Um resumo que fiz que de um texto muito interessante e que usei na Seleção do Mestrado da UFBA 2012.2:
“Interesses Públicos versus Interesses Privados: desconstruindo a supremacia do interesse público”, organizado por Daniel Sarmento.
Um conjunto precioso de textos que procuram revigorar o estudo do direito administrativo em um momento em que ele vive uma crise de identidade. O velho Estado burocrático já não seduz o espírito, nem realiza seu papel.
Prefácio: O Estado contemporâneo, os Direitos Fundamentais e a Redefinição da Supremacia do Interesse Público - Luís Roberto Barroso-UERJ
1) Resumo do livro: os textos aqui apresentados questionam o paradigma tradicional do direito administrativo, expresso na existência de uma supremacia do interesse público sobre o interesse privado.
2) o Estado ainda é protagonista
Trajetória pendular do Estado ao longo do século XX:
- Liberal: com funções mínimas, em uma era de afirmação dos direitos políticos e individuais;
- social: após o 1/4, assumindo encargos na superação das desigualdades e na promoção dos direitos sociais;
- neoliberal (na virada do século): concentrando-se na atividade de regulação, abdicando da intervenção econômica direta, em um movimento de desjuridicização de determinadas conquistas sociais;
O Estado ainda é a grande instituição do mundo moderno.
Superados os preconceitos liberais, a doutrina publicista reconhece o papel indispensável do Estado na entrega de prestações positivas e na proteção frente à atuação abusiva dos particulares.
A presença do Estado em uma relação jurídica exigirá, como regra geral, um regime jurídico específico, identificado como de direito público.
Em um Estado democrático de Direito não subsiste a dualidade cunhada pelo liberalismo, contrapondo Estado e sociedade. O Estado é formado pela sociedade e deve perseguir os valores que ela aponta.
POS-POSITIVISMO, CENTRALIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E A ONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO
A dogmática jurídica brasileira sofreu nos últimos anos, o impacto de um conjunto novo e denso de ideias, identificadas sob o rótulo genérico de pós-positivismo ou principialismo. Trata-se de um esforço de superação do legalismo estrito, característico do positivismo normativista, sem recorrer às categorias metafísicas do jusnaturalismo.
Nele se incluem, dentre outros: a formação de uma nova hermenêutica constitucional, o desenvolvimento de uma teoria dos direitos fundamentais edificada sobre o fundamento da dignidade humana e a Reaproximação do Direito e da Ética.
A passagem da CF para o centro do sistema jurídico. A principal manifestação da preeminência normativa da CF consiste em que toda ordem jurídica deve ser lida à luz dela e passada pelo seu crivo.
Toda interpretação jurídica é também constitucional.
Qualquer operação de realização de direito envolve a aplicação direta ou indireta da CF. Direta, quando uma pretensão se fundar em uma norma constitucional; e indireta, quando se fundar em norma infraconstitucional, por duas razões:
1) antes de aplicar a norma, o intérprete deverá verificar se ela é compatível com a CF, porque, se não for, não poderá fazê-la incidir;
2)ao aplicar a norma, deverá orientar seu sentido e alcance à realização dos fins constitucionais.
SENTIDO E ALCANCE DA NOÇÃO DE INTERESSE PÚBLICO NO DIREITO CONTEMPORÂNEO
Iremos utilizar uma distinção fundamental, de origem italiana, e pouco disseminada na doutrina e jurisprudência brasileira:
1) Interesse Público Primário: é a razão de ser do Estado e sintetiza-se nos fins que cabe a ele promover: justiça, segurança e bem-estar, que são interesses de toda sociedade. Interesses gerais da coletividade. Desfruta de hierarquia porque não é passível de ponderação. Ele é o parâmetro da ponderação, porque consiste na melhor realização possível da vontade constitucional, dos valores fundamentais que ao intérprete cabe preservar ou promover.
2) Interesse Público Secundário: é o da pessoa jurídica de direito público que seja parte em uma determinada relação jurídica – quer se trate da U-E-DF-M ou das suas autarquias. Interesses particulares que o Estado possui. Pode ser identificado como o interesse do erário, que é o de maximizar a arrecadação e minimizar as despesas. Jamais desfrutará de supremacia a priori e abstrata em face do interesse particular.
