O DOU publica na edição de hoje (v. abaixo) os
critérios definidos pelo CFM - Conselho Federal de Medicina para a interrupção
da gravidez no caso de fetos anencéfalos. Trata-se da resolução 1.989, de 10 de
maio de 2012.
Pela resolução, a interrupção só deve ocorrer depois que for feito um
exame ultrassonográfico detalhado e assinado por dois médicos. A cirurgia para
interromper a gravidez deve ocorrer em local com estrutura adequada, ressalta o
texto.
A divulgação dos critérios ocorre um mês depois de o STF ter aprovado
por 8 votos a 2 a autorização para a interrupção da gravidez em caso de
anencefalia. O CFM criou uma comissão de especialistas em ginecologia,
obstetrícia, genética e bioética para definir as regras e normas.
A interrupção da gestação só será recomendada quando houver um
"diagnóstico inequívoco de anecefalia", conforme a decisão do
conselho. O exame ultrassonográfico deverá ser feito a partir da 12ª semana de
gravidez, registrando duas fotografias em posição sagital e outra em polo
cefálico com corte transversal.
Na decisão, o CFM reitera também que os conselhos regionais de Medicina
deverão atuar como "julgadores e disciplinadores" da decisão seguindo
"a ética". Segundo a resolução, a gestante está livre para decidir se
quer manter a gravidez. Caso decida levar adiante a gestação ou interrompê-la,
a mulher deve ter assistência médica adequada.
A resolução é clara ainda na proibição de pressão sobre a gestante para
tomar uma decisão. Segundo a norma, a interrupção da gravidez só pode ocorrer
em "hospital com estrutura adequada". Não há detalhes sobre o que vem
a ser uma estrutura adequada. A decisão da gestante ou do responsável por ela
deve ser lavrada em ata.
Cabe ao médico, segundo a resolução, informar toda a situação à
gestante, que terá ainda liberdade para requisitar outro diagnóstico e buscar
uma junta médica. O profissional médico deverá ainda comunicar à grávida os
riscos de recorrência de novas gestações com fetos anencéfalos e orientá-la a
tomar providências contraceptivas para reduzir essas ameaças.
Na exposição de motivos, o Conselho Federal de Medicina ressalta as
distinções que devem ser feitas entre interrupção da gravidez, aborto e aborto
eugênico (visando ao suposto melhoramento da raça).
_________
CONSELHO FEDERAL DE
MEDICINA
RESOLUÇÃO Nº 1.989,
DE 10 DE MAIO DE 2012
Dispõe sobre o
diagnóstico de anencefalia para a antecipação terapêutica do parto e dá outras
providências.
O Conselho Federal
de Medicina, no uso das atribuições conferidas pela Lei nº 3.268, de 30 de
setembro de 1957, alterada pela Lei nº 11.000, de 15 de dezembro de 2004,
regulamentada pelo Decreto nº 44.045, de 19 de julho de 1958, e
CONSIDERANDO o
Código de Ética Médica (Resolução CFM nº 1.931/09, publicada no D.O.U. de 24 de
setembro de 2009, Seção I, p. 90, republicada no D.O.U. de 13 de outubro de 2009,
Seção I, p.173);
CONSIDERANDO que o
Supremo Tribunal Federal julgou procedente a Arguição de Descumprimento de
Preceito Fundamental nº 54, de 17 de junho de 2004 (ADPF-54), e declarou a
constitucionalidade da antecipação terapêutica do parto nos casos de gestação
de feto anencéfalo, o que não caracteriza o aborto tipificado nos artigos 124,
126 e 128 (incisos I e II) do Código Penal, nem se confunde com ele;
CONSIDERANDO que o
pressuposto fático desse julgamento é o diagnóstico médico inequívoco de anencefalia;
CONSIDERANDO que
compete ao Conselho Federal de Medicina definir os critérios para o diagnóstico
de anencefalia;
CONSIDERANDO que o
diagnóstico de anencefalia é realizado por meio de exame ultrassonográfico;
CONSIDERANDO que é
