quinta-feira

Literatura Sertaneja - poesia - Águas de Mim

 







O sertão está em mim e cada dia mais. Descobrir sobre a formação do seridó me trouxe conhecimentos de uma ancestralidade que se liga a grandes lutas históricas de meus antepassados. Descendentes diretos de judeus foragidos da civilização ibérica em plena inquisição, os sertanejos parecem desconhecer por completo essa relação. Esse encontro com o passado se deu a partir do momento que meu primo me disse que estava solicitando sua cidadania portuguesa por causa da nova lei da nacionalidade que reconhece a necessidade da reparação histórica aos judeus expulsos de Portugal por D. Manuel I no século XVI, que agora podem requerer a nacionalidade portuguesa. Ainda podem. O parlamento português tenta de todas as formas barrar esse direito. 

Portanto, muitos europeus sofreram perseguição e vieram para o Brasil e se esconderam no ermo do sertão, nomearam de Seridó, termo que tem relação direta com a expressão Sarid, que significa refúgio de Deus em hebraico. Ali desenvolveram ritos de mimetismo social para sobreviver e hoje vivem situações sociais ainda muito precárias, pela falta de estrutura econômica para o desenvolvimento pessoal naquele espaço geográfico.  As mulheres convivem com um patriarcado tão arcaico que parece saído diretamente do medievo europeu,

No reconhecimento dessa ancestralidade, consegui perceber o quanto a história humana se liga à cada um de nós. Os judeus ou fugiam ou morreriam. Vieram e à custa do silenciamento e sobreviveram. Trouxeram em suas bagagens uma ancestralidade cultural que deu lugar à criação da poesia nordestina. Muitas das mulheres semitas que aqui aportaram foram as bruxas que sobreviveram aos processos inquisitoriais, as que não foram queimadas na fogueira. Descobri que a minha ancestral semita que se liga à minha árvore genealógica, na décima quarta geração, foi  Águeda Moniz. O processo dela foi tombado sob o número (1592-09-17/1597-06-18) - Código de Referência: PT/TT/TSO-IL/028/06750 - Cota atual: Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, proc. 6750 

Com iniciais AM, Águeda Moniz, liga-se a Águas de Mim, meu primeiro livro de poesia. Quando dei esse título não sabia desse parentesco, mas depois me impressionou a similitude das iniciais. Águas de mim - essa correnteza, cachoeira barulhenta, águas geladas, salgadas, quentes, frias, claras, torrenciais, escuras, banhos n'alma, borbulhantes, uma obra de menina-mulher, jovem-adulta, aluna-professora, amante-mãe, onde homenageio minhas ancestrais mais próximas, um convite para conhecer sobre o sertão-litoral que há em mim nessa trajetória de  ir e sempre fica saudosa. É um encontro comigo e com tantas mulheres. Um registro poético de minha existência. Um testemunho de que por aqui passei, jorrei, chorei tantas águas num lugar desértico, de terra seca, que precisa se molhar para viver. Sem água ninguém vive. Somos tantas águas que já passaram e tantas que virão. 



Para conferir mais sobre processo de Inquisição de Águeda Moniz sugiro  o site: Processo de Águeda Moniz - Arquivo Nacional da Torre do Tombo - DigitArq (arquivos.pt)

ÂMBITO E CONTEÚDO

Estatuto social: cristã-nova

Idade: 35 anos

Crime/Acusação: judaísmo

Naturalidade: Ribeira Grande, ilha de São Miguel, Açores

Morada: Ribeira Grande, ilha de São Miguel, Açores

Pai: João Martins Moniz, cristão-novo, mercador

Mãe: Elvira Marques, cristã-nova

Estado civil: casada

Cônjuge: Álvaro Lopes da Costa, cristão-velho

Data da prisão: 02/06/1593

Sentença: auto-da-fé de 23/02/1597. Ir ao auto-da-fé com vela acesa na mão, abjuração de leve, penitências espirituais, pagamento de custas.
COTA ATUAL
Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, proc. 6750
DATA DE CRIAÇÃO
17/9/2008 0:00:00
ÚLTIMA MODIFICAÇÃO
7/6/2013 11:54:11
Auto de fé -  foi o ritual de penitência pública de hereges e apóstatas que ocorreu quando a Inquisição EspanholaInquisição Portuguesa, a Inquisição mexicana ou outras inquisições tinham decidido a sua punição, seguida pela execução pelas autoridades civis das sentenças impostas. Nos autos de fé, os hereges podiam ou abandonar a heresia que alegadamente professavam (o que os tornaria em "reconciliados" com a Igreja, merecedores de penas leves), continuarem fieis às suas crença heréticas ou "crimes", (eram os "negativos") ou ficarem-se por uma confissão julgada incompleta (eram os chamados "diminutos") o que nestes dois casos levaria a penas graves, como a prisão perpétua, morte pelo garrote ou na fogueira, conforme conceito historiográfico. 

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