Mostrando postagens com marcador Poesias. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Poesias. Mostrar todas as postagens

sábado

Olhar objetivo


Olhar objetivo

Sob um prisma da discrepância real do achar e do concreto,
Olhei-te e não te vi. Procurei e não encontrei. Os silêncios vazios não me disseram nada.

Tentei escutá-los e eles silenciaram. Um abismo de silêncio fez hiatos entre nós. Que nada!(Nada combina com nada).

Quando me achei, te perdi. E descobri que a poesia é para o deleite. Para a paz de espírito.

E que a segurança é precisa. Lancei meu olhar objetivo e fiquei em paz.
A impusividade é passional

A ação reflexiva nos coloca num patamar de decisão racional

Não quero ser Modigliani na vida. Corri, você não me pega. Ficou para trás.

Uma poesia em co-autoria com minha amiga mais que poética, Karelayne Coelho, que descobriu os segredos do liquidicador. E fez um suco para a orelha.
Os encontros poéticos são, de fato, para sempre.

sexta-feira

Temos que sentir

Há uma música do Arnaldo Antunes, chamada "Socorro" que é um tiro na falta de sentimentos.

A letra é essa:

Socorro!
Não estou sentindo nada
Nem medo, nem calor, nem fogo
Não vai dar mais pra chorar
Nem pra rir...

Socorro!
Alguma alma mesmo que penada
Me empreste suas penas
Já não sinto amor, nem dor
Já não sinto nada...

Socorro!
Alguém me dê um coração
Que esse já não bate nem apanha
Por favor!
Uma emoção pequena, qualquer coisa!
Qualquer coisa que se sinta...
Tem tantos sentimentos
Deve ter algum que sirva
Qualquer coisa que se sinta
Tem tantos sentimentos
Deve ter algum que sirva...

Socorro!
Alguma rua que me dê sentido
Em qualquer cruzamento
Acostamento, encruzilhada
Socorro! Eu já não sinto
nada...
Socorro!
Não estou sentindo nada [nada]
Nem medo, nem calor, nem fogo
Nem vontade de chorar
Nem de rir...

Socorro!
Alguma alma mesmo que penada
Me empreste suas penas
Eu Já não sinto amor, nem dor
Já não sinto nada...

Socorro!
Alguém me dê um coração
Que esse já não bate
Nem apanha
Por favor!
Uma emoção pequena qualquer coisa!
Qualquer coisa que se sinta...
Tem tantos sentimentos
Deve ter algum que sirva
Qualquer coisa que se sinta
Tem tantos sentimentos
Deve ter algum que sirva...


Não sentir nada é horrível.

Até a tristeza pode ser uma poesia do compositor da dor e ser a letra de uma nova música que talvez nem toque. E que nem seja a minha canção preferida. Apesar de tudo, os encontros poéticos são mais que uma paixão desbotada e mais que uma amizade colorida.

Por isso, poeta, temos a realidade e a poesia. Eu prefiro, a última. Temos a Romaria na Insensatez Solar e na Lua de São Jorge. E o destilar do mel na noite da quinta.  De você, quero as palavras. Vamos fazer poesia, de noite ou de dia, em qualquer lugar.



 

quinta-feira

quarta-feira

O lado fatal

 
 
Maria Bethânia recitando Lya Luft:
O renascimento na escrita dolorida:
 