da exclusiva competência do médico a execução e a interpretação do exame
ultrassonográfico em seres humanos, bem como a emissão do respectivo laudo, nos
termos da Resolução CFM nº 1.361/92, de 9 de dezembro de 1992 (Publicada no
D.O.U. de 14 de dezembro de 1992, Seção I, p. 17.186);
CONSIDERANDO que os
Conselhos de Medicina são, ao mesmo tempo, julgadores e disciplinadores da
classe médica, cabendo a eles zelar e trabalhar, com todos os meios a seu
alcance, pelo prestígio e bom conceito da profissão e pelo perfeito desempenho
ético dos profissionais que exercem a Medicina legalmente;
CONSIDERANDO que a
meta de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício do qual
deverá agir com o máximo de zelo e com o melhor de sua capacidade profissional;
CONSIDERANDO o artigo
1º, inciso III da Constituição Federal, que elegeu o princípio da dignidade da
pessoa humana como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil;
CONSIDERANDO o
artigo 5º, inciso III da Constituição Federal, segundo o qual ninguém será
submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;
CONSIDERANDO que
cabe ao médico zelar pelo bem-estar dos pacientes;
CONSIDERANDO o teor
da exposição de motivos que acompanha esta resolução;
CONSIDERANDO,
finalmente, o decidido na sessão plenária do Conselho Federal de Medicina
realizada em 10 de maio de 2012, resolve:
Art. 1º Na
ocorrência do diagnóstico inequívoco de anencefalia o médico pode, a pedido da
gestante, independente de autorização do Estado, interromper a gravidez.
Art. 2º O diagnóstico
de anencefalia é feito por exame ultrassonográfico realizado a partir da 12ª
(décima segunda) semana de gestação e deve conter:
I - duas
fotografias, identificadas e datadas: uma com a face do feto em posição
sagital; a outra, com a visualização do polo cefálico no corte transversal,
demonstrando a ausência da calota craniana e de parênquima cerebral
identificável;
II - laudo assinado
por dois médicos, capacitados para tal diagnóstico.
Art. 3º Concluído o
diagnóstico de anencefalia, o médico deve prestar à gestante todos os
esclarecimentos que lhe forem solicitados, garantindo a ela o direito de
decidir livremente sobre a conduta a ser adotada, sem impor sua autoridade para
induzi-la a tomar qualquer decisão ou para limitá-la naquilo que decidir:
§1º É direito da
gestante solicitar a realização de junta médica ou buscar outra opinião sobre o
diagnóstico.
§2º Ante o
diagnóstico de anencefalia, a gestante tem o direito de:
I - manter a
gravidez;
II - interromper
imediatamente a gravidez, independente do tempo de gestação, ou adiar essa
decisão para outro momento.
§3º Qualquer que
seja a decisão da gestante, o médico deve informá-la das consequências,
incluindo os riscos decorrentes ou associados de cada uma.
§4º Se a gestante
optar pela manutenção da gravidez, ser-lheá assegurada assistência médica
pré-natal compatível com o diagnóstico.
§5º Tanto a
gestante que optar pela manutenção da gravidez quanto a que optar por sua
interrupção receberão, se assim o desejarem, assistência de equipe multiprofissional
nos locais onde houver disponibilidade.
§6º A antecipação
terapêutica do parto pode ser realizada apenas em hospital que disponha de
estrutura adequada ao tratamento de complicações eventuais, inerentes aos
respectivos procedimentos.
Art. 4º Será lavrada
ata da antecipação terapêutica do parto, na qual deve constar o consentimento
da gestante e/ou, se for o caso, de seu representante legal.
Parágrafo único. A ata, as
fotografias e o laudo do exame referido no artigo 2º desta resolução integrarão
o prontuário da paciente.
