quarta-feira

Prefácio do Livro "Feminismos, Artes e Direitos das Humanas" - Prof. Dra. Gisela Bester



Prefácio do Livro "Feminismos, Artes e Direitos das Humanas" - Prof. Dra. Gisela Bester



PREFÁCIO

Gisela Maria Bester

            O convite que recebi para coorganizar – e depois para prefaciar – esta magnífica, inovadora e surpreendente obra, remete-me à generosidade da Professora Mestra Ezilda Melo, mais uma grande amiga que a vida me deu, daquelas amizades que nascem em torno da produção, da recriação e da disseminação do conhecimento, meio no qual vivemos, sobrevivemos e nos encontramos. Por sinal, este é um livro de encontros! Encontro de pessoas, de destinos e de aspirações; encontro de identidades humanas (de gênero e sexuais), assumidamente ideológicas ou sem esta preocupação; convergências de lutas contra o machismo, o patriarcalismo, o sexismo e a misoginia; confluência de ideais, e de ideias defensoras dos direitos humanos das mulheres adultas, das adolescentes e das crianças meninas. Disto tudo, desta sinergia, é formado o livro intitulado “Feminismos, Artes e Direitos das Humanas”.
            Tudo nesta obra é diverso! É diferente o seu mote, assim como diversas são as peças que a compõem. O fio condutor, desde o início, foi o de montarmos um livro apenas com produções de mulheres, sobre mulheres. Não importava a área do conhecimento, pouco importando também as não-áreas, mas sim e apenas o livre pensar, o livre criar, a vazão que se pudesse dar a qualquer conteúdo com significados, embalado em forma acadêmica ou não. Tudo diverso, como diverso é o mundo das mulheres, como a diferença que há dentro da própria diferença, como de resto diferentes entre si são todos os seres humanos. As humanas aqui reunidas, femininas, feministas ou nada disto, tiveram, por isso mesmo, com essa libertação do academicismo, a oportunidade de apresentarem-se, na qualidade de coautoras, com as credenciais que bem quisessem, mais com biografias (algumas romanceadas, ou poetizadas) do que com bibliografias ou minicurrículos. Mulheres de carne e osso, para além de corações e mentes, desvelaram, assim, seus berços, seus percursos, algumas tessituras e as urdiduras das trajetórias que até aqui as trouxeram. Por isso, também fica o convite à leitura das descrições que cada uma das autoras escolheu fazer de si mesma, cada caso configurando um mundo à parte, por si só cheio de belezas. Estes universos, identificados com criatividades várias, estão registrados na lista de autoras.
            Em obra diversa, diverso também há de ser o seu prefácio. Assim, peço licença poética, e também metodológica e epistemológica – eu mesma do quadro das metodólogas –, para escrever em estilo o mais livre possível, acompanhando já desde aqui os ares da liberdade criativa que marcam este nosso livro.
           Obra libertadora. Deixou vir, acolheu, e doravante deixa-os ir, livremente apresentados, poemas e contos, sonetos e cordéis, entrevistas e fotografias, artigos científicos e prosas, crônicas e resenhas, pinturas e peças teatrais... Tudo vale, tudo dá vazão a emoções, a pensamentos, a ideias, a sentimentos, a conhecimentos, até agora represados, contidos nos corações, nas gargantas, nas memórias, ou em caixas de guardados, ou, ainda, até já publicados antes, cuja reprise siga sendo útil e instigante. Ninguém censurou ninguém. Nem uma de nós podou nem uma outra sequer. O que mandaram, esta obra (re)colheu. E a colheita foi rica e farta, como todos e todas verão. Logo, é com esse mesmo olhar liberto e acolhedor que concito os leitores e as leitoras a apreciarem o que se segue. Conteúdos reunidos neste continente! Continente das almas, cheias ou vazias, dos desejos e dos sonhos, do realizado e do por(vir). O onírico e o real. O belo, em tudo. Leiam-nos! Sorvam-nos em nossas essências, aqui decantadas em letras, em tintas, em lentes.
