terça-feira

O aborto e o julgamento pelo tribunal do júri: uma ficção

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O aborto e o julgamento pelo tribunal do júri: uma ficção 

 

Por Ezilda Melo – 20/02/2016
Qualquer que seja a profissão da sua escolha, o meu desejo é que te faças grande e ilustre, ou pelo menos notável, que te levantes acima da obscuridade comum. A vida, Janjão, é uma enorme loteria; os prêmios são poucos, os malogrados inúmeros, e com os suspiros de uma geração é que se amassam as esperanças de outra. Isto é a vida; não há planger, nem imprecar, mas aceitar as coisas integralmente, com seus ônus e percalços, glorias e desdouros, e ir por diante.[1]
Crime contra a vida é o crime mais contrário à própria existência; é a antítese à ideia de direitos humanos, tão bem desenvolvida por Hunt[2] e um desrespeito à dignidade da pessoa humana, conforme esclarece Sarlet[3].  Retirar a vida de outro semelhante, até mesmo nas situações de legítima defesa, é o que mais choca quem convive em sociedade. Na história da humanidade, ao longo de tantos séculos, quantos crimes contra o semelhante já foram cometidos?! Retirar a vida de outro ser humano, muitas vezes com requintes de crueldade e tortura, de acordo com Goldberg[4], é a maior irracionalidade que existe e, portanto, é a antítese de todo o emaranhado construído em torno das regras de convivência social. O Direito, como instrumento de controle social que é, como Luhmann[5] e Deleuze[6] assim o apresentaram, impõe aos homicidas e criminosos, em geral, penas[7] que variam de um país para outro, exatamente por causa dos critérios geográficos, culturais, históricos, que tanto influenciam na construção das legislações, como já constatou Beccaria[8].
As informações e a imaginação que colorem a memória de um crime são história e passado conforme esclarece Lopes Jr[9], constroem nosso cotidiano e são determinantes nas construções das versões de um crime[10]. Muitas destas versões são apresentadas antes do julgamento aos jurados que participarão do Tribunal do Júri[11],[12], especialmente através das imagens midiáticas que atuam fortemente na construção dos fatos.
No Brasil, de acordo com a Constituição Federal, o Tribunal do Júri, em seu art. 5º¸ XXXVIII, “d”, para julgar os crimes dolosos contra a vida, quais sejam: homicídio; infanticídio; participação em suicídio e aborto. Na mesma linha, o parágrafo primeiro do artigo 74 do Código de Processo Penal afirma que compete ao Tribunal do Júri o julgamento dos crimes previstos nos arts. 121, §§ 1o e 2o, 122, parágrafo único, 123, 124, 125, 126 e 127 do Código Penal, consumados ou tentados.
Mas, o que é o Tribunal do Júri? Dentro do compartilhamento do Direito, trata-se de tema que se estuda dentro do âmbito da materialidade e formalidade do que se convencionou chamar de Direito Penal que, nos dizeres de Bruno[13], não é uma construção isolada no tempo.  A expressão “júri” decorre do latim jurare, que significa fazer juramento. A origem deste instituto, numa concepção historiográfica do Direito ocidental, é obra, para Bloch[14], de um grupo de homens relativamente especializados e autônomos na elaboração de regras de Direito. A origem do Tribunal do Júri remete às civilizações da Antiguidade, no entanto não se sabe com precisão quando realmente iniciou, conforme esclarece Tucci[15].
Na Tragédia Grega, Esquilo[16], em sua peça Orestia, conta que o herói Orestes com muito remorso por ter matado sua mãe pede apoio a deusa da sabedoria, Atena, no entanto esta delega seus poderes jurisdicionais a um tribunal, surgindo desse relato uma possibilidade histórica de reconstrução das origens do instituto do Tribunal do Júri. Salienta-se, no entanto, que a analise comparativa de sistemas judiciais diversos, mesmo que demonstrem quadros processuais parecidos, são muito distintos na prática, pelas diferenças culturais que separam o tempo e geografia dos países. Não obstante, Atenas continua a ser, até nossos dias, a Deusa do Júri.
Na Idade Média, os inquisidores Kramer e Sprenger[17] escreveram o famoso O martelo das feiticeiras, conhecido por ser “o manual dos inquisidores”, foi usado durante 4 séculos para a caça às bruxas. Em 1484, época da escritura do manual oficial da Inquisição, o sistema processual penal era o inquisitório, constituído no Direito Canônico, no qual o juiz-inquisidor atuava de ofício e em segredo por meio de uma acusação informal, de uma denúncia ou por meio da investigação feita pelo próprio inquisidor, conforme esclarece Coutinho[18].
O historiador italiano Ginzburg[19], através de estudo cuidadoso, analisou processos inquisitoriais e neste sentido reconstruiu a mentalidade dos chamados andarilhos do bem (benandanti), grupo de pessoas pertencentes à região italiana do Friul que, durante os séculos XVI e XVII, faziam oferendas para que as colheitas fossem profícuas. Foi também Ginzburg quem reconstruiu a história de um homem simples do campo, Domenico Scandella, também chamado Menocchio, que explicava a história do nascimento do mundo a partir da ideia da putrefação, com a metáfora do queijo e os vermes[20], indo de encontro ao pensamento dominante da Igreja Católica. Menocchio sustentou perante o Santo Ofício opiniões surpreendentemente convergentes com a destes e, por este motivo, foi preso e torturado pelo tribunal inquisitorial, que era composto por grupos de sofisticados intelectuais da época. No sistema inquisitório, de acordo com Lopes Jr[21], o mesmo juiz que acusava, também defendia e julgava.
Nesta linha de historicizar a instituição do Tribunal do Júri, é importante destacar que, após 1789 a França passou a adotar o sistema acusatório, conforme preleciona Cunha Martins[22], baseado na ação popular, no júri, no contraditório, na publicidade, na oralidade do juízo e na livre convicção do juiz.  É deste período também que ocorre a separação, demonstrada por Ferrajoli[23], entre juiz (sujeito que exerce função judicante, que passou a ter papel de espectador passivo e desinteressado em virtude da proibição de proceder de ofício) e acusação (função de postulação). Ainda para este jurista italiano nascido, o processo misto de tipo francês e italiano, da justaposição de uma instrução inquisitória e de um juízo acusatório, é um “monstro”[24].
No Brasil, num apanhado histórico linguístico, social, dogmático e historicamente apresentado por Rangel[25], pode-se dizer que o primeiro Tribunal do Júri foi instituído em 18 de junho de 1822, composto por 24 juízes, homens considerados bons, honrados, inteligentes e patriotas, com a finalidade de julgar os crimes de imprensa. Passou por alterações na Constituição de 1824 e, em 1832, o Código de Processo Criminal ampliou a competência. A Constituição de 1891, em seu artigo 72, parágrafo 31, manteve o Júri e sua soberania. A Constituição de 1937, de acordo com Tourinho Filho[26], não se referiu ao Júri e, por este motivo, gerou muita polêmica, tendo sido disciplinado no ano seguinte pelo Decreto-Lei 167 de 1938, surgindo duas grandes novidades: o número de jurados que foi reduzido para 07 e extinguiu-se a soberania.
A Constituição Federal de 1988 prevê o Tribunal do Júri no Capítulo referente aos “Direitos e Garantias Fundamentais”, mais precisamente no artigo 5º, inciso XXXVIII, que diz respeito aos direitos individuais, espécies do gênero fundamental: […] É reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados: a) a plenitude de defesa; b) o sigilo das votações; c) a soberania dos veredictos; d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida: homicídio; infanticídio; participação em suicídio e aborto.
Sobre a competência de julgar o aborto, a legislação pátria concebe como crime o aborto praticado pela gestante nas demais condições não excepcionalizadas pelo art. 128 do Código Penal, risco de vida à gestante e gestação advinda de estupro.
O aborto é objeto de grande debate ético na compreensão de Singer[27], é tema de estudo da Bioética que, nas palavras de Bellino[28], é constituída por um estatuto epistemológico multidisciplinar e, nos dizeres de Reis e Aguiar[29], é a ética da vida.
Não é costumeiro veem-se nas cenas cotidianas do Júri Popular mulheres levadas a julgamento por terem cometido o aborto. Apesar de uma possibilidade advinda da criação legislativa penal sobre aborto, eminentemente masculina nas expressões conhecidas de Beauvoir[30], são casos raríssimos[31], como a de uma mulher em Taguatinga (DF) ter ido à Júri em 2011 pela prática do aborto. Portanto, o artigo legal 124 do Código Penal exerce muita forca simbólica, no entanto está dissociado da realidade social, pois, conforme já denunciou Bezerra[32], a produção do Direito no Brasil ocorre em dissonância com as reais necessidades da população.
O valor do feto está no valor que a gestante dá a ele ou na concepção que o Estado quer impor? O Estado pode intervir numa escolha inerentemente privada em nome de uma moralidade comum? Deve-se legislar mais e punir mais as práticas abortivas ou o debate pode ser permeado a partir de outras fontes do Direito, ao buscar respostas em outros campos, como a deontologia e bioética[33]? Neste sentido, pensa-se que a legislação punitiva está em descompasso com a realidade social. Uma mulher que pratique o aborto, pela legislação atual, não deveria responder uma ação penal e ser submetida a um Júri Popular, seu lugar é em outra esfera que o Estado deve atuar e melhorar: o serviço público ofertado pelo Sistema Único de Saúde.
Portanto, ao invés do Estado ofertar e mobilizar o aparato jurídico do Júri para aquelas que praticam o aborto, deve, contrariamente, preocupar-se em disponibilizar uma estrutura médico-psicológica[34] para o cuidado da mulher. O aborto, enquanto prática, é velado, silenciado, quando devia ser uma preocupação das autoridades públicas em campanhas de assistência social e de melhoria da qualidade de atendimento médico às mulheres, especialmente as mais pobres e que têm menos chance de ir a um ginecologista, utilizar métodos anticonceptivos ou mesmo de preocupar-se com taxas de natalidade e aumento populacional desordenado.
O Ministério da Saúde estima que a cada ano ocorre um milhão de abortos no Brasil[35], estima ainda que o abortamento é a quinta causa de mortalidade materna no país. Infere-se que: se um milhão de abortos são feitos, pensemos na aberração jurídica que seria o Tribunal do Júri julgar essa mesma quantidade de mulheres pela prática do aborto. Necessita-se tirar da abrangência do Estado a vigilância e a punição sobre os corpos femininos, permitindo, assim, que o debate sobre o aborto saia do campo da legalidade e entre no campo social. Precisam-se de políticas públicas, de programas de educação sexual e da defesa da autonomia reprodutiva da mulher, com base em princípios da bioética, erigidos por Beauchampe Childress[36].  A questão do aborto não pode ser vista sobre o prisma do dogmatismo e da intolerância, conforme denuncia Diniz e Ribeiro[37], como também a instituição do Tribunal do Júri não pode suportar ser o agente punitivo na encenação forçada pela ficcional legislação dissonante da realidade social.