O lado fatal
I
Quando meu amado morreu, não pude acreditar:
andei pelo quarto sozinha repetindo baixo:
"Não acredito, não acredito."
Beijei sua boca ainda morna,
acarinhei seu cabelo crespo,
tirei sua pesada aliança de prata com meu nome
e botei no dedo.
Ficou larga demais, mas mesmo assim eu uso.
II
Muita gente veio e se foi.
Olharam, me abraçaram, choraram,
todos com ar de uma incrédula orfandade.
III
Aquele de quem hoje falam e escrevem
(ou aos poucos vão-se esquecendo)
é muito menos do que este, deitado em meu coração,
meu amante e meu menino ainda.
IV
Deus
(ou foi a Morte?)
golpeou com sua pesada foice
o coração do meu amado
(não se vê a ferida, mas rasgou o meu também).
Ele abriu os olhos, com ar deslumbrado,
disse bem alto meu nome no quarto do hospital,
e partiu. Quando se foram também os médicos e suas
[ máquinas inúteis,
ficamos sós: a Morte (ou foi Deus?)
o meu amado e eu.
Enterrei o rosto na curva do seu ombro
como sempre fazia,
disse as palavras de amor que costumávamos trocar.
O silêncio dele era absoluto: seu coração emudecido
e o meu, varados por essa dourada foice.
Por onde vou deixo o rastro de um sangue denso
[e triste
que não estancará jamais.
 V
Insensato eu estar aqui, e viva.
O rosto dele me contempla
vincado e triste no retrato sobre minha mesa;
em outros, sorri para mim, apaixonado e feliz.
Insensato, isso de sobreviver:
mas cá estou, na aparência inteira. Vou à janela esperando que ele apareça
e me acene com aquele seu gesto largo e generoso,
que ao acordar esteja ao meu lado
e que ao telefone seja sempre a sua voz. Sei e não sei que tudo isso é impossível,
que a morte é um abismo sem pontes
(ao menos por algum tempo). Sobrevivo, mas pela insensatez.
VI
Pensei que estávamos apenas no começo:
a casa mal-e-mal nos alicerces.
Mas provavelmente estava concluída
e eu não sabia.
Tínhamos erguido em nossos poucos anos
as paredes necessárias;
o telhado se inclinava ao jeito certo,
e havia vidraças nas janelas.
(Éramos felizes ali dentro
mesmo com as tempestades de fora.)
Tudo se construiu num lapso tão curto:
até a porta de entrada, por onde ele saiu
casualmente como quem vai comprar jornal.A porta está apenas encostada
embora pareça alta, dura, intransponível:
do lado de lá, o meu amor vê as maravilhas
que tanto nos intrigavam nesta vida.
 VII
Tanto escrevi sobre a morte
em livros e poemas nesses anos:
sempre achei que a entendia um pouco. Mas agora que ela me dilacerou a vida,
me rasgou o peito,
me levou o amado,
sinto que mal começo a compreender
sua mensagem:
tirando-o de mim, a morte o devolve
para que seja mais meu. Dentro de mim um quebra-cabeças, e nele
[o meu amado.
Nem Deus o tirará daqui.
 VIII
O meu amado morreu:
viver sem ele, como dói.
Não tivemos filhos juntos,
nosso passado foi tão breve que era sempre
[presente.
Um dia ele mandou fazer um par de alianças
de pesada prata, parecendo antigas;
gravou apenas nossos nomes, sem data, e disse:
"Somos um só desde sempre."
Ainda não acreditei em sua morte,
e talvez isso me salve por enquanto.
Levantar-me da cama cada dia é um ato heróico,
acender o cigarro, atender o telefone, tomar café.
Mas faço tudo isso:
falo, ando, recebo visitas.
Compro móveis para a casa onde moro sem ele,
imaginando: será que ele vai gostar? De algum secreto lugar me vem a força
para erguer a xícara, acender o cigarro,
até sorrir quando alguém me diz:
"Você hoje está com a cara ótima",
quando penso se não doeria menos
jogar-me de um décimo-primeiro andar.
IX
Amado meu, agora morto,
postado do lado de lá da fronteira que nos seduzia,
mudo e quedo como se não existisses:
eu sei que existes,
intensamente, ardentemente existes,
