sexta-feira

Mulheres cientistas são protagonistas na luta contra o coronavírus

 


A pandemia da COVID-19 trouxe impactos culturais, econômicos e sociais no mundo inteiro. Desde março, instalada oficialmente no Brasil, tem impactado de diversas formas as relações humanas, trabalhistas, sanitárias, médicas, existenciais, políticas, econômicas, sociais, jurídicas, psicológicas, artísticas de uma forma transdisciplinar. Não se fala mais em outra que não seja o coronavírus. Numa crise dessas, já temos como apontar para uma situação: as mulheres são as mais afetadas.

Uma das formas de se perceber essa questão se dá na sobrecarga do trabalho doméstico, na necessidade/preocupação de gerar renda, no cuidado com crianças, adolescentes,  idosos, familiares doentes e na falta de tempo para o autocuidado com a  sua saúde, nos aspectos físico e mental, são alguns dos efeitos dessa realidade na vida de mães, trabalhadoras formais e informais, das mulheres em seus mais diversos campos de atuação e experiências, especialmente das classes sociais mais fragilizadas economicamente.

Diante disso, essa coletânea, feita com a colaboração de 78 autores, distribuídos em 36 artigos, com um olhar voltado para as consequências da pandemia na vida das mulheres, sem nenhum tipo de financiamento/custeio para a pesquisa, a não ser a colaboração entre todos que participaram, propõe apresentar dados locais, discutir problemas, fazer análise crítica de situações enfrentadas no cotidiano das mulheres no contexto da pandemia.

Uma iniciativa conjunta firmada entre a parceria do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) e do Ministério da Saúde (MS), por meio do Departamento de Ciência e Tecnologia da Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde (Decit/SCTIE), abriu chamada de apoio a pesquisas que visam o enfrentamento da COVID-19, suas consequências e outras síndromes respiratórias, sendo destinado o valor de R$ 50 milhões. As linhas de pesquisa apoiadas são nos temas de:  Tratamento -  estudos para avaliação de alternativas terapêuticas para a COVID-19;  Vacina - Estudos para desenvolvimento de vacinas preventivas e/ou terapêuticas contra COVID-19;  Diagnóstico - Aprimoramento e desenvolvimento de novos testes diagnósticos para COVID-19 e Avaliação da acurácia de testes diagnósticos para COVID-19 ; Patogênese e História Natural da Doença - Desenvolvimento de estudos para avaliação da patogênese e da história natural da doença causada por SARS-CoV-2; Carga de Doença - Desenvolvimento de estudos para avaliação da carga de doença da COVID-19; Atenção à Saúde - Estudos para avaliação da atenção à saúde nos três níveis de complexidade frente à epidemia de COVID-19;  Prevenção e Controle.

Percebe-se claramente um montante na área de tecnologia, mas uma falta de projeto de pesquisa que privilegie as consequências sociais, jurídicas, trabalhistas, para citar algumas que se ligam diretamente com a grande área das humanidades. A falta de investimento em ciências sociais no nosso país é um problema crônico sistêmico. De acordo com Foucault, na obra As palavras e as coisas (1981, p. 10), os códigos fundamentais de uma cultura – aqueles que regem a sua linguagem, seus esquemas perceptivos, suas trocas, suas técnicas, seus valores, a hierarquia de suas práticas – ficam, logo de entrada, para cada homem, as ordens empíricas com as quais terá de lidar e nas quais se há de encontrar.

Chamamos atenção sobre a importância de pesquisas sobre o impacto da COVID-19 nas mulheres brasileiras de baixa renda, das trabalhadoras informais, das trabalhadoras formais que cumulam os trabalhos domésticos, das mulheres do sertão, das ribeirinhas, das indígenas, das periféricas de modo geral, das moradoras de rua, das vítimas de violência doméstica, das presidiárias, das grávidas e lactantes, das mulheres que estão na linha de frente atuando no combate da famigerada pandemia, para que possamos ter dados oficiais que sejam trabalhados de forma integrada e possamos avançar para que não deixemos as mulheres nessa condição de desproteção nas crises que surgirem. Simone de Beauvoir já anteviu, há mais de 60 anos atrás, que em qualquer crise que venha a ocorrer serão as mulheres que mais impactos sofrerão. Pensar em alternativas para melhorar as condições de vida das mulheres é essencial enquanto projeto político de um país.

  Há observatórios de pesquisa da pandemia em funcionamento em algumas instituições de ensino que foram beneficiadas com bolsas na área de farmácia e telemedicina. No entanto, há a necessidade de um observatório que mapeie os impactos da pandemia na vida das mulheres brasileiras, de Norte a Sul do país, em seus aspectos locais e regionais, observando as diferenças a partir dos dados reais. 

