quarta-feira

Flashes do Passado

Escrevi esse conto no ano de 1999, na época tinha 20 anos. Posto, hoje, aos 32.

FLASHES DO PASSADO



“Se me contemplo, tantas vejo, que
não entendo quem sou,
no tempo do pensamento”.
Cecília Meireles

                   Num álbum de fotografias velhas, reconheci-me e estranhei-me. Não era eu e, ao mesmo tempo, o era. Aquelas fotos sequenciadas da minha, vida colocou-me diante de mim mesma. Via-me, olhava-me, refletia sobre cada ocasião, encontrava-me e perdia-me.

                   Uma sensação estranha invadiu-me de surpresa, deixando-me melancólica: olhava para os rastros do passado através daquelas fotos, via o meu rosto e procurava no presente o que já fora no passado.

                   Sabia que era eu, no entanto aquelas fotos não me refletiam tal como agora estou: enrugada. As rugas são sinais externos. As máquinas fotográficas também, por mais potentes que sejam, só conseguem captar nosso eu exterior. Captam o que qualquer olho humano consegue ver. A partir desse pensamento comecei a refletir sobre aqueles momentos presos, detidos e guardados dentro de minha gaveta sob a forma de fotografias. Representavam um certo momento fugidio e estatizado. Representavam um pedaço de mim em um passado distante.

                   Meus filhos poderiam guardá-las e mostrá-las aos meus netos. Poderiam ser usadas como uma fonte histórica, resgatando vestimentas, ruas, paisagens, bares, meios de transportes.  Qualquer que seja  a utilização destas fotos,  ninguém conseguirá ver nelas minha verdadeira pessoa. Esta visão subjetiva de quem fui e de quem sou, somente eu tenho.
                   Coisa estranha e verdadeira: em muitas fotos em que eu estava rindo, inclusive no dia do meu casamento, o que se escondia por trás do meu rosto e sorriso – e que a fotografia não consegue captar – era a minha tristeza, a minha dor, o meu sofrimento. Estava casando com um homem escolhido por meus pais. Não o amava, mas descobri que poderia amá-lo ao longo dos anos. Ou, pelo menos, acostumar-me a tê-lo ao meu lado.

                   Hoje olho-as, reconstruo  passagens da minha vida através delas. Sei onde muitas foram tiradas, o nome das pessoas que me rodeiam, e em algumas consigo lembrar até quem as fotografou. Em algumas vejo meus alegres pais. Em outras, meus três irmãos ainda pequeninos e louros. Em outras amigas sapecas de infância. Em outras, antigos ex-namorados. Em outras, colegas de trabalho, vizinhos. Vejo minha linda filha com seu bebê rosado no colo. Vejo e relembro acontecimentos inteiros, e não só os que a máquina conseguiram captar. Consigo relembrar, até mesmo, velhas emoções guardadas a sete chaves, no esconderijo mais profundo de meu coração.

                   O tempo, esse ser tão escorregadio, que nos escapa a todo momento parece ter perdido uma batalha, pois num instante luminoso foi preso e encontra-se guardado dentro do meu baú de recordações. Tenho a saborosa impressão de estar com um pedaço dele em minhas mãos.

                   Nem todas essas minhas recordações e o grande avanço tecnológico, como as máquinas fotográficas e as potentes filmadoras, serão capazes de trazer meu velho e longíquo passado e mostrar-me como eu verdadeiramente era.

                     Hoje sou uma mulher cheia de vida e alegre, ao contrário da jovem de ontem, linda e com um sorriso no rosto, e que por dentro era triste. Porém, compare uma foto do meu rosto amarrotado, com uma foto do meu rosto sorridente de princesa, pensará o quanto eu era alegre e se enganará pela imagem.  Muitas vezes, a verdade é tão subjetiva que apenas quem a viveu sabe onde encontrá-la...


 Observação: as fotografias aqui usadas são meramente ilustrativas.

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