Art. 5º Realizada a
antecipação terapêutica do parto, o médico deve informar à paciente os riscos
de recorrência da anencefalia e referenciá-la para programas de planejamento
familiar com assistência à contracepção, enquanto essa for necessária, e à
preconcepção, quando for livremente desejada, garantindo-se, sempre, o direito
de opção da mulher.
Parágrafo único. A paciente deve
ser informada expressamente que a assistência preconcepcional tem por objetivo
reduzir a recorrência da anencefalia.
Art. 6º Esta
resolução entra em vigor na data de sua publicação.
CARLOS VITAL
TAVARES CORRÊA LIMA
Presidente do
Conselho
Eem exercício
HENRIQUE BATISTA E
SILVA
Secretário-Geral
ANEXO
EXPOSIÇÃO DE
MOTIVOS DA RESOLUÇÃO No- 1.989/12
Há mais de 20 anos,
a antecipação terapêutica do parto de fetos anencéfalos é realizada no Brasil
mediante autorização do Poder Judiciário ou do Ministério Público. Em 12 de
abril de 2012, com a conclusão do julgamento da Arguição de Descumprimento de
Preceito Fundamental nº 54, de 17 de junho de 2004 (ADPF-54), o Supremo
Tribunal Federal decidiu que, à luz da Constituição Federal, a antecipação
terapêutica do parto de fetos anencéfalos não tipifica o crime de aborto
previsto no Código Penal e dispensa, assim, autorização prévia. Os ministros
Celso de Mello e Gilmar Mendes acompanharam o voto do relator, ministro Marco
Aurélio, mas acrescentaram «condições de diagnóstico de anencefalia». Celso de
Mello condicionou a interrupção da gravidez a que «esta malformação fetal fosse
diagnosticada e comprovadamente identificada por profissional médico legalmente
habilitado», reconhecendo à gestante «o direito de submeter-se a tal
procedimento, sem necessidade de prévia obtenção de autorização judicial ou
permissão outorgada por qualquer outro órgão do Estado». Endossou, ainda, a
proposta do ministro Gilmar Mendes «no sentido de que fosse solicitada ao
Ministério da Saúde e ao Conselho Federal de Medicina a adoção de medidas que
pudessem viabilizar a adoção desse procedimento». Prevaleceu, contudo, o
entendimento majoritário de que essa matéria deveria ficar a cargo deste
Conselho Federal de Medicina, sem prejuízo, na área de sua competência, da
respectiva regulamentação do Ministério da Saúde.
A partir dessa
decisão, a interrupção da gravidez saiu do âmbito de uma decisão jurídica ou
estritamente judicial para tornar-se um protocolo dos programas de atenção à
saúde da mulher, exigindo, deste Conselho, a definição dos critérios médicos
para o diagnóstico dessa malformação fetal, bem como a criação de diretrizes
específicas para a assistência médica à gestante.
Desde o início da
discussão sobre a legalidade e a constitucionalidade da interrupção da gravidez
de fetos anencéfalos, restou perceptível a impropriedade conceitual das
expressões "aborto", "aborto eugênico", "aborto
eugenésico" ou "antecipação eugênica da gestação" para designar
a antecipação terapêutica do parto nesses casos. No Direito, em especial no
Direito Penal, desde a década de 50 há uma lição de Nelson Hungria sobre
situação equiparável, em que o conceito de aborto também foi afastado:
«No caso de
gravidez extrauterina, que representa um estado patológico, a sua interrupção
não pode constituir o crime de aborto.
Não está em jogo a
vida de outro ser, não podendo o produto da concepção atingir normalmente vida
própria, de modo que as consequências dos atos praticados se resolvem
unicamente contra a mulher.
O feto expulso
(para que se caracterize o aborto) deve ser um produto fisiológico, e não
patológico. Se a gravidez se apresenta como um processo verdadeiramente
mórbido, de modo a não permitir sequer uma intervenção cirúrgica que pudesse
salvar a vida do feto, não há falar-se em aborto, para cuja existência é
necessária a presumida possibilidade de continuação da vida do feto».
