O Professor Paulo Ferreira da Cunha respondeu essas quatro perguntas para o Revista A Barriguda. Eis que as noticio aqui neste espaço também:
1) Gostaríamos de saber como escolheu o Direito e como se deu o início de sua trajetória profissional na área jurídica.
A
opção pelo Direito seguiu-se no meu caso a vocação sucessiva pela
Química, pela Arqueologia e pela Pintura, de modo nenhum por um gosto
(raro, ao que dizem) pelas normas, mas com dois objetivos práticos.
Naquele tempo, em Portugal, em que tive de decidir, quase não havia
políticos que não fossem ou engenheiros (nas coisas práticas) ou
juristas (nas demais), e era também a quase única formação para a
carreira diplomática. Entre os 12 e os 14 ou 15 anos, antes da Revolução
dos Cravos, as hipóteses de uma carreira política eram para mim
remotas, mas era assunto que já teoricamente me interessava. E achava
ingenuamente que deveria estar preparado caso os ventos passassem a
soprar pela democracia... Contudo, quando decidi pelo curso e quando
depois, aos 18 anos, entrei para a Faculdade de Direito de Coimbra (já
depois da reinstauração da democracia), o meu objetivo era apenas
claramente seguir a carreira diplomática. Tal acabou por não acontecer
apenas porque, terminada a graduação, começaram a aparecer sugestões,
incentivos e convites para a docência.
Porém, ainda cheguei a ser advogado algum (pouco) tempo.
Essa
perspetiva não causídica (e também sem querer ser professor) levou-me
contudo a estudar todo o curso na que julgo ser a melhor forma de todas:
estudar rigorosamente para passar (o mais seria lucro) e aprofundava
apenas o que gostava muito.
2) Quais temas serão abordados em sua coluna?
Tenho
uma visão pósdisciplinar do Direito. Nada do que é humano lhe é
alheio. Assim, creio que me vou permitir falar sobre tudo o que é
Cultura e Vida, em diálogo com o Direito... Claro que tenho temas
prediletos. Mas isso já saberá quem me tiver lido antes...
3) Quais as motivações e objetivos ao escrever sobre este tema?
A
motivação é precisamente a unidade dos saberes e a incindibilidade das
experiências e das ações. É preciso viver como se pensa e pensar como se
vive. E isso também quando se fala de Direito. Os objetivos são
modestamente ir contribuindo para essa notável mudança de paradigma que
está ocorrendo lentamente no Direito: ele está tendo a possibilidade de
deixar de ser "do aço frio das espadas" e uma senhora distante e de
olhos vendados, para passar a ser algo de acolhedor, de humanista, de
fraterno, sem espadas e sem vendas.
4) Um conselho para quem está começando a estudar o Direito
Há
dois conselhos que podem parecer contraditórios, mas só seguindo os
dois resultará. O Primeiro é estudar muito profissionalmente, muito
seriamente, todo o arsenal do passado. Não entrar no verbalismo
pseudo-forense ou pseudo-intelectual, saber mesmo o que os velhos
juristas (nem sempre muito simpáticos) sabiam. E ao mesmo tempo ter a
agilidade mental e anímica para desconstruir todo esse edifício e ser
capaz de pensar e repensar tudo de novo, dando novos rumos, tentando
coisas novas. Foi essa a lição que ocorreu noutros âmbitos, como nos
estudos literários e semióticos. Umberto Eco e Roland Barthes, por
exemplo, jamais teriam atingido os cumes de novidade que alcançaram sem
serem muitíssimo competentes no arsenal do passado, se não soubessem as
coisas clássicas e técnicas das suas áreas. Dizia Bernardo: Somos anões
aos ombros dos gigantes. Anões que devem ter assimilado o conhecimento
dos gigantes mas, em vez de comodamente repousarem nele, devem ousar, a
seus ombros, olhar para o futuro.
Paulo Ferreira da Cunha -Membro do Comité ad hoc para o Tribunal Constitucional
Internacional. Professor Catedrático da Faculdade de Direito da Universidade do
Porto.
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