3) Na colisão entre interesse público primário e secundário: caberá ao intérprete proceder à ponderação adequada, á vista dos elementos normativos e fáticos relevantes para o caso concreto. O interesse público primário, consubstanciado em valores fundamentais como justiça e segurança, há de desfrutar de supremacia em um sistema constitucional democrático.
4) Na colisão entre o interesse público consubstanciado em uma meta coletiva e o interesse público primário que se realiza mediante a garantia de um direito fundamental: o intérprete deverá observar dois parâmetros: a dignidade humana e a razão pública.
Exemplos de colisão: liberdade de expressão x manutenção de padrões mínimos de ordem pública; direito de propriedade x um sistema justo e solidário no campo; propriedade industrial x proteção da saúde; justiça x segurança.
Razão Pública: importa em afastar dogmas religiosos ou ideológicos e utilizar argumentos que sejam reconhecidos como legítimos por todos os grupos sociais. Consiste na busca de elementos constitucionais essenciais e em princípios consensuais de justiça, dentro de um ambiente de pluralismo jurídico. O interesse público primário não se identifica com posições estatistas ou antiestatistas.
Princípio da Dignidade da Pessoa Humana: sintetiza-se na máxima kantiana segundo a qual cada indivíduo deve ser tratado como um fim em si mesmo. Pretende evitar que o ser humano seja reduzido à condição de meio para a realização de metas coletivas ou de outras metas individuais. Exemplo: se determinada política representa a concretização de importante meta coletiva, mas implica a violação da dignidade humana de uma só pessoa, tal política deve ser preterida.
Em um Estado Democrático de Direito, assinalado pela centralidade e supremacia da CF, a realização do interesse público primário se consuma, muitas vezes, pela satisfação de determinados interesses privados. Por exemplo: assegurar a integridade física de um detento, preservar a liberdade de expressão de um jornalista, prover à educação primária de uma criança são, inequivocamente, formas de realizar o interesse público, mesmo quando o beneficiário for uma única pessoa privada.
O interesse público se realiza quando o Estado cumpre satisfatoriamente o seu papel, mesmo que em relação a um único cidadão.
Resumo do texto “Interesses Públicos versus Interesse Privados na perspectiva da Teoria e da Filosofia Constitucional, de Daniel Sarmento.
1. Introdução
Exposição de fatos: o presente estudo volta-se para análise dos conflitos entre interesses públicos e privados no ordenamento jurídico brasileiro.
Objetivos:
1) Mostrar, com aportes da filosofia constitucional e da teoria dos direitos fundamentais, que o chamado princípio da supremacia do interesse público sobre o particular não constitui critério adequado para a resolução destas colisões;
2) Demonstrar que a cosmovisão subjacente ao princípio em debate apresenta indisfarçáveis traços autoritários, que não encontram respaldo numa ordem constitucional como a brasileira, em cujo epicentro axiológico figura o princípio da dignidade da pessoa humana.
3) Sugerir caminhos alternativos mais adequados à ordem constitucional brasileira e mais consentâneos com os princípios humanistas a ela subjacentes.
A doutrina nacional, a exemplo de Celso Antonio Bandeira de Mello, Hely Lopes Meirelles, Fábio Medina Osório atribui importância capital na definição do regime jurídico-administrativo. Tal princípio é empregado para justificar uma série de prerrogativas detidas pela Administração Pública. Deste princípio decorre a verticalidade das relações travadas entre Administração Pública e administrados, caracterizada pelo desequilíbrio sempre em favor do Estado. Classificação muito usual nos manuais de IED também.
Vozes autorizadas vêm se levantando na doutrina para contestar a existência do princípio em pauta: Daniel Sarmento, Humberto Ávila, Ricardo Lobo Torres, Gustavo Binenbojm, Alexandre dos Santos Aragão, Paulo Ricardo Shier, Marçal Justen Filho.
Por que? Não só porque divisamos uma absoluta inadequação entre o princípio da supremacia do interesse público e a ordem jurídica brasileira, como também pelos riscos que sua assunção representa para a tutela dos interesses fundamentais. Parece-nos que o princípio em discussão baseia-se numa compreensão equivocada da relação entre pessoa humana e Estado, francamente incompatível com o leitmotiv do Estado Democrático de Direito, de que as pessoas não existem para servir aos interesses públicos ou à sociedade política, mas, ao contrário, estes é que se justificam como meios para a proteção e promoção dos direitos humanos.