Notas e Referências:
[1]ASSIS, Machado. Papéis Avulsos. São Paulo: Martin Claret, 2006. p. 59.
[2]HUNT, Lynn. A invenção dos direitos humanos. Tradução: Rosaura Eichenberg. São Paulo: Companhia das Letras,2009.p. 215. “A cascata de direitos continua, embora sempre com um grande conflito sobre como ela deve fluir: o direito de uma mulher a escolher versus o direito de um feto a viver, o direito de morrer com dignidade versus o direito absoluto à vida, os direitos dos inválidos, os direitos dos homossexuais, os direitos das crianças, os direitos dos animais — os argumentos não terminaram, nem vão terminar”.
[3]SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição de 1988. 6. ed., rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.p. 62. “Onde não houver respeito pela vida e pela integridade física e moral do ser humano, onde as condições mínimas para uma existência digna não forem asseguradas, onde não houver limitação do poder, enfim, onde a liberdade e a autonomia, a igualdade (em direitos e dignidade) e os direitos fundamentais não forem reconhecidos e minimamente assegurados, não haverá espaço para a dignidade da pessoa humana e esta (a pessoa), por sua vez, poderá não passar de mero objeto de arbítrio e injustiças”.
[4]GOLDBERG, Jacob Pinheiro. O Direito no Divã – Ética da Emoção. São Paulo: Saraiva, 2011.p. 66. “O homem é o único primata capaz de torturar e eliminar membros da mesma espécie, sem razão biológica, econômica, e com prazer. […] Tentemos compreender a dialética desta irracionalidade – dimensões, características e repercussões, como fórmulas de alternativas, no espaço do livre-arbítrio e da decisão. Porque é dado ao homem escolher entre o convívio e o conflito”.
[5] LUHMANN, Niklas. Sociologia do Direito I. Tradução: Gustavo Bayer. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1985.
[6] DELEUZE, Gilles. Controle e Devir.In: ______. Conversações. Tradução: Peter PálPelbart. São Paulo: 34, 1997. p. 216.  “A cada tipo de sociedade, evidentemente, pode-se fazer um tipo de máquina: as máquinas simples ou dinâmicas para as sociedades de soberania, as máquinas energéticas para as de disciplina, as cibernéticas e os computadores para as sociedades de controle”.
[7]BONFIM, Edilson Mougenot. No Tribunal do Júri. A arte e o oficio da tribuna. Crimes emblemáticos, grandes julgamentos. 2. ed.rev., aum. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 14. “Reincidente ou criminoso, primário ou recidiviste, o fato é que nada melhor, ainda, descobriu o homem para responder à sociedade em face do crime que infligir uma pena ao criminoso”.
[8] BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. São Paulo: Martin Claret, 2000. p. 15-16.“Percorramos a História e constataremos que as leis, que deveriam constituir convenções estabelecidas livremente entre homens livres, quase sempre não foram mais do que o instrumento das paixões da minoria, ou fruto do acaso e do momento, e nunca a obra de um prudente observador da natureza humana”.
[9]LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. P. 586-587. “O crime é história, passado,e, como tal, depende da memória de quem narra. A fantasia/criação faz com que o narrador preencha os espaços em branco deixados na memória com as experiências verdadeiras, mas decorrentes de outros acontecimentos. A imaginação colore a memória com outros resíduos[…]O crime sempre é passado, logo, história, fantasia, imaginação. Depende, acima de tudo, da memória. Logo, existe um obstáculo temporal insuperável para a tal verdade: o fato de o crime ser sempre passado e depender da presentificação dos signos do passado, da memória, da fantasia e da imaginação. Além disso, o juiz no processo penal tem uma atividade similar à do historiador, de modo que ele elimina dados (consciente ou inconscientemente) e também ter de conviver com uma infinidade de elementos fáticos que lhe são subtraídos, quer pelas partes, quer pela própria complexidade (que não permite a apreensão do ‘todo’). E tudo isso é feito dentro do ritual judiciário, com seus limites e deformações”.
[10] VERSÕES de um crime. Direção: Keoni Waxman. EUA, 1995.1 DVD (86 min), color.
[11] BONFIM, Edilson Mougenot. No Tribunal do Júri. A arte e o oficio da tribuna. Crimes emblemáticos, grandes julgamentos. 2. ed.rev., aum. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2007. p.11. “O Júri, por outro lado, não é mercado de palpites emocionais; é preciso um plus, uma crença, um flamejar de fé, para não se entrar no jogo das aparências ou no formal tecnicismo do faz-de-contas, em que um postula uma absolvição na qual não acredita, e outro postula uma pena que apenas dá pasto a sentimentos pueris, batendo ambos um martelo de plástico na bigorna de algodão de suas mediocridades”.
[12]FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Tradução: Raquel Ramalhete. 41. ed. Petrópolis: Vozes, 2013. p. 24. “A sentença que condena ou absolve não é simplesmente um julgamento de culpa, uma decisão legal que sanciona; ela implica uma apreciação de normalidade e uma prescrição técnica para uma normalização possível. O juiz de nossos dias – magistrado ou jurado – faz outra coisa, bem diferente de ‘julgar’. E ele não julga sozinho. Ao longo do processo penal, e da execução da pena, prolifera toda uma série de instâncias anexas. Pequenas justiças e juízes paralelos se multiplicaram em torno do julgamento principal: peritos psiquiátricos ou psicológicos, magistrados da aplicação das penas, educadores, funcionários da administração penitenciaria fracionam o poder legal de punir; dir-se-á que nenhum deles partilha realmente do direito de julgar; que uns, depois das sentenças, só tem o direito de fazer executar uma pena fixada pelo tribunal, e principalmente que outros – os peritos – não intervém antes da sentença para fazer um julgamento, mas para esclarecer a decisão dos juízes.
[13]BRUNO, Aníbal. Direito Penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1978. p. 45. “O Direito Penal, como qualquer Direito, não é uma construção isolada no tempo. É um produto histórico, que deriva de longa evolução de instituições penais e contém em si mesmo, em potencial, elementos de transformações futuras”.
[14]BLOCH, Marc. Apologia da história ou ofício de historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001, p.131. “[…] ao menos em numerosas sociedades, a aplicação e, em larga medida, a própria elaboração das regras do direito foram obra própria de um grupo de homens relativamente especializado e, nesse papel, suficientemente autônomo para possuir suas tradições próprias e, com frequência, ate uma lógica de raciocínio particular. A história do direito, em suma poderia muito bem só ter existência separada como história dos juristas: o que não é, para um ramo da ciência dos homens, maneira tão ruim de existir”.
[15] TUCCI, Rogério Laurita (Coord.). Tribunal do júri: estudo sobre a mais democrática instituição jurídica brasileira. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 11: “Há quem afirme, com respeitáveis argumentos, que os mais remotos antecedentes do Tribunal do Júri se encontram na lei mosaica, nos dikastas, na Heliéia (tribunal dito popular) ou no Areópago gregos; nos centenicomites, dos primitivos germanos; ou, ainda, em solo britânico, de onde passou para os Estados Unidos e, depois, de ambos para os continentes europeu e americano”.
