sexta-feira

Repetições da banalidade


                   Pobre em seus modos, e em seu dia-a-dia, era assim que a sombra daquela jovem se via frente ao espelho e em seu contínuo perambular pela vida.
          Criada, sem pai e sem mãe, procurou com candura alegrar outros corações. Sua companhia inseparável foi sua irmã. Uma morena muito bonita, de olhos negros como uma noite profunda, e que se chamava sebastiana.
           juraci do amor divino trabalhava de sol a sol apanhando algodão, numa cidade do sertão nordestino. Aquele era o ouro tão precioso de um povo tão miserável.
          As duas inseparáveis irmãs não tinham muitas esperanças, apenas a de um casamento. Mas um casamento com outro miserável seria a solução, ou talvez a frustração total: dividiriam mais miséria e sofrimento por entre as gerações vindouras. E que, certamente, seriam muitas.
            E, foi assim, que sebastiana casou e levou consigo sua irmã. Existia muito afeto entre as duas, coisa de se admirar num lugar onde existia tanto desamor.
           O sol que queimava ao meio-dia, iluminava a mente lúcida de juraci, que continuaria casta até o próximo passo de seu cunhado rumo ao pudor remanescente.
           Soluços, berros, carícias..., tudo era linguagem de corações espetados pelo desejo da carne. Um triângulo amoroso havia se formado.
          sebastiana engravidara. No oitavo mês sua enorme barriga pesava muito, impossibilitando-a ao trabalho. Pobre juraci: trabalhava cada vez mais para que sua irmã, seu vagabundo cunhado-amante e sua sobrinha não morressem de fome. Trabalhava o dia inteiro até a exaustão, sabendo que na hora do sono, seu cunhado lhe afagaria, compensando-a .
    Se sebastiana  percebia as idas do seu marido à rede de sua irmã, fingia não saber. A sobrinha de juraci nascera, mas agora era ela quem estava gestante.
   Os meses passavam e sua barriga começou a crescer. Seu cunhado, hipocritamente, mandou que ela abortasse. Tomou muitos chás; foi à rezadeira; mastigou  raízes de efeito abortivo, mas nada fazia efeito. Aquele feto já tinha a força dos flagelados nordestinos.
    A barriga agora crescia a passos largos e já não dava para esconder. Seu cunhado, defendendo a moral de sua casa, disse-lhe que não aceitava uma sem-vergonha  que se deitava com qualquer um. Que ela fosse procurar o pai da infeliz criança. E que nunca mais viesse à sua casa, pois não queria que sua filha crescesse, tendo por influência uma tia depravada.
    Houve muito choro das duas infelizes irmãs. O silêncio de uma, era entendido pelo silêncio da outra.  Mas sebastiana não podia fazer nada: deixara sua irmã ir embora, porque sabia que quem mandava em sua casa era seu marido...
   juraci  vagou pelo mundo, feito uma cão sem dono; sem o amor de sua irmã e de seu cunhado, pai de seu filho, que seria irmão de sua sobrinha...
sebastiana teve mais outra filha. As duas meninas cresceram nutrindo uma grande amizade, uma pela outra. Na véspera do aniversário de quinze anos da mais nova, ouviu-se um barulho no alpendre. sebastiana e seu marido saíram para ver quem era. Não deu nem tempo para isto. Ouviu-se tiros e o casal tombou em duas poças de sangue. Dois pistoleiros passavam e, por malvadeza tiraram a vida de duas pessoas que nem conheciam. Um deles não sabia que acabara de matar seu pai e sua tia.
As duas meninas ficaram sozinhas. Uma servindo de apoio para a outra. Uma sendo companheira da outra. Trabalhando no mesmo algodoal que um dia trabalhara sebastiana e juraci. Esperando, quem sabe, por um destino tão banal...

Um conto de Ezilda Melo.
Campina Grande-PB,  julho de 2000.

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