feito e desfeito no fogo de um amor maior que
[o nosso
mas que nos abrange. Amado meu, morto agora e para sempre vivo,
hás de ter ainda o intenso olhar que me entendia,
as curvas amorosas da boca que chamou meu nome,
as belas, inquietas mãos que ardiam nas minhas.
Ajuda-me agora, silencioso que estás,
a suportar a sobrevida
e a decifrar esse alto, intransponível muro que me
[cerca.
 X
Nunca tivemos filhos juntos, e ele reclamava:
"Nosso amor merecia um filho ao menos. "Nosso filho é a minha dor de hoje,
é a fulguração que nos deixava tontos,
é o novelo da memória que teço e reteço
nas minhas insônias. Nosso filho é o meu tempo de agora
para falar do meu amado:
da sua força e sua fragilidade,
da sua indignação e seus prantos,
da sua necessidade de ser amado e aceito
como finalmente deve estar sendo, por inteiro,
na realização de todos os seus vastos desejos.
 XI
O meu amor enveredou por sua morte
como quem vai a um encontro de amor:
impaciente.
Deixou-me este coração golpeado,
esta derrota.
Mas também ficou a claridade desses anos
e a sensação de que ele finalmente
vive o encontro de amor
que toda a devoção de minha vida não lhe poderia
[dar.(Um dia, celebraremos juntos.)
XII
Se me tivessem amputado braços e pernas
e furado o coração com frias facas
e cegado meus olhos com ganchos
e esfolado a minha pele como a de um podre bicho
- nada doeria mais
que te saber morto, amado meu,
depositado
nesse irremediável poço de silêncio de onde não
[respondes.(A não ser em sonho, quando me olhas
e tuas mãos tocam as minhas espalmadas,
abertas, feridas, vazias.)
 XIII
O meu amado morreu:
preciso viver sua morte até o fim.
Morreu sem que se instalasse entre nós cansaço e
[banalidade.
Talvez tenha morrido na medida certa
para nada se desgastar.
Dele me vem a dor, mas também a ternura,
a claridade que me permite ver
em todos os rostos o seu rosto
em todos os vultos o seu vulto
e ouvir em todos os silêncios
o seu inesperado riso de criança
 XIV
Estranha a vida:
fico tangendo meus dias
como um rebanho de ovelhas desordenadas
nessa triste e fria cidade de Porto Alegre
onde ele gostava de estar
olhando o pôr-do-sol e vendo amigos.
"Morrer é tomar um porre de não-desejo"
dizia o meu amado, que era um homem desejoso:
desejava a vida, desejava a morte, desejava
[a justiça,
desejava a eternidade e a paz. Estranha a vida:
quando releio uma frase sua,
"viver é modular a morte",
em sangue e dor preparo a minha ida. Estranho também esse amor,
com hora marcada para a mutilação
da morte, o minuto acertado,
e o fim consultando o relógio
para nos golpear. Estranho esse amor de agora,
com meu amado atrás de um espelho baço
onde às vezes penso divisar seu vulto
como num aquário.
Enrolado em silêncio,
mais que nunca o meu amor comanda a minha vida.
 XV
Não falem alto comigo:
andem sempre na ponta dos pés.
Principalmente, não me toquem.
Finjam que não vêem se tenho um jeito absorto,
se nem sempre entendo as perguntas
com a rapidez de antigamente,
se pareço fatigada
e sem graça como nunca fui. Façam silêncio ao meu redor.
Não me interessa nada o cotidiano nem o místico.
Não quero discutir o preço do mercado
nem os grandes mistérios da eternidade.
 XVI
Levo meu amado no peito
como quem carrega nos braços para sempre
uma criança morta.
 XVII
Amado meu, que tanto ensinaste
de mim a mim mesma, e do mundo
a quem o conhecia pouco: quando se desfizer escura a noite desta perda,
quero enxergar pelos teus olhos,
amar através do teu amor
as coisas que me restaram. Amado meu, vivo em mim para sempre,
apesar da ruga a mais
e do olhar mais triste,
devo-te isto:
voltar a amar a vida
como agora amas, inteiramente,
a tua morte.
Lya Luft