Esse livro chega com a pretensão de aglutinar textos que evidenciam,  problematizam e apontam perspectivas sobre os impactos da pandemia sobre as várias faces de mulheres múltiplas, para que seja evidenciado o quanto esse tema tem consonância com um problema real. É preciso investigar e pesquisar cientificamente soluções para controlar a pandemia, mas não se pode esquecer a necessidade de uma pesquisa social sobre os impactos da covid-19 na população brasileira, em especial no que se refere quanto ao impacto na vida das mulheres.

A Profa. Maria Clotilde Perez (https://prp.usp.br/usp-e-covid-19/), criou um projeto de pesquisa que reúne pesquisadores do Brasil (USP), Chile, Argentina e Espanha e tem como objetivo central construir um mapa da Pandemia do COVID-19, fundamentado na articulação Comunicação e Sociedade, a partir dos eixos:  1) Biologia: possibilidades e limites, 2) Publicidade e marcas no contexto do Covid-19,  3) Ódio social (agressões, violência, polarizações…), 4)  Cultura material do isolamento, 5) Comunicação governamental, 6) Implicações público x privado, 7) Estética da morte (ocultação e mostração) e 8) Os sentidos e significações do confinamento (violência contra mulher, contra crianças, aumento do alcoolismo, obesidade, consumo de apps de sexo, caos…). Os resultados servirão de fundamentação contextual e analítica para inúmeros outros projetos de pesquisa, decisões no âmbito da comunicação pública e privada, definição de estratégias estéticas no âmbito da Comunicação na interface com as Ciências Sociais, subsídio para conteúdos e matérias jornalísticas, fundamento para desenvolvimento de produtos e serviços entre outras aplicações e desdobramentos em docência e extensão.  Outro projeto de pesquisa interessante é o Resiliência Financeira das Cidades Contemporâneas, do IEA. Estudo da resiliência orçamentária, medidas emergenciais e de contenção da COVID-19 em regiões metropolitanas; resiliência de comunidades fragilizadas na COVID-19: efetividade e consequências do isolamento social e das políticas de proteção do governo federal; resiliência de serviços essenciais em tempos de crise e impactos orçamentários, sob responsabilidade do Prof. André Aquino da Faculdade de Economia e Administração de Ribeirão Preto, e que conta com diversos colaboradores.

Há um estudo em andamento sobre análise do espalhamento da epidemia no interior do país, por meio de dados de GPS de celular de uma empresa privada (InLoco), que colabora com a pesquisa. Com base nesses dados são identificados os padrões de movimentos das pessoas e estima-se para onde há mais probabilidade da epidemia se propagar, sob responsabilidade do Prof. Dr. Pedro da Silva Peixoto (IME).

 Há pesquisa sobre Controle e monitoramento de mães e recém-nascidos suspeitos/confirmados para COVID-19. Trata-se de um estudo epidemiológico que será realizado por meio da análise de dados secundários de recém-nascidos e mães classificados como caso suspeito ou confirmado por COVID-19 nos sistemas de informação eSUS-VE e SIVEP-Gripe, residentes no Ceará, Rio de Janeiro e Ribeirão Preto/São Paulo nos anos de 2020 e 2021 Coordenador: Maria Vera Lúcia Leitão Cardoso, UFC. Participantes: Luciana Mara Monti Fonseca, EERP-USP, Elisa da Conceição Rodrigues, UFRJ, Marialda Moreira Christoffel, UFRJ. Também a pesquisa sobre o Impacto dos protocolos para controle da COVID-19 na instituição do aleitamento materno em população atendida em hospitais brasileiros: projeto BRACOVID – Breastfeeding Brazil COVID. Estudo descritivo prospectivo, nos meses de maio a agosto de 2020 que busca avaliar os níveis de ansiedade, desesperança, a efetividade do aleitamento materno, a viabilidade da execução dos protocolos em domicílio e os índices de aleitamento materno exclusivos, nas mães submetidas as normas dos protocolos de controle da COVID-19, na ocasião do nascimento dos seus neonatos em diferentes instituições pelo Brasil,  coordenadora por Walusa Assad Gonçalves Ferri, FMRP-USP, com a participação de Luciana Mara Monti Fonseca e Edilaine C. Silva Gherardi Donato da EERP-USP, Fábia Martins Pereira Celini e Marisa Mussi da FMRP-USP. E, por último, citamos o Mapeamento e análise das normas jurídicas de enfrentamento da COVID-19 no Brasil: Caracterização, cartografia e potenciais impactos sobre os direitos fundamentais, coordenado pela Profa. Dra. Deisy de Freitas Lima Ventura, Departamento de Saúde Ambiental e Prof. Dr. Fernando Mussa Abujamra Aith, Departamento de Política, Gestão e Saúde, FSP.

Esse volume 01 da Coleção “Pandemia e Mulheres” dialoga com as questões de gênero, classe e raça. Serve como um mapeamento inicial que aglomera várias vozes sobre a questão da mulher no Brasil pandêmico. Será seguido pelo volume 02 desta mesma coleção.

 

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