            São dizeres, são sofreres, são quereres. São saberes. São somas, são subtrações, são multiplicações, e também divisões. Disso a vida é feita! Há perdas, há conquistas, há recomeços, como há inícios. Do nada, que nada nunca é. Ou do tudo, que tampouco tudo é. Entre vazios e plenitudes, com esperanças e desesperanças, cantando o amor ou chorando o desamor, as mulheres expressaram-se. Contaram de si, das outras, da filha, da mãe, da irmã, da vizinha, da tia, da avó, da sogra, da neta, da nora, da professora, da dona do bordel, da puta, da religiosa, da governadora, da presidenta. Falaram dos homens, também. De quando são filhos. Dos companheiros (de quando o home é o macho), dos feminicidas. E das companheiras. Há percepções. Diversas. Sobre tantos universos. Cada uma um mundo em si. Constelações de dores e de alegrias, de conquistas e de frustrações, de derrotas e de vitórias, de perdas e ganhos. Estrelas. Todas estrelas. De algum céu.
Claro que ostra feliz não faz pérola! Claro, meu admirado, já ido, mas permanente, Rubem Alves! Toda a dor, doída e sofrida, precisamente por isso, pode transmudar-se em beleza. Depende de nós. De cada uma. Não tenho nenhum apego ao sofrimento ou defendo a dor, mas digo apenas que este livro reúne muitas belezas. No caleidoscópio que se formou, a partir das tantas criações aqui reunidas, certamente que as desconstruções de umas, ou de seus mitos, de seus heróis, de suas heroínas e de suas crenças, podem significar-lhes catarses, assim como fecundidades para outras, inspirações para muitos e para muitas outras, incentivos a novos despertares de consciências, inspirações para tanta coisa boa que ainda podemos fazer no mundo, por nós mesmas e por toda a humanidade. Erro. Por todos os seres vivos! Dizem que os exemplos arrastam, não é mesmo minha querida amiga Rayka Vasconcelos?!
            O mundo é desordem. Por isso, neste livro não tem ordem alfabética. Porém, no meu entender, o mundo é desordem organizada no espaço. Por isso, entropia. Afinal, alguma harmonia é preciso. Ser altamente entrópico, como sou, custou-me, por exemplo, soltar um livro sem nele fazer uma minuciosa revisão (de forma e de português), mas cedi, deste também meu ofício de revisora, diante da riqueza do “em bruto”, que significa vida viva, vida em movimento, vida formada, e não reformada, significando, por último mas também em primeiro lugar, criação não deformada pelas normas técnicas. Assim, nesta proposta, cada autora responde por seus produtos, em forma e em conteúdo.
            Digo, por fim, como já disse em outra ocasião, que as mulheres, quando chamadas, brotam! Brotam de todos os lados, acodem de todos os cantos, com suas forças de gigantes. Aparecem e somam. Crescem. Dão galhos e folhas. Ramificam-se. Espalham-se. Florescem. Depois frutificam. E depois, vêm as sementes. Para novamente, brotar. Mulheres que brotam. São vocês. Somos nós. Fica aqui minha homenagem final a todas as coautoras deste livro, com esta imagem belíssima, que por pura sintonia fina cruzou minha vida com a da amiga Patrícia Medina, em uma bela noite tocantinense de março de 2016. Era um evento da OAB, onde fiz minha fala sobre mulheres que brotam, em um auditório lotado, em forte maioria pelas próprias, e em seguida ela iniciou sua palestra, sobre a ética do cuidado, às mulheres advogadas, com esta imagem: justamente de mulheres que brotam. Imaginem se tivéssemos combinado... Cuidemo-nos. E brotemos. Sempre.