[16]ESQUILO. Coéforas.  Disponível em: <www.oficinadeteatro.com>. Acesso em: 4 ago. 2014. Oréstia é uma trilogia composta pelas peças Agamênon, Coéforas e Eumênides; foi encenada pela primeira vez em 458 a.C., sendo a vencedora do primeiro prêmio nas festas dionisíacas de Atenas.
[17]KRAMER, Heinrich; SPRENGER, James. Malleus Maleficarum: O Martelo das Feiticeiras. 11. ed. Tradução: Paulo Froes. Rio de Janeiro: Record: Rosa dos Tempos, 1995. É muito importante para as questões de gênero a breve introdução histórica da edição brasileira feira por Rose Marie Muraro.
[18]COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. O Papel do Novo Juiz no Processo Penal.  In: ______. (Coord.). Crítica à Teoria Geral do Processo Penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.p. 23. “ao inquisidor cabe o mister de acusar e julgar, transformando-se o imputado em mero objeto de verificação, razão pela qual a noção de parte não tem nenhum sentido”.
[19]GINZBURG, Carlo. Os andarilhos do bem: feitiçaria e cultos agrários nos séculos XVI e XVII. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.p. 66.
[20]GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes: o cotidiano e as ideias de um moleiro perseguido pela Inquisição. Tradução: Maria Betânia Amoroso e José Paulo Paes. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.p.51.
[21]LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p.580. “O mito da verdade real está intimamente relacionado com a estrutura do sistema inquisitório; com o ‘interesse público’ (cláusula geral que serviu de argumento para as maiores atrocidades); com sistemas políticos autoritários; com a busca de uma ‘verdade’ a qualquer custo (chegando a legitimar a tortura em determinados momentos históricos); e com a figura do juiz-ator (inquisidor)”.
[22]CUNHA MARTINS, Rui. O Ponto Cego do Direito. The BrazilianLessons. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.p. 30. ”no processo inquisitório há um ‘desamor’ pelo contraditório, somente possível no sistema acusatório”.
[23]FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 454-455.
[24]FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p.456.
[25]RANGEL, Paulo. Tribunal do Júri: visão linguística, histórica, social e dogmática. Rio de Janeiro: Lumen juris, 2007. p. 544.
[26]TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v.1. p.83.
[27]SINGER, Peter. Ética Prática. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002. (Coleção biblioteca universal). p. 145. “Poucas questões éticas são, hoje, objeto de uma discussão tão acirrada quanto a do aborto, e, enquanto os pêndulos oscilam para lá e para cá, nenhum dos lados tem sido muito bem sucedido em modificar as opiniões de seus adversário”.
[28]BELLINO, Francesco. Fundamentos da Bioética: aspectos antropológicos, ontológicos e morais. Tradução: Nelson SouzaCanabarro. Bauru, SP: EDUSC, 1997.p. 15. “esta complexidade cultural e científica confere ao estatuto epistemológico da bioética uma conotação multidisciplinar, que envolve numerosos problemas filosóficos, biológicos, médicos, jurídicos, sociológicos, genéticos, ecológicos, zoológicos, teológicos, psicológicos”.
[29]REIS, Sérgio; AGUIAR, Mônica. Bioética no Cinema. Belo Horizonte: Ciência Jurídica, 2009.p. 11. “A bioética, que etimologicamente significa ‘ética da vida’, é formada por dois vocábulos gregos: ‘bios’ – vida e ‘ética’ – costumes, tendo por objetivo a busca de benefícios, da garantia da integridade do ser humano. Em outras palavras, é um campo disciplinar que busca conferir às ciências biomédicas limites éticos, como por exemplo nas práticas médicas, ou nas experimentações científicas, que utilizem animais ou seres humanos”.
[30]BEAUVOIR, Simone de. O Segundo Sexo. 2. ed. Tradução: Sérgio Milliet. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009.p. 23. “Legisladores, sacerdotes, filósofos, escritores e sábios empenharam-se em demonstrar que a condição subordinada da mulher era despejada no céu e proveitosa à Terra. As religiões forjadas pelos homens refletem essa vontade de domínio: buscaram argumentos nas lendas de Eva, de Pandora, puseram a filosofia e a teologia a serviço de seus desígnios. Desde a Antiguidade, moralistas e satíricos deleitaram-se com pintar o quadro das fraquezas femininas”.
[31] TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS. Assessoria de Comunicação Social do Tribunal de Justiça e Territórios. Mulher vai a júri responder por aborto. Processo: nº 2006.07.1.005526-7.  Disponível em: <http://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/noticias/2012/
novembro/mulher-vai-a-juri-responder-por-aborto>. Acesso em: 08 maio 2014.
[32]BEZERRA, Paulo Cesar Santos. A produção do Direito no Brasil: a dissociação entre Direito e realidade social e o direito de acesso à justiça. Ilhéus: Editus, 2001.
[33]BERNARD, Jean. A Bioética. São Paulo: Ática, 1998.p. 89. “Fronteiras que separam as nações são muitas vezes claras – um rio, uma cadeia de montanhas. Algumas vezes são imprecisas – águas territoriais cujos limites são contestados, ou um deserto ainda inexplorado. As fronteiras entre a bioética e o direito pertencem a essa segunda categoria. Não se sabia nem onde traçá-las nem como organizar as trocas entre os dois territórios”.
[34]BELLINO, Francesco. Fundamentos da Bioética: aspectos antropológicos, ontológicos e morais. Tradução: Nelson Souza Canabarro. Bauru, SP: EDUSC, 1997.p. 14. “mesmo criando dilemas morais, sobretudo entre velhas e novas morais derivadas, entre os valores da vida e da liberdade, as ciências biomédicas enquanto tais não negam nossos valores fundamentais, nem os alteram ou criam novos”.
[35]TARANTINO, Mônica. Aborto: está na hora de o Brasil encarar esse tema. Isto é, n. 2262, 22 mar. 2013. Disponível em: <http://www.istoe.com.br/reportagens/285170_ABORTO+ESTA+NA+HORA+DE+O+
BRASIL+ENCARAR+ESSE+TEMA>. Acesso em: 06 set. 2013.
[36]BEAUCHAMP, Tom L.; CHILDRESS, James.Princípios da ética médica. São Paulo: Loyola, 2002. Os princípios da bioética, na denominação de principialismo, nascem com Beauchamp e Childress. Trata-se de uma procura de erigir normas que sejam norte para as tendências discursivas em Bioética. A postura ética surge de uma valoração intrínseca a cada ser humano. Neste sentido, a importância da análise bioética abalizada na autonomia, na beneficência, na não maleficência e na justiça.
[37]DINIZ, Débora; RIBEIRO, Diaulas Costa. Aborto por animália fetal. Brasília: Letras Livres, 2003. p. 14-15. “a diferença entre mim e os indivíduos que se autodenominam defensores morais da vida e, por suas respectivas tortuosas linhas de raciocínio, consequentemente contrários ao aborto, é o fato de que, enquanto eles partem do pressuposto de que a solução para essa realidade perversa é proibir e condenar a mulher que aborta e aqueles que lhe dão ajuda, eu e muitos outros consideramos o aborto um problema social, passível de tornar-se objeto de políticas públicas, tal como ocorre com outros temas socialmente chocantes, como as crianças de rua e a violência urbana. Não é simplesmente com a adoção de práticas proibitivas e condenatórias que se soluciona problema dessa natureza”.