O relator da
ADPF-54, ministro Marco Aurélio, que inclusive citou essa mesma lição,
reafirmou a necessidade de se diferenciar, no âmbito jurídico-constitucional, o
binômio aborto e antecipação terapêutica do parto:
«Para não haver
dúvida, faz-se imprescindível que se delimite o objeto sob exame. Na inicial,
pede-se a declaração de inconstitucionalidade, com eficácia para todos e efeito
vinculante, da interpretação dos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, do
Código Penal (Decreto-lei nº 2.848/40), que impeça a antecipação terapêutica do
parto na hipótese de gravidez de feto anencéfalo, previamente diagnosticada por
profissional habilitado. Pretende-se o reconhecimento do direito da gestante de
submeter-se ao citado procedimento sem estar compelida a apresentar autorização
judicial ou qualquer outra forma de permissão do Estado.
Destaco a alusão
feita pela própria arguente ao fato de não se postular a proclamação de
inconstitucionalidade abstrata dos tipos penais, o que os retiraria do sistema
jurídico. Busca-se tão somente que os referidos enunciados sejam interpretados
conforme a Constituição.
Dessa maneira,
mostra-se inteiramente despropositado veicular que o Supremo examinará, neste
caso, a descriminalização do aborto, especialmente porque, consoante se
observará, existe distinção entre aborto e antecipação terapêutica do parto.
Apesar de alguns
autores utilizarem expressões "aborto eugênico ou eugenésico" ou
"antecipação eugênica da gestação", afastoas, considerado o
indiscutível viés ideológico e político impregnado na palavra eugenia».
No contexto
jurídico, esse excerto demonstra que a antecipação terapêutica do parto não se
confunde com o aborto. Além do mais, a interrupção da gravidez, nos casos de
anencefalia, antecipa o momento oportuno do parto, referindo-se ao fim natural
da gestação e não à sua temporalidade, contada em semanas na data em que
ocorrer a interrupção.
A expressão não se
sobrepõe à tradição da semiologia médica que classifica a interrupção da
gravidez como aborto ou antecipação do parto, a depender da idade gestacional.
Mas é necessário manter a coerência da construção jurídica feita pela ADPF-54
com a normatização deste Conselho Federal de Medicina. Mais do que questão de
semântica ou de semiologia médica a se considerar, trata-se da necessidade de
se manter a conformidade com o marco jurídico. Por essa razão, manteve-se, na
epígrafe da resolução, a expressão antecipação terapêutica do parto, sem
prejuízo de, também, se utilizar a expressão interrupção da gravidez.
A resolução não
normatiza nem repete temas previamente regulamentados no Código de Ética
Médica, limitando-se a seu objeto, ou seja, à definição de critérios com vistas
ao diagnóstico da anencefalia para a antecipação terapêutica do parto, bem como
a breves disposições complementares. Não tratou, por exemplo, da objeção de
consciência, tema que desperta relevantes considerações éticas, filosóficas,
jurídicas e religiosas, quer nos casos de aborto legal, quer nos casos de
antecipação terapêutica do parto.
O silêncio não quer
dizer indiferença, mas suficiência do Código de Ética Médica na regulação da
matéria. No Capítulo I, Princípios fundamentais, a objeção de consciência foi
inserida como um direito do médico: «VII - O médico exercerá sua profissão com
autonomia, não sendo obrigado a prestar serviços que contrariem os ditames de
sua consciência ou a quem não deseje, excetuadas as situações de ausência de
outro médico, em caso de urgência ou emergência, ou quando sua recusa possa
trazer danos à saúde do paciente».
A relevância desta
garantia levou o Código a repeti-la no Capítulo II, Direitos dos Médicos: «É
direito do médico: (...) IX - Recusar-se a realizar atos médicos que, embora
permitidos por lei, sejam contrários aos ditames de sua consciência».
Pelas mesmas
razões, a resolução apenas reafirmou o respeito à autonomia da gestante na
tomada da decisão quanto a manter ou interromper a gravidez. O Código de Ética
Médica impôs ao médico o dever de respeitar a decisão do paciente em diversos
dispositivos.
