quarta-feira

Direito à água

Fui convidada para debater sobre o direito à água. Procurei dentro de mim e encontrei muitas informações, dúvidas, anseios, em relação ao tema.
Primeiro, refleti sobre minha história. Sobre minha ligação com o tema a partir de minhas vivências pessoais.
Sou nordestina. Sou sertaneja.  Sou de Caicó-RN. Cidade linda, de um povo bom, terra de Nossa Senhora Santana.  Cidade que se imortalizou no cancioneiro popular em refrões já cantados por Milton Nascimento, Ney Matogrosso, Elba Ramalho, Alceu Valença, Zé Ramalho:
Ó, mana, deixa eu ir
ó, mana, eu vou só
ó, mana, deixa eu ir
para o sertão do Caicó
Eu vou cantando
com uma aliança no dedo
eu aqui só tenho medo
do mestre Zé Mariano
Mariazinha botou flores na janela
pensando em vestido branco
véu e flores na capela

Caicó já viu a seca de perto. Meus antepassados sofreram com a tão famigerada seca, a falta de água e todos os matefícios decorrentes disso.
Meses bons são os meses de chuva, os meses do início do ano, entre fevereiro e junho. O sertanejo refere-se aos meses de chuva como se o “inverno” tivesse começado.  
Sofrer pela falta de água em regiões como essa ainda é uma realidade. Esperar que a água caia do céu é mais do que uma experiência metafórica., é uma realidade nua e crua.
Passada minha infância e toda a ansiedade para saber se o ano seria de seca ou não, cheguei aos 17 anos e fui estudar na Paraíba, fazer meus Cursos de Direito e História. Foi na minha querida Campina Grande que tive a honra de ser aluna, na UFCG, do estimado Durval Muniz de Albuquerque Júnior. Ser sua aluna e orientanda foi de grande valia para minha trajetória acadêmica. Uma obra como “A Invenção do Nordeste”, que vi ser gerada, é um dos grandes referenciais para a discussão da identidade do que entendemos por nordestino, como  também para discutir o problema da falta de água no Nordeste.  Em certo momento da anunciada obra, Durval nos diz:
“O Nordeste é, portanto, filho da modernidade, mas é filho reacionário, maquinaria imagético-discursiva gestada para conter o processo de desterritorialização por que passavam os grupos sociais desta área, provocada pela subordinação a outra área do país que se modernizava rapidamente: o Sul”. (...) O Nordeste, na verdade, está em toda parte desta região, do pais, e em lugar nenhum, porque ele é uma cristalização de estereótipos que são subjetivados como característicos do ser nordestino e do Nordeste. Estereótipos que são operativos, positivos, que instituem uma verdade que se impõem de tal forma, que oblitera a multiplicidade das imagens e das falas regionais, em nome de um feixe limitado de imagens e falas-clichês, que são repetidas ad nausem, seja pelos meios de comunicação, pelas artes, seja pelos próprios habitantes de outras áreas do país e da própria região”.
A falta de água no Nordeste insere-se perfeitamente numa questão política e jurídica. Politicamente, o discurso do combate à seca ainda elege muitos dos representantes políticos do Nordeste brasileiro, e juridicamente, a Constituição Federal além de garantir esse direito fundamental, deveria ter criado meio assecuratório de fazer valer esse direito. O Brasil tem um grande manancial de águas. As pessoas têm o direito de permanecer nas regiões que se identificam cultural e socialmente. Portanto, a grande batalha que o Direito deve travar é fazer com o direito à água seja de todos. Efetivamente, de todos.
Deixo a dica de leitura: "A invenção do Nordeste e outras artes", de Durval Muniz de Albuquerque Júnior.

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