Acrescente-se a isso a absoluta indeterminação do conceito de interesse público, por não se ter uma noção homogênea de bem comum ou de vontade geral. Neste quadro, a profunda indeterminação semântica do conceito pode permitir às autoridades públicas que o manuseiem as mais perigosas malversações.
O interesse público periga tornar-se o novo figurino para a ressurreição das “razões de Estado”, postas como obstáculos intransponíveis para o exercício de direitos fundamentais.
Porém, na análise do tema é recomendada redobrada cautela:
1) De um lado, a subordinação dos direitos individuais ao interesse coletivo pode ser um perigo para totalitarismos;
2) De outro, a desvalorização total dos interesses públicos diante dos particulares pode conduzir à anarquia e ao caos geral.
No Brasil, temos costumes políticos e administrativos ainda anacrônicos, que tem dentre as suas mais perniciosas disfunções a confusão perene entre o público e o privado, caracterizada pela gestão da res publica por agentes estatais como se fosse privada.
2. Público Privado no Passado e no Presente
Uma das grandes dicotomias sobre as quais se erigiu o pensamento político e social foi exatamente a distinção entre público e privado. Esta clivagem deu origem, por exemplo, a clássica summa diviso, que desdobra o Direito em Público e Privado.
Objetivos desse item:
2.1. Demonstrar que as fronteiras entre o público e o privado são extremamente móveis e instáveis, e que a prioridade atribuída a cada um dos elementos do par também oscila ao sabor das mutações políticas e cosmovisivas.
2.2. Comprovar que esta dicotomia não traduz critério legítimo para solução dos conflitos de interesses surgidos na sociedade contemporânea.
De acordo com Nelson Saldanha, com a bela metáfora, público e privado seriam o jardim e a praça.
Ele faz uma análise histórica dos três critérios (prevalência do interesse, natureza das relações jurídicas e subjetivo) utilizados para demarcar essa divisão.
Ao longo da história, o pêndulo tem oscilado no sentido da priorização ora da dimensão pública da vida humana, ora da privada:
Grécia Antiga: dava-se importância à vida pública do cidadão, através da sua participação política na definição dos destinos da sua comunidade;
Idade Média: opera-se uma completa inversão. Renascimento: individualismo
Estado Moderno: na sua feição absolutista, a relação entre público e privado torna-se mais complexa e já implicava no predomínio da autoridade pública sobre a vontade dos particulares.
Estado Liberal: delineia-se uma separação mais nítida entre as esferas pública e privada. Tratava-se de limitar juridicamente o poder do Estado em prol da liberdade dos governados. Durante esse período, o Código Civil desempenhou, nos países de tradição jurídica romano-germânica, o papel de uma espécie de constituição da sociedade. Era inegável, a prioridade axiológica do privado em detrimento do público.
Welfare State, no século XX, assistiu-se a uma crescente intervenção do Estado nos mais diversos domínios. A Era da Descodificação. Neste contexto, a proteção das liberdades privadas é relativizada.
Final do Século XX – crise do Estado Social, percebeu-se um movimento de retorno do pêndulo em direção ao privado. O Estado, antes visto como agente redentor das classes desfavorecidas e racionalizador da economia, passa a ser associado no imaginário social à ineficência, à burocracia excessiva, ao desperdício. Fuga do D. Administrativo para o Direito Privado.
Globalização: fragilizou o Estado. Neste contexto, os poderes privados se fortaleceram, sobretudo as grandes empresas transnacionais. Lex Mercatoria x Direito produzido pelas fontes tradicionais do Estado. Retrocesso nos níveis de proteção às populações carentes proporcionados pelos direitos sociais.
Neste contexto, as fronteiras entre público e privado estão mais nebulosas. Se, por um lado, o Direito Público se privatiza, por outro não anula a publicização do Direito Privado. Trata-se de processo de progressiva constitucionalização. Este fenômeno, a partir da CF/88, significa a imposição de uma releitura das normas e institutos do D. Privado filtrados a partir da axiologia constitucional, diante do reconhecimento de que a CF não representa apenas a norma básica do Estado, mas a ordem jurídico-fundamental da comunidade. Nasce a necessidade de revisitação de vetustas categorias civilísticas, como propriedade, posse, contrato, família. Consolida-se o reconhecimento da incidência dos direitos fundamentais no campo das relações privadas.
A doutrina e jurisprudência hoje proclamam que, para bem desempenharem o seu papel de proteção e promoção da dignidade da pessoa humana, devem eles vincular também os particulares. A autonomia privada é também uma dimensão relevante da dignidade humana.