No Capítulo I,
Princípios Fundamentais, o respeito à autonomia do paciente foi assegurado no
inciso XXI: «No processo de tomada de decisões profissionais, de acordo com
seus ditames de consciência e as previsões legais, o médico aceitará as
escolhas de seus pacientes, relativas aos procedimentos diagnósticos e
terapêuticos por eles expressos, desde que adequadas ao caso e cientificamente
reconhecidas».
A autonomia da
paciente foi uma das questões mais relevantes em toda a discussão empreendida
no julgamento da ADPF-54. Tão relevante que justifica relembrar: autonomia, do
grego autos (próprio), e nomos (regra, autoridade ou lei) foi originariamente
utilizada para expressar o autogoverno das cidades-estados independentes.
Na década de 70 -
tomando-se como referência o Relatório Belmont - a autodeterminação
incorporou-se definitivamente à medicina como um valor moral e jurídico da
relação médico-paciente, atribuindo a esse - o paciente - o poder de tomar
decisões sobre condutas inerentes a sua pessoa. O Relatório Belmont, publicado
em 18 de abril de 1979, resumiu os trabalhos empreendidos pela National
Comission for the Protection of Human Subjects of Biomedical and Behavioral
Research, criada pela lei conhecida como National Research Act (Pub. L.
93-348), de 12 de julho de 1974. Nele foram apresentados três dos quatro
princípios bioéticos adotados universalmente: autonomia, beneficência e
justiça. Respeito às pessoas (autonomia) e beneficência decorreram de propostas
de H. Tristram Engelhardt; o filósofo Tom L. Beauchamp, que integrou a
Comissão, propôs o princípio da justiça. O quarto princípio, a não maleficência
(primum non nocere), surgiu no livro Princípios de ética biomédica, da autoria
de Beauchamp e James F. Childress.
O respeito às
pessoas, como diretriz para o consentimento informado, não foi originariamente
concebido como instrumento de proteção contra riscos, mas como garantia da
autonomia e da dignidade pessoal. Tom L. Beauchamp relata que em um dos
rascunhos do Relatório Belmont, o de 3 de junho de 1976, o princípio do
respeito às pessoas foi apresentado como princípio da autonomia, denominação
que acabou aprovada pela Comissão.
Michael S. Yesley,
diretor do staff profissional da National Comission, encontrou uma forma de
sistematizar o significado de cada princípio, pela qual o princípio do respeito
às pessoas deveria ser observado nas diretrizes do consentimento informado; o
da beneficência, nas diretrizes para a avaliação do risco e do benefício; o da
justiça, nas diretrizes para a seleção de pessoas, de sujeitos para as
pesquisas.
Assim, o respeito
às pessoas é, também no Código de Ética Médica, imperativo para a obtenção do
consentimento informado, exigência contida no Capítulo IV - Direitos humanos:
«É vedado ao médico: Art. 22. Deixar de obter consentimento do paciente ou de
seu representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado,
salvo em caso de risco iminente de morte.» E, ainda, no Capítulo V - Relação
com pacientes e familiares: «É vedado ao médico: Art. 31. Desrespeitar o
direito do paciente ou de seu representante legal de decidir livremente sobre a
execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente
risco de morte».
A resolução não
avançou qualquer regulação sobre o sigilo médico. À medida que a decisão de
interromper a gravidez nos casos de gestação de feto anencéfalo passou a ser
questão restrita à relação médico-paciente, o sigilo se submete ao disposto no
Capítulo IX do Código de Ética Médica. Sua quebra pode caracterizar, além de
infração ética, crime tipificado no Código Penal. Sobre a documentação a ser
elaborada e inserida no prontuário da paciente, a resolução estabeleceu
exigências. A primeira delas é a necessidade de duas fotografias do exame
ultrassonográfico, que deve ser realizado, exclusivamente, por médico com
capacitação para esse fim. Reafirmou-se, nos considerandos, o inteiro teor da
Resolução CFM nº 1.361/92, de 9 de dezembro de 1992 (Publicada no D.O.U. de
14.12.92, Seção I, p. 17.186): «É da exclusiva competência do médico a execução
e a interpretação do exame ultrassonográfico em seres humanos, assim como a
emissão do respectivo laudo». Sobre o laudo, a resolução exige que seja emitido
por, no mínimo, dois médicos. Além de instrumento do diagnóstico, as
fotografias são, também, documentos médicos a serem preservados.