 

quarta-feira

Jack Balkin e o ônibus 174


 Publicado hoje no site da Editora Empório do Direito:


Jack Balkin e o ônibus 174 

No artigo “The ‘Bad Man’, the Good, and the Self-Reliant“, Jack Balkin desconstrói as visões polares e duais sobre quem é o homem mau, o bandido, o criminoso, sobre quem é o homem bom e o auto-suficiente.
Professor de Direito Constitucional da Yale Law School, Balkin, no artigo citado, indaga sobre a teoria jurídica, seus conceitos ambíguos e seu discurso, que tem um conteúdo velado e dissimulado, que precisa de uma leitura a contrapelo, de uma decomposição ou desmontagem, e aponta para a necessidade de uma reconstrução contextualizada.
Neste sentido, reflete-se sobre a construção já estigmatizada sobre quem é o homem mau. De prontidão, pode-se responder que é o criminoso. Portanto, é lugar comum analisar a maldade como sinônimo de descumprimento da lei.  Peguemos o exemplo do assaltante do ônibus 174 no Rio de Janeiro. O rapaz de prenome Sandro ficou conhecido quando fez passageiros reféns por um longo período de tempo, e teve a ação deflagrada por vários erros sequenciados da polícia e seu aparato estatal. Esse rapaz, antes de ser o bandido da história, teve um passado indigno, onde sequer ouviu a expressão “dignidade da pessoa humana”, tão bem quista no universo teórico da nossa constituição e da doutrina jurídica moderna.
Sandro é cria e criador de um mundo. Um breve resumo sobre sua vida: ainda criança, filho de pai desconhecido, teve a mãe assassinada, na sua frente, aos seis anos de idade. Morador de rua, escapou da Chacina da Candelária no Centro do Rio de Janeiro. Como tantos outros moradores de rua, que assolam as cidades brasileiras, que passam seus dias vagando em busca de uma sobrevivência animalesca, cometeu vários furtos e roubos e era usuário de crack. Sandro é uma espécie de um processo estrutural de (des)organização social, baseada em classes, a observar pelos dados fornecidos pelo IBGE,  a partir da renda per capita.
Nosso Estado Democrático de Direito existe na teoria bem inventada e construída de fontes nacionais, repetidoras de estrangeirismos que não se amoldam à nossa realidade, e nas diferenças entre princípios e regras. Na prática, em razão do grave abismo social, entender uma pessoa como a de Sandro, somente a partir da ótica do mau, do homem que representa ojeriza para os demais cidadãos, aqueles que podem ser vítimas de um criminoso, pronto para atacar as suas presas na selva darwinista da cidade grande.
Sandro não ficou preso na cadeia. Morreu no caminho para a delegacia, dentro do carro da polícia. No entanto, não se surpreenda, espécie igual a Sandro vai direto para a cadeia, um lugar construído para esse tipo de pessoa. Duvida? É só visitar um presídio: a realidade está lá, nua e crua. Tem rostos, cores e traços de um mosaico social antagônico e surreal.
Carnelutti diz que “todos os homens possuem incrustados em si o germe do bem e do mal, e o desenvolvimento de um ou de outro depende, em muito do tratamento que recebem ao longo da vida”. Em que pese a força que a sociedade exerce na formação institucional de nosso ser, que inicia seu processo de construção ainda no seio familiar, cada um de nós tem uma natureza, uma lei individualizada e singular do ser. Não existem dois iguais. Não existe igualdade, existe desigualdade. Não existe ordem, existe desordem e caos[1]. Em razão disso, Balkin rejeita a afirmação consagrada do que é o homem mau, rejeita a ideia sobre a qual o homem é bandido, pura e simplesmente, como um conceito dado. Ele rejeita esse pré-conceito,  baseando-se na convicção de que para compreender a lei, também temos de compreender as diferentes variedades do caráter humano e suas motivações. Neste sentido, a novidade é que Balkin desconstrói o lugar-comum da marginalidade, desconstrói o estereótipo de homem mau e nos faz verificar se, de fato, a exemplo de Sandro, o que é  um homem bandido e criminoso.
Balkin vai mais longe. Desconstrói o lugar do homem bom, baseando-se em Thoreau, afirma que “o único lugar para o genuinamente ‘homem bom’ é na cadeia”. Verificando que da espécie humana, clarificam-se indivíduos de várias faces, ele nos fala dos modelos de homens: aqueles são covardes, corajosos, conformistas, rebeldes, e tantos outros, independentemente do fato de que a natureza de tudo é socialmente construído. Visões consagradas de que o legislador é um homem bom, é totalmente rechaçada por Balkin. Ele nos fala, justamente, o contrário: os homens maus vão promulgar leis perversas como instrumentos de dominação dos outros.
Além disso, Balkin trata do conceito de auto-suficiente, que é aquele homem que decide violar a lei no interesse de um bem maior. Portanto, Balkin, questiona o lugar consagrado do legislador e diz: a lei pode e deve ser violada. Os motivos ensejadores dessa violação podem ser por motivação ímpia e insensível; violação em razão da coragem de levantar-se para que o resto da população saiba que a lei é injusta; e violação da lei porque a julgam incompatível com seus olhos, com seu modo de ser.
Nessa desconstrução, pergunta-se: Sandro não é mau? Nossos legisladores é que são?
Responda. Cada resposta única e individualizada nas possibilidades matemáticas, muda o final dessa reflexão.

Notas e Referências:
[1] ARONNE, Ricardo. Razão e Caos no Discurso Jurídico e outros ensaios de Direito Civil-Constitucional. Porto Alegre:  Livraria do Advogado Editora, 2010.

terça-feira

Hermenêutica Jurídica e utilização do método sistemático no Direito Tributário – Por Ângelo Boreggio Neto e Ezilda Melo

Artigo lançado no Curso Avançado de Direito Tributário Municipal por Ezilda Melo e Ângelo Boreggio


http://emporiododireito.com.br/hermeneutica-juridica-e-utilizacao-do-metodo-sistematico-no-direito-tributario-por-angelo-boreggio-neto-e-ezilda-melo/