Temos ainda o terceiro setor, que é público, mas não estatal. A exemplo das ONG´s, associações de moradores, entidades de classe e outros movimentos sociais.
Portanto, a clivagem público/privada torna-se por demais singela para explicar o atual cenário, em que há múltiplos espaços da vida humana, pautados por lógicas diversas. Parece-nos necessária a manutenção e até mesmo a solidificação de determinadas fronteiras entre público e privado. Daí a importância da consagração constitucional do direito de privacidade e de direitos fundamentais de liberdade.
O critério público/privado não é útil par resolução de conflitos de interesse que se estabeleçam numa sociedade aberta e democrática, seja pela imprecisão e indeterminação intrínseca, seja pelo reconhecimento de que ambas dimensões são igualmente importantes para realização existencial da pessoa, e é a pessoa, e não o Estado, o valor-fonte do ordenamento jurídico, na feliz expressão de Miguel Reale.
3. Pessoa, Sociedade e Constituição
Há compatibilidade da ideia de supremacia do interesse público sobre o privado com o conceito de pessoa que foi acolhido pela CF/88.
A afirmação da supremacia do interesse da coletividade sobre aqueles pertencentes a cada um dos seus componentes pode ser justificada a partir do organicismo (teoria que concebe as comunidades políticas como uma espécie de todo vivo. O organismo superior é o Estado. Revela-se totalmente incompatível com o princípio da dignidade da pessoa humana) e do utilitarismo (uma das mais importantes teorias morais da modernidade, doutrina segundo a qual a melhor solução para cada problema político-social é sempre aquela apta a promover em maior escala os interesses dos membros da sociedade. Reconhece a igualdade intrínseca entre todas as pessoas. É uma concepção ética consequencialista. No entanto, o utilitarismo não trata adequadamente os direitos fundamentais como direitos situados acima dos interesses da maioria). Já a tese da supremacia incondicionada dos direitos individuais sobre os interesses da coletividade assenta-se sobre o individualismo (a primazia axiológica é o indivíduo).
A prevalência há de ser aferida mediante uma ponderação equilibrada dos interesses públicos e privados, pautada pelo princípio da proporcionalidade, baseando-se no personalismo (afirma a primazia da pessoa humana sobre o Estado e qualquer entidade intermediária, e reconhece no indivíduo a capacidade moral de escolher seus projetos e planos de vida. Par o personalismo é absurdo falar em supremacia do interesse público sobre o particular, mas também não é correto atribuir-se primazia incondicionada aos direitos individuais em detrimento dos interesses da coletividade).
O personalismo não concebe o indivíduo como uma ilha, mas como ser social, cuja personalidade é composta também por uma relevante dimensão coletiva.
4. As restrições aos direitos fundamentais e os interesse públicos
Os direitos fundamentais não são absolutos.
Tem-se entendido que o caráter principiológico das normas constitucionais protetivas dos direitos fundamentais permite ao legislador que, através de uma ponderação constitucional dos interesses em jogo, estabeleça restrições àqueles direitos, sujeitas, no entanto, a uma série de limitações (são os chamados “limites dos limites”).
Na doutrina e jurisprudência brasileira admite-se a realização de restrições a direitos fundamentais operadas no caso concreto, através de ponderações de interesses feitas diretamente pelo Poder Judiciário. Antes de cogitar-se na ponderação, é necessário verificar se, de fato, existe na situação concreta um verdadeiro conflito entre interesse público e privado. Há convergência entre os interesses público e privado, e não colisão.
A ideia da dimensão objetiva dos direitos fundamentais prende-se à visão de que os direitos fundamentais cristalizam os valores mais essenciais de uma comunidade política. O interesse público é composto pelos interesses particulares dos membros da sociedade. De acordo com Gustavo Binenbojm, “muitas vezes, a promoção do interesse público- como conjunto de metas gerais da coletividade – consiste, justamente na preservação de um direito individual, na medida do possível.
Questionamentos:
1) É possível a restrição de direitos fundamentais visando exclusivamente a tutela de interesses coletivos? Ronal Dworkin e John Rawls respondem negativamente à questão.