 
Não precisa de comentário.
Mas, o meu é esse:
Lidar com a morte do ser amado: é uma desolação, um completo abandono de si mesmo.
Um renascer dolorido, pior do que o nascimento.
É o dionisíaco que Nietszche nos fala em "A origem da tragédia". Ser forte quando tudo diz o contrário.
Ir adiante quando se quer parar. Recomeçar quando o tempo já foi e já era hora de partir.
A vida nos dá sempre a chance de ser.

terça-feira

Trecho da obra "O Primo Basílio", de Eça de Queiroz

"Tinha suspirado
Tinha beijado o papel devotamente
Era a primeira vez que lhe escreviam aquelas
sentimentalidades
E o seu orgulho dilatava-se ao calor amoroso que saia
delas
Como um corpo ressequido
que se estira num banho tépido
Sentia um acréscimo de estima por si mesma!
E parecia-lhe que entrava enfim numa existência
superiormente interessante...
Onde cada hora tinha seu intuito diferente
Cada passo conduzia um êxtase...
E a alma se cobria de um luxo radioso de sensações..."

Como gosto dos cantores que usam poesia/literatura na música. Declamações são um luxo.


Link: http://www.vagalume.com.br/marisa-monte/amor-i-love-you.html#ixzz2Mh30jAH0

sábado

E por falar em águas...


Há exatamente um mês, escrevi uma poesia que, entre culturalismos e fé, pedi a Iemanjá que levasse tudo que não fosse para ficar.


À Iemanjá.

No vermelho rio, as flores ofertadas, dançam em rodopio.
A vida, vai e vem, nestas ondas em cio... iemanjá me chamou e eu vim, e oferto, meus sentimentos, e os jasmins perfumados que colhi.

Oh, rainha das águas, quanto de seu azul são lágrimas salgadas? Suas mulheres ornadas são tão desejadas!
E sua força arrebatadora, sem exigir sacrifícios, tão festejada!

Oh, Rainha dos mares, das pescadoras de dores e amores, o sertão vai virar mar para te ofertar...as flores de cactus, as flores dos bulgaris, as flores que as agricultoras sertanejas colheram para te entregar.

Oh, Rainha dos Mar, no dois do dois, todo tempo é de amor.

E o que não é para ser, a maré levará.

Na correnteza da vida, nada fica, tudo muda,

Como as ondas que vão e vem, num ir e vir, do infinito, tudo que já foi não voltará. O tempo passa e leva o que não é para ficar.

Nas profundezas do mar azul, nas entranhas mais profundas dessa imensidão de águas, o mistério da criação é uma dor salgada e profunda, onde a criadora, mãe adorável, nos acalenta

E pergunta:
O que queres, onde vai chegar?

Leva, leva ondas do mar, leve para a grande senhora, leva para o lugar onde o azul se perde no horizonte, toda essa sujeita humana de sentimentos.

Afogue-os no mar revolto, nos liberte da tormenta.

E quando mais tarde tudo tiver terminado, possamos está purificados pela água benta, pela água salgada das lágrimas de todos que já passaram nesta vida.

Odoiá. Rainha do mar. Odoiá.

Hoje, 02 de março, repito: que as águas caiam e lavem a alma. Que a purifiquem. Que as águas tragam tudo que é para ficar. Porque o movimento é ir e vir, tal qual as ondas.

Leve, muito leve


"No fim tu hás de ver que as coisas mais leves são as únicas
que o vento não conseguiu levar:
um estribilho antigo
um carinho no momento preciso
o folhear de um livro de poemas
o cheiro que tinha um dia o próprio vento..."


 Mário Quintana

Da série "O poeta"



Ele me presenteou com Adélia Prado. Foi um encontro lindo. Que fantástica é a Adélia. Tão sensível. Tão mulher. Decerto, ama-se.

Gostei tanto das poesias:


O amor no éter

Há dentro de mim uma paisagem entre meio-dia e duas horas da tarde. Aves pernaltas, os bicos mergulhados na água, entram e não neste lugar de memória, uma lagoa rasa com caniço na margem. Habito nele, quando o...s desejos do corpo, a metafísica, exclamam: como és bonito! Quero escrever-te até encontrar onde segregas tanto sentimento. Pensas em mim, teu meio-riso secreto atravessa mar e montanha, me sobressalta em arrepios, o amor sobre o natural. O corpo é leve como a alma, os minerais voam como borboletas. Tudo deste lugar entre meio-dia e duas horas da tarde.
E
 
O Vestido

No armário do meu quarto escondo de tempo e traça meu vestido estampado em fundo preto. É de seda macia desenhada em campânulas vermelhas à ponta de longas hastes delicadas. Eu o quis com paixão e o vesti como um ...rito, meu vestido de amante. Ficou meu cheiro nele, meu sonho, meu corpo ido. É só tocá-lo, volatiza-se a memória guardada: eu estou no cinema e deixo que segurem a minha mão. De tempo e traça meu vestido me guarda.
 