O requisito de
pluralidade - laudo emitido por, no mínimo, dois médicos - não teve o objetivo
de retirar a suficiência do diagnóstico feito por um só médico; antes, indica
que o Conselho Federal de Medicina assegurou o direito a uma segunda opinião,
nos termos do art. 39 do Código de Ética Médica. Essa exigência não afasta o
direito de a própria paciente solicitar ou buscar outras opiniões ou, ainda, de
ter acesso a uma junta médica. Por mais que haja segurança no diagnóstico de
anencefalia realizado com a observância dos critérios estabelecidos - a
resolução se refere a diagnóstico inequívoco - , esse é um direito inalienável
da paciente.
Quanto à idade
gestacional, a resolução estabelece que o diagnóstico inequívoco para a
interrupção da gravidez só pode ser assegurado após a 12ª (décima segunda)
semana de gestação. Essa limitação foi definida com base na leges artis. Se com
a evolução das tecnologias médicas for possível, no futuro, obter o diagnóstico
inequívoco de anencefalia com idade gestacional inferior, o Conselho poderá
rever esse limite.
Ainda sobre os
documentos, a resolução exige uma ata do procedimento. Essa formalidade foi
inspirada naquela exigida pelo §1º do art. 10 da Lei nº 9.263, de 12 de janeiro
de 1996, que trata do planejamento familiar. O documento, obrigatoriamente
escrito e assinado, deve conter todos os esclarecimentos necessários à tomada
de decisão pela gestante, seguidos de seu consentimento.
A ata, as
fotografias e o laudo do exame ultrassonográfico estão sujeitos às disposições
constantes no Capítulo X - Documentos médicos do Código de Ética Médica e
integram o prontuário da paciente.
Interrompida a
gravidez, há justificada preocupação deste Conselho Federal com a recorrência
de gestação de feto anencéfalo, que tem cerca de cinquenta vezes mais chances
de ocorrer, se não forem adotados cuidados após a antecipação terapêutica do
parto.
Esses cuidados
incluem a contracepção imediata e, ainda, a assistência preconcepcional que
deve anteceder uma nova gestação.
Estudos indicam que
o uso diário de cinco miligramas de ácido fólico, por pelo menos dois meses
antes da gestação, reduz pela metade o risco de anencefalia. Por isso, a
resolução determina que a paciente seja referenciada para um serviço que também
lhe assegure cuidados preconcepcionais, evidentemente se ela os desejar.
Determina ainda
que, havendo disponibilidade, seja prestada assistência multidisciplinar tanto
à paciente que decidir interromper a gravidez quanto àquela que optar por sua
continuidade. Sobre esta última, a resolução assegura que a ela seja prestada
assistência prénatal, não podendo haver qualquer diferenciação em razão da
opção feita. Trata-se, contudo, de gravidez de alto risco, e a assistência
médica deverá ser compatível com essa condição.
Por fim, a
resolução é peremptória ao afirmar que a opção pela continuidade da gravidez
não legitima o abandono da paciente a seu próprio destino, independentemente da
viabilidade ou inviabilidade do feto.
São esses os
motivos pelos quais o Conselho Federal de Medicina edita esta resolução.
CARLOS VITAL
TAVARES CORRÊA LIMA
Relator
JOSÉ HIRAN DA SILVA
GALLO
Relator
JOSÉ FERNANDO MAIA
VINAGRE
Relator