2) A posição privilegiada dos direitos fundamentais morais chega ao ponto de lhes atribuir uma prevalência absoluta e integral sobre outros bens jurídicos, mesmo os revestidos de estatura constitucional, não importando o contexto fático? Resposta de Sarmento: a recusa à possibilidade de qualquer ponderação entre direitos fundamentais e interesses coletivos não parece conciliar-se com a premissa antropológica personalista, subjacente às constituições sociais. A efetivação dos direitos fundamentais demanda a formulação e implementação de políticas públicas pelo Estado. Portanto, parece-nos constitucionalmente possível a restrição de direitos fundamentais com base no interesse público.
3) Os direitos fundamentais sempre cedem diante dos interesses da coletividade?
A fragilização da força normativa dos direitos fundamentais não seria compatível com regime constitucional que lhes atribui eficácia reforçada, e que coloca num primeiro plano o princípio da dignidade da pessoa humana.
Limites aos direitos fundamentais: diretamente no texto da CF, autorizados pela CF, prevendo a edição de lei restritiva (mas não dá autoriza o legislador a qualquer tipo de limitação. Tem que ter previsão em leis gerais e respeito ao princípio da proporcionalidade em sua tríplice dimensão – adequação, necessidade e proporcionalidade, e não atingimento do núcleo essencial do direito em questão), decorrer de restrições não expressas.
4) O âmbito de proteção dos direitos fundamentais deve ser desenhado de modo a excluir qualquer tutela jurídica sobre exercícios que contrariem interesses da coletividade?
A admissão de cláusulas muito gerais de restrição de direitos fundamentais – como o da supremacia do interesse público, implica em violação aos princípios democráticos e da reserva de lei, em matéria de limitação de direitos, já que transfere para a Administração a fixação concreta dos limites ao exercício de cada direito fundamental. Essa indeterminação pode também comprometer a sindicabilidade judicial dos direitos fundamentais, por privar os juízes de parâmetros objetivos de controle.
5) Seria difícil pensar numa limitação mais vaga e indeterminada aos direitos fundamentais do que a proteção do interesse público? Afinal, o que é o interesse público?
Essa supremacia elimina qualquer possibilidade de sopesamento, premiando de antemão, com a vitória completa e cabal, o interesse público envolvido, e impondo o consequente sacrifício do interesse privado contraposto. Incompatível com o princípio da hermenêutica constitucional, que obriga o intérprete a buscar, em casos de conflitos, solução jurídica que harmonize, na medida do possível, os bens jurídicos constitucionalmente protegidos, sem optar pela realização integral de um, em prejuízo do outro. Descompasso com a ordem constitucional brasileira.
O ideal: procura racional de solução equilibrada entre o interesse público e privado implicados no caso.
Ao invés de uma supremacia a priori e absoluta do interesse público sobre o particular, ter-se-ia apenas uma regra de precedência prima facie. Do contrário, fragilizaremos demais os direitos fundamentais, que não são dádivas do poder público, mas a projeção normativa de valores morais superiores ao próprio Estado. Os direitos fundamentais despotam com absoluto destaque e centralidade.
Diante de um conflito, que exija a ponderação, os direitos fundamentais devem preponderar sobre os demais enunciados normativos e normas.
5. Interesse privados que não constituem direitos fundamentais:
Ocorre que nem todo interesse particular pode ser qualificado como direito fundamental. Direitos fundamentais são apenas alguns interesses especialmente relevantes, relacionados à proteção e promoção da dignidade da pessoa humana, que, pela sua elevada significação, foram postos pela CF acima do poder das instâncias deliberativas ordinárias.
É inadequado falar em supremacia do interesse público sobre o particular mesmo em casos em que o último não se qualifique como direito fundamental. A Administração não deve perseguir os interesses privados dos governantes, mas sim os pertencentes à sociedade. Ao Estado incumbe a obrigação de sopesar os interesses privados legítimos envolvidos em cada caso.
Os direitos fundamentais são protegidos mesmo quando contrariem os interesses da maioria dos membros da coletividade.
A solução para a colisão não é singela. E usar a preferência do princípio do direito públi como superior é não levar a sério os direitos fundamentais.
6. Observações Finais
Negar a supremacia do interesse público sobre o particular e afirmar a superioridade prima facie dos direitos fundamentais sobre os interesses da coletividade pode parecer para alguns uma postura anti-cívica. No entanto, o civismo que interessa é o do patriotismo constitucional (Habermas), que pressupõe a consolidação de uma cultura de direitos humanos. Não somos súditos do Estado e sim cidadãos. Somos sujeitos da História e não objetos. Requeremos um Estado que respeite profundamente os interesses legítimos do cidadão.