 

sexta-feira

Lançamento virtual do Livro "Feminismos, Artes e Direitos das Humanas"




O livro "Feminismos, Artes e Direitos das Humanas" foi lançado virtualmente dia 08 de março de 2019.





Trata-se de uma coletânea inspiradora, escrita por 103 mulheres brasileiras que, ao escolherem as narrativas literárias, questionam temas do universo feminino e direitos das mulheres, possibilitando novos olhares.

A apresentação da obra é da Advogada e Professora Ezilda Melo, idealizadora do projeto, co-organizadora e co-autora. Segue abaixo:

APRESENTAÇÃO
Ezilda Melo

Que direitos são esses? Que sensações são abordadas? Do que tratam? Sobre o que gritam? Sentimentos esparsos nas linhas de arte  na literatura, a partir de contos, poesias, crônicas, resenhas, peça teatral e textos acadêmicos de mulheres e meninas de Norte a Sul do país, em seus múltiplos papéis, anseios, dores, alegrias, dúvidas, incertezas, vontades, direitos do ser feminino.
Nesta coletânea nomeada “Feminismos, Artes e Direitos das Humanas”– Coleção Direito e Arte. Volume I, encontra-se a escrita literária tratando sobre Direitos das Mulheres, o que possibilita 
visibilidade ao texto feito por sujeitos de direito que se expressam, gritam, murmuram e mostram suas falas por meio de uma linguagem literária e artística. É uma obra que se pretende inicialmente jurídica, no entanto sem as amarras de um discurso rijo, fixo e eminentemente legalista. É o falar do direito das humanas a partir de múltiplas vivências e experiências que perpassam por textos autorais dispostos a um diálogo transdisciplinar, contendo uma linha de cruzamento e de ligação, que é o feminismo. Essa obra pode ser utilizada em cursos jurídicos do País, servindo de material de apoio para disciplinas propedêuticas, como Sociologia do Direito, Direitos Humanos, Criminologia Crítica, e temas interdisciplinares que reflitam sobre questões do gênero feminino, a partir da voz
feminina. Não são homens que aqui falam por nós. Temos vozes e nos fazemos ler. É também uma obra literária, com forte apelo de imagens, significantes imaginários e construções poéticas
que se fazem presentes no longo mosaico a seguir apresentado.
Nestes textos são encontradas vozes de juristas, professoras, doutoras, mestras, especialistas, graduandas, defensoras públicas, feministas, advogadas, juízas, escritoras brasileiras que residem no País e outras que moram no exterior, prostitutas, mães, mães solo, casadas, namoradas, divorciadas, solteiras, avós, adolescentes, encarceradas, cumpridoras de medidas sócio-educativas, educadoras, brincante teatral, pesquisadoras, gestoras culturais, atletas, personal trainning, jornalistas, ameríndias, fotógrafas, artistas, atrizes, meretrizes, politizadas, nordestinas, sertanejas, estudantes, cantoras, pedagogas, enfermeira, capoeirista, mediadora de conflitos, comunicadora popular, militantes da Marcha Mundial das Mulheres, mulheres de identidade negra, militantes do movimento hip hop, rapper, historiadoras, criminalistas e tantos outros papéis que podemos construir, exercer e ressignificar ao longo da existência de ser mulher.
Trata-se de um projeto que se iniciou pelo aplicativo Whatsapp, com mensagem introdutória que versava sobre o objetivo e a destinação desta obra plural, espalhou-se pelo Brasil e mundo afora,
e possibilitou a criação de um grupo de mulheres intitulado “Direitos Femininos e Arte”, que conversa e reflete sobre a escrita feminina por meio dessa rede tão potente que pode unir e conectar no período histórico que vivemos. Deu-se, assim, um lugar de encontro virtual que aproximou distâncias e criou laços desde o seu surgimento, que coincidiu com o recebimento dos primeiros textos que compõem esta obra coletiva e colorida, respeitando-se a ordem cronológica de
recebimento das variadas contribuições. É um lugar de reflexão e também de vontades de construir. Um lugar virtual onde o sonho de uma sociedade melhor é uma questão que traz a discussão do ser
feminino como eixo principal. Estamos diante de uma obra publicada pela única Editora Jurídica do País com uma mulher à sua frente, fato emblemático para um livro de mulheres. Mulheres que parem ideias, filhos, vontades, sonhos. Mulheres que geram vida e o mundo. Mulheres fortes que
ressignificam sua seiva, que, resilientes, aguentam até as mais severas estiagens, que guardam suas águas para momentos difíceis, que fazem brotar novos galhos que crescerão como braços que fazem sentir o abraço feminino. Flores brancas de paz que nascem quando as folhas, os filhos, os livros, as páginas, os lenços, as cinzas, os nós se soltam e voam... Folhas que voam por todos os estados do País, que passam pelos oceanos, atravessam mares e deixam um cheiro perfumado de (re)nascimento, de tudo que está para chegar. Porque a vida é uma invenção, criação e também construção. Que inventemos, criemos, construamos tudo que quisermos: sonhos, direitos, artes. Que façamos tudo isso com a poesia que nos é peculiar! Pelo direito de ser mulher. Humanas, demasiadamente humanas. Cheias de humanidade! Fincadas nos seios das terras. Enramadas e fecundas!

Endereço da obra para download: 

https://www.tirant.com/docs/Feminismos_artes_e_direitos.pdf


Mulher sem história, mulher invisível


Nasceu. Simples assim.
Uma menina soluçava, berrava e a mãe não entendeu tamanho choro.
Menina de roupa maltrapilha, sem escola e sem hospital
Engravidou aos 14. Teve filhos. Abortou inúmeras outras vezes
Foi agredida, espancada e quase morreu por causa da violência dos companheiros
Fez faxina e cuidou de crianças na casa de outras mulheres
Seus filhos cresceram sem creche e escola; brincavam com armas naquela paisagem de Babel
Alguns foram para a prisão, outros morreram no caminho da vida
Aquela mulher sem voz, gritava, em casa, de desespero
Trabalhava sem carteira assinada
Não contribuía para a previdência
Não tinha FGTS para sacar
Pagava o aluguel e comia muito mal aquela comida envenenada
Com câncer, sem dentes, na cama do SUS, sem parentes e amigos para ajudar
Sem dinheiro e perspectivas
Ia para a Assembleia pedir que o divino abençoasse aquela existência
Aquela mulher já passou.
 Ninguém nem lembra.
O tempo apagou seu nome e existência.
Seu sofrimento pode ser sentido e refletido como mais uma existência das mulheres sem história.
13/03/2019

Ezilda Melo é Advogada. Professora Universitária. Mestra em Direito Público pela UFBA. Especialista em Direito Público pelo Curso JusPodivm. Autora de livros e artigos jurídicos. Palestrante. Graduada em Direito pela UEPB e em História pela UFCG. Co-organizadora, co-autora do livro "Feminismos, Artes e Direitos das Humanas" - Para adquirir a obra, clique aqui.

Publicadohttps://emporiododireito.com.br/leitura/mulher-sem-historia-mulher-invisivel?fbclid=IwAR3zOfKwp-zlvZEuu-c4dvdoiYV-8X6teWbXbTXLl2TE-DU7sFP1l0Qd05w