terça-feira

O beijo das pedras

O beijo das pedras
O beijo – de Bel Borba
De repente, não mais que de repente, duas pedras se encontraram sem querer. E sem querer se olharam. E sem querer se entreolharam. E sem querem conversaram. Da conversa furtiva, um esboço de sorriso nos lábios vermelhos da pedra de vermelho. E eis que a pedra vestida de cinza soltou um gemido de dor que compadeceu a pedra vermelha. Kundera também imaginou que o sentimento pode surgir do querer cuidar, do compadecimento com o outro. Não tenha pena. Não tenha dó. As pedras se reencontraram e falavam sobre a teoria do amor. E numa bela noite de lua cheia as duas pedras se aproximaram e sentiram os lábios duros. E sentiram a falta do amor. A falta de amar. A falta de uma. A falta da outra. Sentimentos do mundo estão nas pedras centenárias. As pedras têm coração. As pedras sentem. As pedras eram pedras. Tinham coração e lábios de pedra. Nada sentiam? Nada diziam? Não poderiam amar? Não sentir é morrer.  Viver é sentir. Desejaram nos lábios. Elas não tinham mãos, nem pés, nem cabeças; só tinham bocas. Não tinham cabelos, não tinham coxas, no entanto podiam amar. O amor é sensível e inteligível, é humano e divino. E até as pedras se amaram, e também se fortificaram. E as pedras resolveram o enigma do Banquete de Platão. E das pedras brotou o amor. Ali se fincaram. O tempo passou. E descobriram mais: que todo relacionamento tem prazo de validade. O amor acabou. Elas se jogaram no desfiladeiro. Cada qual construiu novo caminho. Transformaram-se: uma foi ser castelo, outra cemitério. A vida continuou.

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