o aumento da inadimplência de Estados e Municípios em relação à União.
Temos também o PL 123/2019 que quer modificar as Leis 10201/2001 e 11340/2006, para autorizar o uso de recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública em ações envolvendo prevenção e combate à violência doméstica e familiar e incluir os programas de combate e prevenção de violência contra a mulher como forma de projeto apoiado pelo fundo.
Importante dizer que o orçamento destinado ao programa de proteção à mulher em 2019 foi o menor desde a criação do programa, ocorrido no ano de 2012. Em 2015, a título comparativo, o valor destinado ao programa era seis vezes maior do que é hoje. Vale citar que o Disque 180, serviço bastante demandado durante a quarentena, não teve qualquer destinação de recurso em 2019.
Fica latente a necessidade de novas fontes de custeio do combate à violência contra a mulher e se torna urgente que não tenhamos interrupções parciais ou totais de atendimento às mulheres vítimas deste mal que assola historicamente este país.
A relatora especial da ONU sobre violência contra a mulher solicitou às organizações da sociedade civil, Estados, instituições nacionais de direitos humanos, organizações internacionais, academia e outras partes interessadas, informações relevantes de todos os países sobre o aumento dos casos de violência de gênero no contexto da pandemia de COVID-19. O prazo de submissões foi até 30 de junho de 2020.
O secretário-geral das Nações Unidas[2], António Guterres, instou os governos a colocar mulheres e meninas no centro de seus esforços de recuperação, inclusive ao torná-las líderes e igualmente envolvidas na tomada de decisões. “As medidas para proteger e estimular a economia, de transferências de renda a créditos e empréstimos, devem ser direcionadas às mulheres”, enfatizou, acrescentando que “o trabalho não remunerado deve ser reconhecido e valorizado como uma contribuição vital para a economia”.
As mulheres estão na linha de frente da resposta à Covid-19,  seja no exercício profissional hospitalar e das pesquisas científicas, seja ao trabalhar em suas casas, em home office ou no cuidado de suas famílias, ao procurar meios de subsistência na crise,  preocupadas com o futuro do planeta que depois deste pandemia refletirá, para seu próprio bem e continuidade da vida, sobre em quais bases foi construída essa sociedade capitalista excludente, violenta, dizimadora, conservadora e arrogante de certezas que não servem de nada numa crise de incerteza caótica que coloca à vista de todos a precariedade da sociedade pós-moderna, rica em tecnologia, mas paupérrima na defesa humanitária.
 Com a empatia e a humanização, próprias das sociedades matriarcais, do cuidado com o outro, poderemos falar numa mudança paradigmática, que já chega tarde, deixando tantos mortos e devastação na história da humanidade. As mulheres construíram a história com base na resiliência e asseguraram que suas vozes e experiências moldarão as decisões futuras para o bem deste planeta. A revolução é feminista e até lá precisamos garantir que estejamos vivas. O holocausto da violência doméstica encontrou um eco ensurdecedor na COVID-19.




[1] IBGE. Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101629.pdf
[2] http://www.onumulheres.org.br/noticias/mulheres-e-meninas-devem-estar-no-centro-da-recuperacao-da-covid-19-diz-chefe-da-onu/