Por Ângelo Boreggio Neto e Ezilda Melo – 16/02/2016
Introdução
“Nas obras, nas palavras: – o homem não se revela por todo inteiro, põe sempre alguma afetação, alguma convenção, alguma reserva, muita reticência: pelos seus trabalhos, os homens nunca se revelam inteiramente.”
Eça de Queirós
Parte-se da Hermenêutica Jurídica e seus métodos de interpretação, para, em seguida, verificar-se a importância da interpretação no Direito Tributário; noutro desdobramento, faz-se análise sobre a necessidade da Reforma Tributária, para, na sequência, demonstrar-se a importância dos princípios constitucionais e dos direitos fundamentais para a Hermenêutica Tributária; por fim, desagua-se, à luz de ensinamentos constitucionais-tributários, no método sistemático de interpretação.
Em meio a todas essas questões, faz-se uso de jurisprudências, tanto do Supremo Tribunal Federal, quanto do Superior Tribunal de Justiça, apontando a tendência hermenêutica destes Tribunais, bem como analisando os valores que norteiam as Cortes superiores do país no que se refere à interpretação da norma tributária.
1. Hermenêutica Jurídica
Na Antiguidade Clássica, recorria-se a Hermes, o mensageiro dos Deuses, pela busca da verdade escondida. Hermes foi retratado por Homero e por Hesiodo por suas habilidades e considerado benfeitor dos mortais, portador da boa sorte e também das fraudes. Autores clássicos também adornaram o mito com novos acontecimentos. Ésquilo mostrou Hermes a ajudar Orestes a matar Clitemnestra sob uma identidade falsa e outros estratagemas, e disse também que ele era o deus das buscas, e daqueles que procuram coisas perdidas ou roubadas. Seu atributo característico era a ambiguidade, pois ao mesmo tempo que era mensageiro dos deuses, era também fiel mensageiro do mundo das trevas. A palavra “hermenêutica” encontre consentâneos nas palavras “hermeneuein” (interpretar), “hermeneia” (interpretação), “hermeios” (sacerdote do oráculo de Delfos) e “Hermes” (o mensageiro dos deuses, na mitologia antiga ocidental).
O jurista trabalha com a análise do discurso e busca verdades. FOUCAULT (1996, p.10)  nos diz que “o discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo pelo que se luta, o poder de que queremos nos apoderar”. Mesclando essa análise com a ideia de ECO sobre a obra aberta, quando diz que a obra de arte é uma mensagem fundamentalmente ambígua, uma pluralidade de significados que convivem num só significante (2012, p.22), pode-se dizer que a interpretação do mundo é uma atividade de compreensão em todas as áreas do saber, inclusive no Direito.
Neste sentido, o jurista deve considerar o ordenamento jurídico dinamicamente, pois a interpretação é que mantém a vida da lei e das outras fontes do Direito. O intérprete é o renovador inteligente e cauto, o sociólogo do Direito. O seu trabalho rejuvenesce e fecunda a fórmula prematuramente decrépita, e atua como elemento integrador e complementar da própria lei escrita. MAXIMILIANO (1999, p.30) preceitua que a atividade do exegeta é uma só, na essência, embora desdobrada em uma infinidade de formas diferentes.
Da impossibilidade de se desvincular a interpretação do caso concreto, percebe-se claramente que em toda a interpretação existe criação de Direito. Portanto, a interpretação é uma escolha entre múltiplas opções; é o ponto de vista prevalecente ou que decide a questão debatida.
BASTOS (1999, p. 112) entende que a aplicação do Direito como uma atividade puramente mecânica de subsunção do fato à norma jurídica correspondente, implica em admitir que os juízes não passem de meros fantoches manipulados por um ente supostamente dotado de vontade própria: a lei. Essa formulação doutrinária, conhecida como teoria da subsunção, ou enquadramento perfeito da norma ao fato, está baseada na necessidade existente da segurança jurídica, que é o prévio conhecimento das regras que irão dispor as diversas relações que surgem na sociedade. Mesmo que a lei seja incerta, injusta, errônea, para a teoria da subsunção, essa lei deverá ser aplicada, pois assim evita-se que os juízes possam cometer erros, além dos já presentes nas leis humanas.
A interpretação de uma lei pode se realizar de vários modos.  Pode-se interpretar a lei, de acordo com MAXIMILIANO (1999, p.35 e ss.), tomando vários critérios concomitantemente ou em separado, por exemplo, quanto à fonte (a interpretação pode ser autêntica, jurisprudencial e doutrinária), quanto aos meios adequados para sua exegese (gramatical, lógica, histórica, teleológica e sistemática)  e quanto aos resultados da exegese (declarativa, extensiva ou restritiva).
Não se pode ser nem ser subjetivista, nem objetivista demais. Nesta perspectiva FERRAZ JÚNIOR (2007, p. 295), esclarece que o objetivismo levado ao extremo é o que decide os tribunais. Desloca a responsabilidade do legislador, na elaboração do direito, para os intérpretes. O subjetivismo levado ao extremo favorece ao autoritarismo ao privilegiar a figura do legislador, pondo sua vontade em relevo. Dessas colocações, surge um questionamento: como interpretar a norma?
De acordo com ALEXY (2008, p.59-64), o conceito de norma não pode ser definido de forma a pressupor a validade e a existência da norma. Da mesma forma que é possível expressar um pensamento sem tomá-lo como verdadeiro, tem que ser também possível expressar uma norma sem classificá-la como válida. Enunciados que têm por objetivo informar quais normas são válidas devem ser chamados de enunciados sobre validade normativa.
Para ALEXY (2008, p. 65) normas de direitos fundamentais são aquelas normas que são expressas por disposições de direitos fundamentais; e disposições de direitos fundamentais são os enunciados presentes no texto da Constituição alemã, e somente esses enunciados.
É também ALEXY (2208, p.85) que trata sobre os critérios tradicionais para a distinção entre regras e princípios, quando expressa que, com frequência, não são regra e princípio, mas norma e princípio ou norma e máxima, que são contrapostos.
2. Interpretação no Direito Tributário
Vislumbra-se que o legislador do Código Tributário Nacional preocupou-se com a forma de interpretação de matéria tributária, visto as peculiaridades da disciplina, e logrou êxito em trazer ao mundo jurídico as próprias normas de hermenêutica do Direito Tributário. Os artigos 107 a 112, assim como o artigo 118, são as normas gerais de Direito Tributário que o legislador tratou do tema da interpretação tributária.
Em que pese a determinação legal, não se atém ao hermeneuta tributário apenas a letra fria da lei, pelo contrário é necessário que sinta o caso fático e observe a pertinência de cada método de interpretação, conforme a aplicação de casos semelhantes e valores envolvidos, para a construção de uma solução (PAULSEN, 2008, p. 124).
Evidente que por se tratar de matéria que regula as relações contribuinte e Estado, as peculiaridades da disciplina se fazem gritar, já que o tratamento não será igual para as relações entre dois particulares ou ainda entre dois entes públicos, denotando, portanto vulnerabilidade do contribuinte. É claro que não significa ser interpretado diversamente dos outros ramos do direito, todavia a interpretação será pautada pelas especialidades da matéria tributária.
No ramo do direito tributário, há que atentar o hermeneuta para não confundir princípio com conceitos jurídicos e não jurídicos, como por exemplo, econômicos e financeiros, posto que são imprestáveis no plano jurídico (BECKER, 2007, p. 337).
Com isso, o arcabouço principiológico tributário deve ser respeitado e levado sempre em consideração no ato hermenêutico, observando então os princípios da legalidade, anterioridade, capacidade contributiva, isonomia, uniformidade geográfica, irretroatividade de lei tributária, vedação do confisco e liberdade de tráfego.
O objetivo do direito tributário é a regulamentação de tributos, que tem por finalidade essencial a manutenção dos cofres públicos, no sentido de dar condições financeiras ao Estado de praticar a gestão pública, com ênfase em atender as necessidades sociais. Contudo, necessário observar e equalizar o direito do contribuinte em sua propriedade privada e a observância dos princípios supramencionados.
Nesse sentido, ATALIBA (2002, p. 127) expressa de modo preciso que as diversas situações pré-jurídicas trazem, apesar de não justificar, situações das mais diversas, que produzem decisões disparatadas de nossos Tribunais.