E da frase:
 
"Escreve-se para dizer: sou mais que um simples corpo".
 
 
É isso mesmo. Somos mais que corpos. Temos alma. E essa alma que temos é um mistério de sentimentos e de sensibilidades. 
 

O amor é uma companhia

"O amor é uma companhia. Já não sei andar só pelos caminhos..." Fernando Pessoa

quarta-feira

Duas Caras

Essa poesia é dedicada à Nietzsche:
 
Ele é feio. Pensei comigo. Muito feio.
Não acho! Considerou a Verdade.
Claro que é muito feio.
Ele é belo, perfeito.
Ora, ora. De que falas?

Embriagada? Para afirmar uma inverdade desta?
Apolo olhou frente à frente e não viu seu rosto.
Espelhou-se na luminosidade do sol, transfigurou-se.
De que falas? Não percebe seu erro?
Lindo é Dioniso. O mais belo dos belos. Arrebatador, forte e extasiante.
É necessário examinar de perto!
Ele é bom, muito bom. Um anjo de candura e bondade.
Estás louca? Não enxerga?
Ele é odiável, uma pessoa cruel.
Não estamos falando da mesma pessoa.
É que tu me apareces como uma pista de dança para os acasos divinos.
Música. Fogo. Tragédia. Desolação. Tristeza. Infortúnio. A redenção.
Contemplação.
É com os pés do acaso que as Verdades preferem dançar.
A dança afirma o devir e o ser do devir.
Não há muito por aqui. Nem ali. Nem acolá.
Não existe limite para o sentir.
Destino malvado.
“E, neste momento, o deus tentador sorriu seu meio-sorriso alciônico,
Exatamente como se tivesse dito uma encantadora amabilidade”.
Ditirâmbica transformação ecoou em uma nova visão apolínica da tragédia.
Um mar eterno, uma trama mutante, um quadro destroçado.
Perguntar: qual meu destino?
Não queira saber.
Eu quero.
Insisto. Eu quero.
Não devia ter nascido. Já que nasceu, cuide em morrer. Contemplarei do horizonte.
O mito nos resguarda da música.
Que cruel! Dionisíaco, apolínico e belo.

terça-feira

O beijo das pedras

O beijo das pedras
O beijo – de Bel Borba
De repente, não mais que de repente, duas pedras se encontraram sem querer. E sem querer se olharam. E sem querer se entreolharam. E sem querem conversaram. Da conversa furtiva, um esboço de sorriso nos lábios vermelhos da pedra de vermelho. E eis que a pedra vestida de cinza soltou um gemido de dor que compadeceu a pedra vermelha. Kundera também imaginou que o sentimento pode surgir do querer cuidar, do compadecimento com o outro. Não tenha pena. Não tenha dó. As pedras se reencontraram e falavam sobre a teoria do amor. E numa bela noite de lua cheia as duas pedras se aproximaram e sentiram os lábios duros. E sentiram a falta do amor. A falta de amar. A falta de uma. A falta da outra. Sentimentos do mundo estão nas pedras centenárias. As pedras têm coração. As pedras sentem. As pedras eram pedras. Tinham coração e lábios de pedra. Nada sentiam? Nada diziam? Não poderiam amar? Não sentir é morrer.  Viver é sentir. Desejaram nos lábios. Elas não tinham mãos, nem pés, nem cabeças; só tinham bocas. Não tinham cabelos, não tinham coxas, no entanto podiam amar. O amor é sensível e inteligível, é humano e divino. E até as pedras se amaram, e também se fortificaram. E as pedras resolveram o enigma do Banquete de Platão. E das pedras brotou o amor. Ali se fincaram. O tempo passou. E descobriram mais: que todo relacionamento tem prazo de validade. O amor acabou. Elas se jogaram no desfiladeiro. Cada qual construiu novo caminho. Transformaram-se: uma foi ser castelo, outra cemitério. A vida continuou.

quarta-feira

Valeu a pena?

Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.
Fernando Pessoa

quinta-feira

Dia do Índio

"Indiozinho
Hoje me chamam de  ministro
   E eu decido sob respeitável toga.
   Meu coração, porém, não mudou nada.
   Continuo um romântico indiozinho a remar sua piroga
   E a cismar por entre as árvores, à noitinha,
   Vendo em cada pirilampo e em cada estrela
   Os faiscantes olhos da namoradinha." Carlos Ayres Britto,  in "Ópera do Silêncio"

sábado

Negro Preconceito Prostituto


Banhada de um sangue turvo, gemendo e chorando no leito da morte,
Numa noite fria,
As palavras lhe escapavam em profusão:

Por que o preconceito? Para que o preconceito?
Humilhou-me, por quê?
Bateu-me, por quê?
Violentou-me, por quê?
Inferiorizou-me, por quê?

Não mereço.
Nasci assim. Sou mulher.
Quero meu corpo, rosto e coração. Quero meu salário.
Quero sua admiração.
Sou forte. Destemida. Enfrento ventos, redemoinhos, partos, dores.
Dou-lhe a vida. Quero a vida.
Quero amor. Quero amar. Quero uma rosa.
Quero tudo. Posso tudo.

Um transeunte passava e ouviu seu último grito:
Amem-me.

Morreu dignificando sua dura vida.
E na morte viveu.
Amém.

Uma poesia para o Dia Internacional da Mulher. Que a data de oito de março seja emblemática de uma luta que continua. Ser mulher é um estado de glória e de discriminação.
Ezilda Melo, Salvador - Março de 2012.

segunda-feira

Ano Novo

Refletindo sobre esse poema:

RECEITA DE ANO NOVO

Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?)

Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumadas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.
Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre


Carlos Drummond de Andrade

Sobre o Direito

Antes tê-lo a perdê-lo. Ezilda Melo

Sobre o Direito e Justiça

"Não são sinônimos, nem antônimos. Necessitam um do outro para ter credibilidade".

No twitter podemos escrever frases assim, e nem comentá-las. Que os outros comentem-as.

quinta-feira

Poesia para o dia dos namorados

 

Nós dois

Meu corpo
Em seu corpo:
Pura sintonia.

Meu suor,
Em seu suor:
Pura alegria.

Meus gritos
e seus gemidos:
pura sinfonia.

Minha vida
Em sua vida:
Pura poesia.

Um lindovídeo com uma música que marcou minha adolescência, Eduardo e Mônica:

Além do Olhar

 Essa poesia está num outro livro não publicado. Chama-se "Além do Olhar", reflete uma fase bem pueril de minha vida:

Se meus olhos fossem de poeta,

 olharia a vida com uma lente colorida:



Veria no rosto dos tristes, uma felicidade rosa.

No coração dos que sofrem, uma pureza branca.

Nas mãos dos oprimidos, uma alegria dourada.

No sorriso de uma criança, uma esperança verde.

E nos seus olhos, o brilho prateado do amor.



Mas, meus olhos não são de poeta:

Vejo o mundo em preto em branco,

E minha transparência impede de ver-me...

Reflito o que acho que sou,

Além do seu olhar.

Um presente

Um presente 
 
Queria ser o veludo mais macio e delicado,

A sensação mais gostosa de se tocar...


Queria ser a fruta mais doce e saborosa,

Que à fome de todos pudesse saciar...


Queria ser o perfume com a essência mais

Inebriante que Suskind não pudesse nem sonhar...


Queria ser o som mais morno e bonito,

Para que todos quando o ouvisse, pudessem se acalmar...


Queria ser uma mistura que além de toda esta

Maciez, doçura, fragrância e melodia, irradiasse

Do meu mais íntimo, uma luz celestial com a pureza de Deus.

Neste dia, eu seria uma poesia,

Para que você pudesse me ler...