Portanto, o que se busca na interpretação tributária é a justeza da decisão, a humanização da norma, a aproximação da letra fria da Constituição ao calor da sociedade. Isso porque, em determinados casos, ocorrem divergências de pensamentos direcionando para soluções diversas.
Isso porque, o valor do direito é a justiça, cuja essência vai muito além da mera matemática ou simples ações humanas, e sim como a junção efetiva destes atos, proporcionando assim o bem comum (REALE, 2000, p. 272).
HABERLE (2002, p. 12-13), neste sentido, esclarece que é necessário colocar a questão sobre os participantes do processo da interpretação de uma sociedade fechada dos interpretes da Constituição para uma interpretação constitucional pela e para uma sociedade aberta e propõe a seguinte tese: no processo de interpretação constitucional estão potencialmente vinculados todos os órgãos estatais, todas as potências públicas, todos os cidadãos e grupos, não sendo possível estabelecer-se um elemento cerrato ou fixado com numerus clausus de intérpretes da Constituição.
Interpretação constitucional tem sido, até agora, conscientemente, coisa de uma sociedade fechada. Dela tomam parte apenas os interpretes jurídicos vinculados às corporações e aqueles participantes formais do processo constitucional. A interpretação constitucional é, em realidade, mais um elemento da sociedade aberta e um elemento formador ou constituinte desta sociedade. Os critérios de interpretação constitucional hão de ser tanto mais abertos quanto mais pluralistas for a sociedade.
Ainda, não se pode desprezar no ato hermeneuta a tradição do intérprete, seu conceitos e preconceitos, seus valores influenciaram indubitavelmente na compreensão, assim como não se pode fechar os olhos a dimensão histórica do processo, sendo assim utópica a atividade axiologia neutra. (PIMENTA, 2005, p. 184 e 185).
Uma boa proposta de solução a tal impasse hermeneuta é a participação social de modo mais constante nas decisões polêmicas, como o convite mais constante ao amicus curiae, representando a vontade de parte da população e seus argumentos, de modo que possa ser analisado e levado em consideração pelo interprete.
HABERLE (2002, p. 14), indica-se como interpretação apenas a atividade que, de forma consciente e intencional, dirige-se à compreensão e à explicitação de sentido de uma norma (de um texto). Para uma pesquisa ou investigação realista do desenvolvimento da interpretação constitucional, pode ser exigível um conceito mais amplo de hermenêutica: cidadãos e grupos, órgãos estatais, o sistema público e a opinião pública representam forças produtivas de interpretação; eles são intérpretes constitucionais em sentido lato, atuando nitidamente, pelo menos, como pré-intérpretes. Todo aquele que vive no contexto regulado por uma norma e que vive com este contexto é, indireta, ou até mesmo diretamente, um intérprete dessa norma. Experts e ‘pessoas interessadas’ da sociedade pluralista também se convertem em intérpretes do direito estatal.
3. Reforma Tributária e Hermenêutica
É notório que o arcabouço jurisprudencial da Suprema Corte Brasileira, após a nova ordem jurídica humanística apresentada pela Constituição de 1988, bem como pela sucessiva alteração no corpo humano do órgão, denota a evidente alteração nos padrões sociais, bem como a aproximação do direito ao calor popular.
De acordo com VELJNOVSKI (1994, p. 40), os seres humanos respeitarão a lei apenas se for de seu interesse fazê-lo, e, de qualquer forma, eles tentarão minimizar as desvantagens que a norma legal lhes impõe.
Neste contexto, é imperioso asseverar que o Direito Tributário carece de profundas reformas desde há muito, e o que existe são apenas projetos infindáveis que nunca conseguiram ser aprovados, talvez até por falta de vontade política, ou por não existir consenso, ou ainda pela ausência de oportunidade e conveniência.
SILVA (2010, p. 21-23), defende a ideia de que os direitos fundamentais têm um conteúdo essencial é algo que vem sendo sustentado pela doutrina e pela jurisprudência brasileiras com frequência cada vez maior. Que direitos, em geral, contenham um conteúdo mínimo pode ser algo intuitivo, que decorre da própria noção de que, sem a garantia desse mínimo, a garantia do próprio direito seria de pouca valia.
Independente da razão fundante, o fato é que a ausência de reforma na estrutura da lei tributária resta à hermenêutica dos julgadores superiores aplicar a principiologia constitucional, de modo a melhor proteger o contribuinte.
É ainda SILVA (2010, p.25) que fala que a preocupação dos legisladores constituintes com um conteúdo essencial dos direitos fundamentais é normal sobretudo – mas não exclusivamente – em constituições promulgadas após períodos autoritários ou totalitários, como é o caso de todas as constituições aqui mencionadas (com exceção, claro, da constituição europeia). Mas mais importante ainda que reconhecer esse fenômeno constituinte é examinar qual é o seu significado para a dogmática dos direitos fundamentais.
Importante asseverar que o hermeneuta deve ter a sensibilidade de observar a norma interpretada com uma postura de dinamismo, já que a renovação e interação se faz patente na mesma, em razão da mutação dos acontecimentos sociais. (MELO, 2008, p. 228).
AMARAL (2010, p. 05) define a Constituição Federal de 1988 como prolixa e casuística e diz: “se o Direito é a ciência do dever-ser, parece intuitivo que o domínio de suas regras seja o poder-ser”. Explica que em razão de determinadas causas dados preceitos já nascem fadados à ineficácia: a intrínseca deficiência do texto; a manifesta ausência de condições materiais para seu cumprimento; impossibilidade de judicialização do bem ou interesse que se pretende tutelar.
Para GALDINO (2010, p.26), os direitos fundamentais devem ser entendidos como princípios, e “os princípios cumprem função normativa, eventualmente criando situações jurídicas subjetivas para os respectivos destinatários”. Este mesmo autor admite que de modo algum o estudo das normas jurídicas e de suas correlações lógicas pode esgotar o objeto da ciência do Direito. No que, não existe uma, mas várias ciências jurídicas. Então, a norma busca influenciar o comportamento das pessoas. O Direito não apenas descreve a realidade “antes, busca através de sua força normativa, amoldá-la a valores, que não se confundem com a própria norma”. E, no caso de direitos fundamentais, não apenas tende a influir em comportamentos particulares, mas também no do Estado, principalmente.
GALDINO (2010, p. 18) afirma que as normas não se confundem com os dispositivos: “inexiste correspondência biunívoca entre dispositivos e normas”. O que torna patente a polissemia que ocorre também nesse aspecto. Pois “para que haja norma jurídica nem mesmo é necessário que haja dispositivo positivado”, em casos como princípios implícitos e normas costumeiras.
Distingue, também, GALDINO (2010, p. 19-20)  as normas em:  aclaratórias, normas de organização e, notadamente, normas de sobre-direito. No que as primeiras nada teriam de efeitos jurídicos, apenas complementar e esclarecer outros dispositivos, Já as de organização são as que regulam a organização dos poderes do Estado. As de sobre-direito seriam as normas que estabelecem critérios para aplicação de outras normas (também jurídicas), a exemplo da LINDB, que seria verdadeira norma geral de aplicação das normas jurídicas, regulando aplicação das normas e afastando antinomias. Tais normas seriam materialmente neutras, apresentando critérios como o temporal.
Ocorre que em diversas ocasiões verifica-se que as normas não recebem a melhor interpretação por parte do STF, por tal razão é imperioso  uma releitura das normas tributárias, de modo a alargar a sua aplicação em razão da importância de uma proteção mais forte ao contribuinte.
4. Princípio da Unidade da Constituição e da Proporcionalidade
Sobre o princípio da unidade da constituição CANOTILHO (1998, p.1097) preceitua: o “princípio da unidade da constituição ganha relevo autônomo como princípio interpretativo quando com ele se quer significar que a constituição deve ser interpretada de forma a evitar contradições (antinomias, antagonismos) entre as suas normas. Como ponto de orientação, guia de discussão e fator hermenêutico de decisão, o princípio da unidade obriga a considerar a constituição na sua globalidade e a procurar harmonizar os espaços de tensão existentes entre as normas constitucionais a concretizar (…). Daí que o intérprete deva sempre considerar as normas constitucionais não como normas isoladas e dispersas, mas sim como preceitos integrados num sistema interno unitário de normas e princípios”. Portanto, diante do princípio da unidade da constituição, percebe-se que é um moderno princípio de interpretação constitucional.
O princípio da proporcionalidade, por sua vez, é o grande propulsor da hermenêutica constitucional aplicada nas decisões recentes do Supremo Tribunal Federal. Em matéria tributária o STF pauta-se pela organização de suas decisões sempre fundadas na principiologia constitucional, não apenas nos princípios específicos tributários como legalidade, anterioridade, capacidade contributiva, irretroatividade, mas também e de modo enfático, os princípios gerais como razoabilidade, proporcionalidade e segurança jurídica.
Neste viés, sempre importante lembrar que segurança jurídica é a alma do próprio direito, fundamenta-se nos ideais de igualdade e certeza, bem como deriva do estado democrático de direito (ATALIBA, 1985, p. 145 a 155).
A aplicação do princípio da proporcionalidade em aplicação da norma tributária traz a ideia de compor os conflitos de interesses sociais com a observância dos meios adequados e não lesivos sobremaneira a uma das partes. O Estado que figura na lide exacional como parte autora, deve utilizar de meios comedidos e legais no ato da cobrança de tributos, por outro lado, a lei deve ser interpretada de modo que garanta ao contribuinte não ser vilipendiado em seu direito de propriedade e dignidade.
Assim, o princípio da proporcionalidade enquanto instrumento de hermenêutica, visa solucionar a lide, reverenciando mais um dos princípios gerais, buscando desobedecer o menos possível dos demais, harmonizando com isso os princípios constitucionais em conflito, em nome da paz social.
A aplicação da proporcionalidade em matéria tributária tem ainda que observar as questões que se referem à dicotomia interesses públicos versus interesses privados. Durante muito tempo, toda a doutrina brasileira foi uníssona em afirmar a supremacia do interesse público sobre o interesse privado. Modernamente, vozes dissonantes dão mostra de que o princípio da supremacia do interesse público sobre o particular tem que ser reanalisado tendo como base os direitos fundamentais. Um paradigma, portanto, questionável.  SARMENTO (2005, p. 97) acha difícil pensar numa limitação mais vaga e indeterminada aos direitos fundamentais do que a proteção do interesse público.
É ainda de SARMENTO (2005, pg. 99) a ideia de que a supremacia elimina qualquer possibilidade de sopesamento, premiando de antemão o interesse público envolvido, e impondo o consequente sacrifício do interesse privado contraposto. Portanto, totalmente incompatível com o princípio da hermenêutica constitucional, que obriga o intérprete a buscar, em casos de conflitos, solução jurídica que harmonize, na medida do possível, os bens jurídicos constitucionalmente protegidos, sem optar pela realização integral de um, em prejuízo do outro. Sendo assim, a supremacia do interesse público sobre o privado está em total descompasso com a ordem constitucional brasileira. Portanto, o que fazer?
Uma possível solução já foi proposta por SARMENTO (2005, pg. 101) ao afirmar que se deve procurar uma solução racional e equilibrada entre o interesse público e privado implicados no caso. E, ao invés de uma supremacia a priori e absoluta do interesse público sobre o particular, ter-se-ia apenas uma regra de precedência prima facie. Do contrário, fragiliza-se demais os direitos fundamentais, que não são dádivas do poder público, mas a projeção normativa de valores morais superiores ao próprio Estado. Sendo assim, fica evidente que os direitos fundamentais despotam com absoluto destaque e centralidade no atual Estado Democrático de Direito.
Como bem assevera COSTA (2009, p. 59 e 60), a aplicação do princípio da proporcionalidade tem como objetivo a harmonia entre a arrecadação fiscal e a pontual observância dos princípios constitucionais tributários, representando os direitos dos contribuintes.
Desta feita, a proporcionalidade traz uma nova visão de hermeneuta, solucionando conforme os direitos humanos os conflitos capciosos enfrentados em tribunais espalhados pelo país, com ênfase nas questões tributárias, que tradicionalmente eram julgadas pelo poderio Estatal.
Mister ressaltar que o princípio da proporcionalidade é princípio fundamental em nosso ordenamento jurídico aplicável a todas as áreas, apontado como divisor de águas no direito moderno.
Nota-se que o juiz ao aplicar a norma tributária constitucional, deverá verificar o reflexo social da mesma a ser atingida e observando o interesse coletivo (COSTA, 2009, p. 157).
É sempre possível aplicá-lo de modo paralelo com outro especial princípio que é o da razoabilidade. Tal princípio visa evitar ações arbitrárias, assim socialmente inaceitáveis. É de importância extrema em face da validade das medidas do estado que ferem exercício de direitos individuais. (PONTES, 2000, p. 78 a 80).
Sua aplicação conjunta na hermenêutica de normas tributárias propicia o ideal do estado democrático de direito, com ótica social, respeitados os direitos individuais, coletivos e difusos.
5. Hermenêutica Tributária e os Direitos Fundamentais
O processo de alteração no “pensar” o direito teve como marco histórico basilar a necessidade da observância dos direitos e garantias fundamentais, previstos no artigo 5º da Constituição Federal como o centro de qualquer discussão jurídica no país, assim, a constitucionalização do direito é irreversível.
Nessa vereda, o princípio-mãe da Constituição Federal de 1988, que revolucionou a ordem jurídica definitivamente no Brasil, especialmente no que tange a hermenêutica, é o princípio da dignidade humana. Com esta nova diretriz, os tribunais, especialmente os superiores, passaram a pautar suas decisões na essência deste princípio, resvalando em todos os ramos do direito, portanto também no direito tributário.
Nesse ínterim, imperioso destacar que o Supremo Tribunal Federal possui várias decisões com inclinação a equiparar os princípios tributários a direitos fundamentais.
Dentre as decisões, destaca-se a ADI 939-7/DF, que imputa ao princípio constitucional da anterioridade a força intransponível de cláusula pétrea, e com isso apenas permitindo sua modificação com a própria revogação da Constituição como um todo, já que vivemos em um sistema rígido de modificações do texto constitucional. Verbis:
(…)
2. A Emenda Constitucional n. 3, de 17.03.1993, que, no art. 2º, autorizou a União a instituir o I.P.M.F., incidiu em vício de inconstitucionalidade, ao dispor, no parágrafo 2° desse dispositivo, que, quanto a tal tributo, não se aplica “o art. 150, III, b e VI”, da Constituição, porque, desse modo, violou os seguintes princípios e normas imutáveis (somente eles, não outros): 1. – o princípio da anterioridade, que e garantia individual do contribuinte (art. 5º, art. 60, §4°, inciso IV e art. 150, III, “b” da Constituição); 2. – o princípio da imunidade tributária recíproca (que veda a União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a instituição de impostos sobre o patrimônio, rendas ou serviços uns dos outros) e que e garantia da Federação (art. 60, par.4., inciso I,e art. 150, VI, a, da C.F.);
(…)
Tal entendimento amplia o rol do artigo 60, §4º, da CF/88, todavia percebe-se o ideal da hermenêutica do STF, pois a realidade é que os princípios constitucionais tributários, apesar de não estarem expressos como cláusulas pétreas, em sua essência protegem sempre algum elemento pétreo, assim sua revogação enfraqueceria o direito protegido pelo manto pétreo.
No caso em debate, verifica-se que o princípio da anterioridade visa proteger o contribuinte da fúria arrecadatória fiscal, especialmente concede ao contribuinte o mínimo de aviso antecedente pela criação ou majoração de carga tributária, com isso o princípio da segurança jurídica, ou da não-surpresa, está veladamente assegurado.
Conforme abalizada posição de CARRAZZA (in MARTINS, 2006, p.111) por trás do simples princípio da anterioridade, encontramos a noção de segurança jurídica, evitando que do dia para a noite o contribuinte seja surpreendido por mais uma exigência fiscal, sem tempo hábil de preparação Quanto à evolução da hermenêutica tributária no órgão máximo do judiciário brasileiro é patente. Outra situação que o STF demonstrou está atento à principiologia fundamental da Constituição, foi no caso do processo administrativo fiscal, em que sempre foi obrigatório no Brasil o pagamento de 30% para a admissibilidade de recurso administrativo.
Tal entendimento, em razão da repetição da administração, transformou-se na Súmula Vinculante nº 21, in verbis:
É INCONSTITUCIONAL A EXIGÊNCIA DE DEPÓSITO OU ARROLAMENTO PRÉVIOS DE DINHEIRO OU BENS PARA ADMISSIBILIDADE DE RECURSO ADMINISTRATIVO.
Ocorre que o constituinte traz como direito fundamental claro, o direito de petição, o livre acesso ao judiciário e o duplo grau de jurisdição. Ainda, a Constituição Federal de 1988 equipara o processo judicial ao processo administrativo, aplicando a ambos a mesma base principiológica.
Portanto, a exigência de 30% do valor para ingressar com recurso administrativo, segundo a hermenêutica do STF, fere o direito de petição, o livre acesso à justiça e impede o duplo grau de jurisdição, declarando a Suprema Corte a inconstitucionalidade da referida cobrança.
POSNER (2010, p. 61), esclarece que ao ser favorecida uma parte por uma decisão, a outra parte é prejudicada. O problema é esse: em que nos baseamos para tomar uma decisão que favorece uma das partes? A sugestão do economista é um algoritmo técnico: avaliemos todas as vantagens e desvantagens em dinheiro para as duas partes e minimizemos os custos conjuntos ou, então, o que redunda no mesmo, maximizemos a soma dos benefícios líquidos.
De acordo com GALDINO (2005, p.243) o Direito é considerado como mais uma engrenagem no complexo mecanismo de alocação de recursos na sociedade. Neste sentido, as normas jurídicas em geral, muito especialmente as normas concretas, e notadamente as decisões judiciais, devem ter em vista – como critério mesmo da decisão – a máxima eficiência.
Nesta seara, tantas outras decisões superiores de importância, que deixamos para discutir em outros trabalhos, porém necessário aceitar que precisamos avançar muito ainda, especialmente para o direito alcançar a evolução social.
6. Interpretação Sistemática no Ordenamento Jurídico Brasileiro
Neste último ponto do artigo usa-se o método de interpretação sistemático como forma de demonstrar a importância da interpretação constitucional para o direito tributário. O texto constitucional que se faz interpretação é o art.151, III: é vedado à União instituir isenções de tributos da competência dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios.
Doutrinariamente, encontra-se, por exemplo, em COELHO (1999, p. 548), uma análise interpretativa sobre o art. 151, III, CF, no sentido de esclarecer que o Constituinte de 1988 não está limitando a competência do Estado brasileiro para concluir acordos tributários que envolvam gravames estaduais e municipais, mas apenas proibindo, na ordem jurídica interna, a isenção heterônoma e ditatorial que já existiu na Constituição de 1967.
Jurisprudencialmente, trazemos julgado do Superior Tribunal de Justiça, oriundo do Recurso Especial nº 90.781-PE, com o seguinte posicionamento:
Tributário. Isenção. ICMS. Tratado Internacional. 1. O sistema tributário instituído pela CF/88 vedou a União Federal de conceder isenção a tributos de competência dos Estados, do Distrito Federal e Municípios (art. 151, III). 2. Em consequência, não pode a União firmar tratados internacionais isentando o ICMS de determinados fatos geradores, se inexiste lei estadual em tal sentido. 3. A amplitude da competência outorgada à União para celebrar tratados sofre os limites impostos pela própria Carta Magna. 4. O art. 98, do CTN, há de ser interpretado com base no panorama jurídico imposto pelo novo Sistema Tributário Nacional. 5. Recurso Especial improvido. (DOU 20/10/97, p.52.977, rel. Min. José Delgado).
Portanto, percebe-se que há um entrechoque de interpretações, sejam doutrinárias ou jurisprudenciais, privilegiando a importância de dispositivos constitucionais sempre em detrimento de outros mandamentos também de natureza constitucional.  Se, de um lado, há a possibilidade de a União conceder isenções heterônomas pela via dos tratados, baseando-se na disposição contida no artigo 21, inciso I. Por outro, é também juridicamente defensável a ideia de que a vedação imposta à União aplica-se a situações indistintas, portanto tanto internamente, quanto externamente, ou seja, tanto na ótica nacional, quanto na internacional.
ÁVILA (2205, p. 15) diz que o importante não é saber qual a denominação mais correta desse ou daquele princípio. O decisivo, mesmo, é saber qual é o modo mais seguro de garantir sua aplicação e sua efetividade.
Na tentativa de resolucionar as antinomias, a questão deve ser enfocada sob o aspecto material da competência outorgada às entidades componentes do Sistema Federativo brasileiro. Posto isto, sem ser de outra forma, no aspecto material da competência atribuída pelo inciso I, do artigo 21, tem-se que a vedação imposta pela letra da Constituição, no artigo ora analisado, ocorre no sentido de proibir que seja instituída norma isentiva de tributos estaduais ou municipais pela União. Em assim sendo, afasta-se possíveis antinomias surgidas da interpretação/aplicação das normas constitucionais. Reforça-se, neste sentido, a corrente hermenêutica que considera que a União pode veicular isenção de tributos estaduais e municipais através de tratados, porém, considerado como indispensável a participação dos demais entes federados.
Sendo assim, está-se diante de um estudo hermenêutico tributário que faz vir a lume o método de interpretação sistemático como forma de dirimir a questão. A decidibilidade é uma necessidade no Direito e os métodos de interpretação são necessários na interpretação tributária, juntamente com o uso da doutrina, da jurisprudência e dos princípios gerais do Direito.
Conclusão:
A Hermenêutica Tributária deve ter por base a Constituição Federal e seus princípios, seja quanto a tributos federais, estaduais, distritais ou municipais. A iluminação da essência do Estado Democrático de Direito e a preocupação com a evolução do padrão de pensamento da sociedade, também são nortes interpretativos fundamentais.
Diante do explanado, insta frisar que se defende o uso do pluralismo metodológico, da hermenêutica constitucional, da tópica, da retórica e da jurisprudência dos valores, que são hodiernamente fundamentais para a doutrina do Direito Tributário Nacional, contrariamente ao estrito positivismo jurídico na Hermenêutica Jurídica.
A importância do Direito reside no objetivo maior da lei, que é buscar o justo. A partir dessas colocações, parte-se para constatações importantes: inexiste uma Hermenêutica Tributária, como ramo autônomo da Hermenêutica Jurídica, e neste sentido, inexiste também uma Hermenêutica Tributária Municipal; e na resolução dos casos que envolvem Tributos Municipais é essencial que se faça uso da mais moderna Hermenêutica Constitucional.
Desta forma surge no âmbito jurídico a plena necessidade da aplicação dos princípios constitucionais da razoabilidade, proporcionalidade, bem como dos direitos fundamentais como ponto de partida da Hermenêutica Tributária, que surge como tendência de interpretação do STF.
Isso porque busca a Corte Suprema Brasileira humanizar a letra fria da lei tributária, concedendo na interpretação da mesma, um caráter social, ainda que seja em seu reflexo.
A interpretação da lei tributária pelos tribunais superiores, sob a ótica dos direitos fundamentais, também ocorre pela busca da plenitude do Estado Democrático de Direito, conquistado apenas com o respeito a integridade principiológica e axiológica da Constituição.
Ainda, a necessidade da Reforma Tributária se faz presente para atualizar a legislação, com vistas aos anseios sociais e ao impacto da legislação tributária na sociedade, tendo como norte o arcabouço jurisprudencial superior.

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Artigo dos Professores Ezilda Melo e Ângelo Boreggio foi publicado no Curso Avançado de Direito Tributário Municipal, Coordenado por Saulo Medeiros da Costa Silva e Arthur Cesar de Moura Pereira e pode ser comprado no seguinte endereço eletrônico: http://www.amazon.com/AVAN%C3%87ADO-DIREITO-TRIBUT%C3%81RIO-MUNICIPAL-Portuguese-ebook/dp/B01AYOANY4

Poesia para esta manhã

"Infelizmente não são só as gerações que envelhecem uma após a outra ; envelhece também a raça em conjunto."
Joaquim Nabuco